2013/01/11

Qualquer coisa pra te ter novamente

Baseado em uma novela mexicana alheia.


Minha viagem finalmente se encerrou e enfim voltei à minha cidade. Foram três semanas acompanhadas de um sentimento intraduzível: tinha com quem me importar, mas queria mesmo era estar contigo.
O que eu mais fiz, além de responder questionários clichês de tudo quanto é parente, foi calcular o tamanho da burrice que fiz antes de partir. Tinha tudo nas mãos. Digo, tudo o que precisava. Mas não, decidi escolher o mais fácil. Prendi-me a outro alguém. Fiz isso de escolher entre a outra e você só pra não me citarem aquele ditado besta: “mais vale um passarinho na mão do que dois voando”. Te soltei. Me prendi. E agora queria estar voando por aí, andando por aí, bebendo um café por aí, assistindo a um drama francês por aí; talvez ouvir uns discos do Esmites por aí (dói lembrar da tua risada ao ouvir-me caçoando The Smiths, porque, ah, como eu sinto falta). Por aí... Aí ao teu lado.
Não quero contar sobre o que aconteceu com a outra, pois aconteceram coisas boas, não escondo. Sei que está se coçando pra perguntar “Quem é melhor? Eu ou ela?”, mas acho uma baita baixaria ficar comparando. Não tem como, nem porquê. Porém, posso te dizer que o número de bons momentos foi tremendamente menor que o número de desavenças. Brigas. Brigas bobas. Mas o maior motivo de eu não querer mais a desgraçada foi, e continua sendo, você. Bá, mas tu me tiras o sono de um jeito, guria... Se pelo menos fosse o teu cabelo bagunçado no meu peito ou teus beliscões fraquinhos no meu braço os motivo dessa insônia, estaria tudo bem. Mas me ocorria exatamente o oposto. Tua ausência. Fazes-me falta. E eu sei que meu filme está queimado contigo. Muito queimado. Tostado. Cremado. E a culpa nem tua é. Eu peguei o que sentia por ti e lancei pela janela do carro, enquanto me distanciava. A cara que tu fez, enquanto eu me despedia, guria, hoje lembrando, dói em mim. Dava pra ver na tua cara, que você queria chorar, não sei se de raiva por ouvir minha decisão ou de dor por gostar de mim de um jeito que, naquele tempo, era maior que o que eu sentia por ti. Pensando mais em mim, não me importei com o que tu sentias, por mais que eu gostasse de ti.
Aí... Parti pra minha terra natal e lá reencontrei aquele pacote com tudo o que sentia. Inocência, carinho e um pouco de esquizofrenia. Uma franja tão grande que esconde teus olhos verdes e teus lábios que me encantam brutalmente. E você ainda me dizia que o cabelo jogado na cara era só pra esconder as olheiras. Mas, guria, você não imagina o quanto essas olheiras são bonitas e charmosas. Através dela, percebi tua alma inquieta, que passa noites pensando em... tudo. Inclusive, pensando em caras que partiram teu coração, como eu.
Mas eu fui tolo. Desperdicei-te. Desperdicei a chance de passar horas discutindo sobre o mérito de tal diretor por receber tal prêmio, ou diálogos sobre tristezas passadas, que nos atormentam e moldam nossa personalidade até hoje, ou sobre as vantagens de ser depressivo. Coisa, aliás, que temos em comum em alta quantia.
E na ceia de natal, enquanto todos faziam a piada do pavê ou comentavam sobre o show anual do Roberto Carlos (“como ele chegou ao patamar de ‘rei’?”, lembro de você me perguntar isso uma vez num tom indignado), eu estava cada vez mais decidido em largar a outra e... correr pros teus braços. Mas eu sabia que você não me receberia sorridentemente. Acho que você me odeia atualmente. E eu sabia que você já estava se envolvendo com outro. Menos babaca que eu, espero. Mas isso não me interessa.
Porém, acredito que você não me odeia tanto, tanto, até porque ainda trocamos mensagens humildes por celular. Quer dizer, eu mandava uma sms com algum assunto aleatório e você me respondia com teu clássico “haha :)” no final, que me deixa puto. Não sei se você me respondia por educação, pra não soar grosseira, ou porque ainda tinha vontade de mim.
Assim que cheguei à Curitiba, minha primeira vontade foi correr para tua casa. Mas eu não estava pronto. Eu precisava redigir um pedido de desculpas. Eu precisava estar pronto para poder te encarar e contar as verdades.
Primeiramente, me abri com uma amiga, aquela que você sentia um pouquinho de ciúmes por termos uma amizade tão sincera, mas você sabe que eu não a desejava do jeito que eu te desejava. Depois, fui me abrir sobre você com um amigo, que é um romântico frustrado, pior que eu. Você não o conhece, ele é gente boa, um depressivo melancólico, pior que nós dois juntos. Aliás, vocês deviam se conhecer, mas depois. Essas duas pessoas serviram só pra eu atestar com mais força essa vontade de ter você. Pensei em como agir, pensei muito. Lembrei que aquele teu livro favorito está comigo. Dormi com ele sob meu travesseiro só pra que absorvesse meu cheiro. Mandei-te uma mensagem de celular com “preciso te ver, estou com aquele teu livro.... quando podemos nos encontrar?” esperando que você se desmanchasse em ansiedade, alegria e vontade; mas você respondeu apenas “nossa, estou cheia de compromissos por aqui :( acho que só na semana que vem... que tal sábado? Haha :)” E na madrugada de sexta-feira, quando escolhemos o local do encontro, iniciei uma crise de ansiedade que me atormentava todas as noites e me fazia dormir às quatro da manhã. Uma semana depois, um dia antes do reencontro, eu estava mais ansioso, porém ainda não tinha algo definido pra te falar. Eu queria logo era te dar um abraço cheio de arrependimentos e um beijo demorado. Até brinquei com meu amigo melancólico pra ele escrever um roteiro (ele manda bem nos contos, mas não mais que você) para o nosso encontro com um com um final feliz e um felizes para sempre. Mas acho que você não aceitaria seguir um roteiro alheio, pois tens vontades próprias e é toda não -linear.
Eu tinha três certezas sobre nosso estimado encontro: devolver teu livro, presentear-te com aquele livro que tanto você queria e ficar todo confuso na hora de falar.

Menina, você é encantadora. Tens um feitiço fortíssimo. Deixa-me com vontade de sentar ao teu lado e fazer tanta coisa... Xingar o maldito Von Trier, assistir três vezes seguidas “Annie Hall”, dizer porquê choramos em “as vantagens de ser invisível” (você indignada que o menino tinha sido violentado pela tia era algo... fofo!), almoçar ao som do Jeff Buckley, discutir sobre Bukowski (como você mesma dizia, “o cara é tão bêbado, que tem ‘whisky’ no nome!”) e.. tanta coisa... “ao infinito e além!”. Ah, guria, como eu quero me desculpar e voltar a ficar bem contigo. Como eu quero. Como eu te quero! Menina, eu te quero.



"Lover, you should've come over
Cause it's not too late"

2013/01/10

2/3 Irmã

...

Entrei no apartamento. Quinta-feira, três da tarde, era pra ele estar em casa. Conferi a cozinha, que estava organizada, exceto por uma faca suja e um pote de ketchup vazio, ambos, na pia. No lixo, um pacote de pão francês do mercado da esquina. Na sala, sobre a mesa aos pés da janela, que estava aberta, nada além de cinco carteiras de cigarro, um cinzeiro transbordando bitucas, um livro sobre inteligência emocional e o encarte de um disco, que estava no toca-discos. Quarto de visitas, como de costume, trancado. Banheiro aparentemente normal. Nada demais.
Eu sei que ele não teria as manhas de se matar, por mais melanco-deprê-pessimista-queria-ter-nascido-no-século-XVIII que fosse, mas... Nunca se sabe. Se bem que não encontrei algo que o encorajasse perdido pela casa, como uma garrafa de uísque. Mas, sei lá, “imprevisível” é o segundo nome do meu irmão.
Entrei no quarto principal. Era janeiro, mas a cama estava soterrada por cobertores. Demorei a distingui-lo em meio a tantas cobertas. Um pé, seguindo tradição que ele mantinha desde a infância, independente da temperatura, descoberto e pra fora da cama. Parada na porta, fiquei o observando. Enquanto dormia, sempre exprimia uma cara sofrida e apertada no travesseiro. E o coitado suava. Estava inteiramente molhado de suor. Ele esteva envolto em um sanduíche de cobertores, e, aparentemente, estava usufruindo de um gostoso e necessário sono. Mas eu precisava conversar com esse maldito.
Comecei a descobri-lo, que relinchou e virou-se para o lado oposto. Puxei o edredom que estava embaixo dele. Puxei com força. E ele foi rolando pelo colchão até cair no chão.
- Ah! Filhada, meu braço!
Ficou choramingando no chão até que começou a se levantar lentamente, me avistou e disse:
- Ô, lazarenta, por que fazer isso? – sentou-se na cama acariciando o braço esquerdo - Aliás... Por que você está aqui?
- Bem idiota você, né? Se isolou do mundo por quatro dias e ainda me pergunta o que vim fazer aqui.
- Não sabia que você tinha a chave.
- Claro que tenho.
- Tá, mas não te fiz nada. Você não devia se importar com isso tudo.
- A Olívia me ligou um milhão de vezes nestes últimos dias. Primeiro, pra te xingar sobre a merda que você fez, que, aliás, não sei o que foi, porque ela não quis me dizer. E depois, preocupada por você ter desligado o telefone e dito ao porteiro pra deixar ninguém subir aqui. Na tua cabeça, essa loucura pode ser normal, mas você precisa manter as pessoas que te querem bem despreocupadas com a tua situação.
- Foi por isso que me isolei. Fiquei quatro dias sem dormir numa insônia culposa pensando em como pedir desculpas pra Olívia.
- Mas... pra quê... se isolar?
- Remorso demais pra dar as caras por aí.
- Seu imbecil, tem nada de dar as caras... Cê só precisava dar notícias pra Olívia. Ela realmente ficou preocupada.
- Eis o problema...
- Quê?
- Olívia!
- Não entendi, o que ela fez de errado?
- Nasceu.
 - A culpa é dela por você ter feito merda?
- É!
- E... Por quê?
- Porque estou com medo... Passei muito tempo com ela pensando que não passava de algo passional entre nós... Pensei que eu seria capaz de ficar longe dela... De não me importar com ela... De pensar somente em mim... De viver a minha solitária... e depressiva vida... em paz. Mas aí...
Repentinamente, começou a tremer e confundir as palavras. Foi aí que percebi as lágrimas. Ele veio em minha direção, me deu um desesperado abraço e chorou mais ainda. Mais do que quando nossos pais faleceram. Ele realmente não estava bem. Ou estava bem demais, mais do que propriamente imaginava merecer.
- Inês, eu amo a Olívia! Eu não queria, mas ... Eu gosto dela de um jeito... sei lá... diferente. Que me faz deseja-la o tempo todo ao meu lado. Eu sei que isso é babaquice amantes de primeira viagem, mas... E, ah, ela cuida de mim de um jeito... Não sou ingrato, sei que você é minha irmã e que cuidou de mim muito bem desde que nossos pais se foram. Mas ela...
- Poxa, mas se você sente tudo isso, por que fugiu dela?
- Vergonha pelo que fiz.
- Ela não quis me contar... Você também vai se calar?
- Mas você sabe o que eu fiz.
- Eu sei, mas não sei.
- Contei pra ela sobre um fato específico do meu passado.
- Cê não tá falando de quando você...
- Sim! Não termina. Eu falei pra ela disso.
- Mas você é um... Então você realmente gosta dela. Não é qualquer pessoa que consegue mergulhar no teu passado. Nossa, você gosta muitíssimo dela.
- E esse é justamente o problema...
- Mas o que tem de errado em gostar dela? Ela é incrível. E se ela gosta desse teu jeitinho... bizarro de ser... agarre-se.
- Isso, eis o ponto. Eu não queria me prender. Eu não queria laços. Eu não queria amar. Porque depois que termina... dói, mas dói muito. É um negócio ardido. Uma dor absurdamente brutal, que abala de um jeito horrível...
- Cala a boca, você está dizendo isso baseado no que viveu com a Heloísa. Pense bem, essa Heloísa era um demônio maldito. Ela te fazia mal, mesmo enquanto você a amava. Eis o problema, você a amou demais, mas não foi recompensado. Ela nunca conseguiu retribuir, no mesmo peso, os sentimentos. Aí ela percebeu isso, e, se mandou.
- O bom é que o amor que eu sentia por ela, que não era pouco, se reverteu em ódio e, só assim, consegui me livrar das memórias.
- E a Olívia, poxa, dá pra ver que ela te ama. Não sei dizer se mais do que você ama ela, mas é grande também.
- Mas eu não quero que a depressão anêmica que eu vivi depois que a Heloísa me largou se repita.
- Cada caso é um caso. Não se prenda a fatos passado. Aliás, se você estivesse se baseando em algo bom, tudo bem, mas estamos falando daquela maldita. Alias, se não tem que ficar pensando no futuro, viva o agora, seu idiota.
- Clichê como sempre, você. Mas, sempre me dando as porradas necessárias.

...