2009/11/29

A ligação - Não me deixe sangrar

Não acreditei quando reconheci a voz no outro lado da linha do telefone.
Era ela, a única garota que realmente marcou minha adolescência, com um amor que perdurou até o fim de minha juventude, para o qual escrevi poesias e canções. Mas pra minha infelicidade, ela não transparecia seus sentimentos, eu não conseguia saber se ela gostava ou não de mim, nem ao menos o que ela achava de mim. Me encantei, me declarei, sonhei, desejei, gritei pro mundo, e nada de ela dar uma resposta. Qualquer que fosse, eu aceitaria, positiva ou negativa, boa ou má. Esperava a opinião dela pra poder viver, me livrar deste platonismo, pra poder procurar alguma paz. Com ou sem ela, viver um amor decente.

- Alô?- atendi o telefone, igual a um zumbi.
-Tomas! É você, Tomas?- exclamou uma bela porém aflita voz.
-...Sim, sou eu. Olha aqui... quem é o maluco que tá me ligando à essa hora da noite!?
-É a Norah, lembra de mim? Ah, e agora são exatamente 3 e 16.
-O que? Tá me zuando, né? A Norah morreu pra mim. E mais, ela nem deve se lembrar de mim. Vá dormir.
- Não, Tomas! Sou eu. A garota da Ordem.
- ... não acredito.
Sim, eu realmente não acreditava. Ainda mais que ela lembrara do apelido que dei a ela.. 'Garota da ordem' porque ela vivia no Largo da Ordem, se quisessem encontrá-la era só passar por lá. Bebendo ou na fila de um show, ou tudo isso junto. Seu roteiro era sempre: Leôncio, Müeller, Largo, Leôncio, Müeller, Largo... Haviam outros motivos para o tal apelido, mas esses prefiro guardar.
-Tom, seu idiota! Sou eu mesma. Estou em Curitiba.
-....
Sono e a surpresa eram tão grandes que o silêncio me dominou.
-Tooôôomass!? Eu preciso te ver. Voltei de Portugal, pra te ver... eu mudei! Eu aprendi muito desde que deixei o Brasil, me arrependo de muita coisa. Principalmente de não ter te ouvido, e de dar atenção àquelas vadias que me chamavam de "amiga".
Hahae, queria acreditar que era um trote muito bem feito... mas não era. Ao mesmo tempo, estava assustado, irritado, tentando relembrar de tudo que fiz e senti por ela. Mas a ira me dominava mesmo, fora o fato de ser acordado as 3 da manhã do unico dia em que posso realmente dormir, pois há muito tempo guardava toda a fúria de um jovem apaixonado.
-...vá a merda! Se for realmente você, Norah, quero que você se exploda, depois de tudo o que eu fiz e ver você me ignorar, concluí que tu não merecia meu amor, isso a 7 anos atrás.
-Poxa, Tomas, me desculpe por tudo o que eu disse e fiz pra você que te magoou, mas eu estou mudada. Por isso quero conversar com você...
-...-
Eu cochilei enquanto ela falava aquelas bobeiras.
- ...se você me ignorar assim, nem sei o que eu posso fazer. Perdi tudo por causa de um crápula que me iludiu, perdi até minha família. Você é minha ultima esperança. A morte não é a próxima alternativa.
-...
Eu realmente estava interessado em saber o que tanto aconteceu com ela nesse tempo que ficamos longe um do outro, mas fingia que estava nem aí, foi uma espécie de troco pra tudo que ela fez comigo.
-Não sei o que posso fazer, creio que será ruim para os demais, mas para mim não. De nada adianta mesmo, minha vida já é uma merda, não custa nada eu acabar com ela hoje.
-Pode deixar, eu arrumo uma roupa bem bonita pro teu velório.
Saiu por impulso, não pude controlar, mas foi a coisa mais maléfica que eu pudia ter dito a uma garota, ainda mais pra garota desordem. Por mais que eu gostasse de sarcasmo, aquela não era uma boa hora para isso.
- Foda-se!...
Tu-tu-tu...! Desligou o telefone, me fazendo ter noção do que eu disse e da realidade que estava vivendo.
O sono morreu e deu lugar a preocupação, e muitas perguntas surgiram em minha mente. Como Norah conseguiu meu telefone? Qual o motivo de ela ter vindo pra cá? O que aconteceu com ela? Por que precisa tanto me ver? O que se passa na cabeça dela? O que vai fazer agora? Onde ela está? Será que ela mudou muito fisicamente?
Não consegui sozinho tirar nenhuma conclusão. Eu, definitivamente, não conseguia raciocinar às três da matina. Como eu iria achá-la agora? E aliás, por que ela me liga de um numero restrito. Precisa de mim mas não quer que eu a encontre. Poxa vida. Enfim, depois de uns cinco minutos após a ligação, concluí que estava preocupado com Norah, e sim, queria muito reencontrá-la.
Para o bem dela, e para o meu próprio, aquele encontro deveria acontecer. Mas, tinha a convicção de que aquilo seria masoquismo. Coisa que eu não fazia desde que ela partira. Pensar nela e inventar um futuro utópico me estrangulava internamente, mas momentaneamente sentia que tudo aquilo poderia dar certo, me fazendo feliz, e iludido. Malditos adolescentes que se iludem facilmente.
Depois de ir e vir no tempo, ainda deitado, decidi levantar, vestir alguma roupa e sair. Procurar Norah ou algo que possa me ajudar nessa busca. Ela disse que estava na cidade, mas faltou dizer exatamente onde. Mesmo com toda essa confusão, não poderia deixar de cumprir meu ritual dominical: levantar e por meu "In your honor" pra tocar. Sentei, a primeira musica começou, comecei a pensar sobre onde minha antiga paixão estaria. A música me pegou, e quando percebi já estava gritando: Can you feel me? Feel me breathing. One last breath before i close my eyes.
O que cortou minha diversão foi, novamente, o telefone. No desespero atendi, com esperanças de ouvir a voz de Norah.
- Tomas, por que eu fui tão idiota em te ignorar? Não quis te conhecer, tive medo. Me martirizo por isso. Mas não me arrependo do que acabei de fazer.
Tenso, esperei que ela continuasse.
-Tenho uma garrafa de vidro cheia de cachaça que pode ser facilmente quebrada, e vários remédios tarja preta. Qual dois me dará uma morte mais agradável?
- Norah! Você está drogada? Onde você está? Não faça nada! Por favor.
- Você sabe onde me encontrar, mas não estou com muita paciência agora.
Simplesmente soltei o telefone saí em disparada, sem casaco ou carteira. O Largo da ordem não era muito longe da minha casa. Mas numa situação dessas, eu poderia chegar tarde demais, e deixar uma tragédia acontecer. Por mais memórias ruins que eu guardasse, ela era o maior amor de toda a minha vida, não podia perdê-la assim.