2010/07/07

O seguidor - Exclusivamente particular

"...just hold me tight.
Lay by my side
and let me be the one..."
The Used - Smother me



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-Bonita sua namorada. Alias, acho que a conheço de algum lugar.
-...Ah, ela me disse que vocês já ficaram.
-Não, sai fora, sou hetero!
- Tô de brinques!


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-Oi, Alice. O que faremos no sábado a noite?
-Oi. Puts, não sei. Alguma ideia?
-Sim, um pessoal me chamou para uma outra festa. Estou afim, vamos?
-Uau, pode ser... Te ligo depois, vou entrar na aula agora. Beijo, Alberto.



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 A rotina era o unico problema no relacionamento de Alberto e Alice. Ainda mais para ele, que estava estudando intensamente, em ano de pré-vestibular. Ela, apesar de ser mais nova que ele, já era universitária. A unica preocupação da família dele, era que ela pudesse atrapalhar seus estudos, mas ele não teve culpa de conhecer a garota no mesmo ano de vestibular. Eram suas duas únicas prioridades, externamente, a principal era o vestibular, mas internamente, ela dominava seu ser.
No meio de semana, eles se encontravam poucas vezes, por pouco tempo, pela rotina de estudos que ambos seguiam. O fim de semana era intenso, overdose. Exceto pelo sábado a tarde, quando ele tinha aulas de revisão. Mas depois da aula, era Alice até a madrugada de segunda, quando ele a trocava pela rotina.
Geralmente, eles ficavam pelo centro da cidade, bebendo, conversando e observando as pessoas e o céu. Raramente, eles iam a alguma festa, bar ou show. 
Não era a intenção de Alberto fazer amigos no Cursinho, mas a necessidade de comunicação e distração o aproximaram de algumas pessoas. Ali ele tinha poucos amigos, como sempre foi. E como sempre ele se aproximava de pessoas com gostos e interesses semelhantes. Num dia qualquer, uma amiga o convidou para uma festa. Ele foi, junto com Alice. Lá, eles ficaram isolados do povo. Na segunda-feira, seus colegas comentaram sobre sua garota. "-Que bonito vocês dois no canto, conversando." "- Vocês combinam.".".. acho que a conheço...". Na mesma semana, a mesma amiga o convidou para outra festa. No mesmo dia ele informou Alice sobre a festa. Depois de mais uma semana cansativa, o sábado chegou.
Já era de praxe Alice esperar Alberto na saída de sua aula. Desta vez, o casal precisava esperar uma galera para irem juntos à festa.
 O Colégio foi o ponto-de-encontro da galera. Enquanto alguns ainda não chegavam, Bertô apresentava Lice aos colegas.

Era a segunda semana em que eles iriam a um festa cujo organizador é colega de Alberto. Na semana passada, eles foram numa junina feita por Norah. Em qualquer festa, Alberto e Alice preferiam ficar isolados, no canto, conversando, tanto que ninguém a conhecia e ele não teve a capacidade de apresentá-la   aos seus colegas.
Na segunda-feira, fora novamente convidado para outra festa, e Norah,que estava na festa passada, comentou para Alberto que acreditava conhecer Alice de algum lugar.
Enquanto o povo restante não chegava, Norah comentou:
- Alice, esse teu namorado é um palhaço! Disse pra ele que você era muito bonita e que achei que te conhecia de algum lugar,-Alberto encarou Norah como se a ordenasse parar de falar- e ele bem assim: "Ah, ela me disse que vocês já ficaram.", mas tipo, eu ri, porque eu sou hétero e tenho nojo de lésbicas.

O que ninguém, além de Alberto, sabia era que Alice fora fortemente apaixonada por uma garota, antes de conhecê-lo. E ele foi o responsável por fazê-la esquecer aquele maldito platonismo corrosivo. E Alice odiava citações homossexuais. Ela tinha péssimas lembranças do tempo de ilusão e auto-mutilação. Ela não podia ouvir qualquer coisa relacionando seu nome ao homossexualismo
Alberto dizia muitas coisas sem pensar, sem querer ofender, mas algumas vezes magova alguém, e se arrependia depois. Ele tentava controlar essa patologia, mas era do subconsciente, era impulso, era desproposital. Alice sabia disso, desde o início tentou viver com essa doença dele. Mas às vezes ele se superava, e ela se machucava. Foi o que aconteceu neste sábado.

Alberto estava sem reação após ouvir Norah. Ele não achou que sua colega contaria sobre sua brincadeira da segunda-feira. Ele não imaginava que Alice saberia da brincadeira.
Norah percebeu que havia feito cagada, e se calou.
Alice preferiu pensar, calada, numa reação, que não piorasse ainda mais sua situação, e de Alberto. Ele errou, mas não era por isso que ela deveria agir inconscientemente e errar por vingança. Sua opção foi virar as costas e começar a andar, calada, sozinha, em direção a sua casa.
Alberto também preferiu pensar; entre ficar ali e correr atrás, preferiu seguir Alice. Antes, encarou Norah e a mandou à merda. Então, ele correu.

Albertou correu até Alice. Ela apressou o passo, ele imitou. Ela estava indo pra casa, ele iria onde fosse para se explicar e pedir perdão. Ele iria onde ela fosse, em qualquer situação.
Ambos calados, pensando no que dizer.
Como penitência, ela mantinha silêncio. Porque ele sabia que era errado fazer aquele tipo de brincadeira.
Já era noite. Ela tinha medo de andar sozinha a noite, então aceitou sem dizer a presença de Alberto.
Ele pensava, e pensava, e quanto mais pensava, mais confuso ficava, e menos sabia o que dizer. Sabia apenas, tinha certeza, que seguiria sua garota onde ela fosse.
Eles não eram de brigar. Quando havia um desentendimento, conversavam depois de pensar no fato.
Eles não tinham o que conversar, Alberto deveria se explicar, perdir perdão mais uma vez e convecê-la de que, mesmo com a infantilidade, ela deveria ficar com ele; segundo as promessas: pra sempre.
Ela morava longe, a trinta minutos de onde estavam e precisava tomar um ônibus para chegar em casa. Quanto mais próximo o ponto d'ônibus ficava, mais ela acelerava o passo. Alberto foi seguindo.
Ele sabia que já havia errado bastante. Ele sabia que precisava mudar. Ele sabia que ela poderia dar um fim no romance. Ele sabia, principalmente, que não conseguiria mais viver sem tê-la ao seu lado. Ele sabia que era recíproco. Mas ele sabia que ninguém é obrigado a tolerar suas babaquices.
Finalmente, chegaram ao ponto, que estava vazio. Alberto havia pensado no que dizer, pelo menos em como começar a dizer:
- Olha, eu não quero dizer as mesmas coisas que digo toda vez que faço algo errado! Você não quer falar, tudo bem, concordo, mas você ainda têm ouvidos, então, me escute, mesmo que eu trave dizendo verdades que me machuquem...
O ônibus chegou, ela entrou. Ele, sem convite, entrou também. Ele continuou:
-Porra, Alice, porra! Tu sabes que eu ajo desse jeito com todos, amigos, familiares, desconhecidos e você. Sabe que é um sério problema mental que eu tenho. Sabe que é sem pensar. Sabe... Nunca é minha intenção te magoar. Quando você está longe, pra evitar que pense besteiras, eu começo a brincar, me distrair, e nunca é minha intenção te fazer lembrar daquele passado maldito...
"Nós já tentamos destruir esse meu defeito, lembra? Mas nós descubrimos que ele não morre, ele só pode ser controlado. Pouco me importo com qualquer outro, mas com você é diferente... sempre foi, desde o início. Foi diferente na conquista, na convicção, no primeiro beijo, em tudo! Por favor, seja diferente e me perdooe, mais uma vez. Não me ignore. Eu sei que eu sou um idiota, eu sei que eu errei, eu sei que eu digo as mesmas coisas quando erro. E você sabe que é um problema incontrolável. E eu sei que eu não deveria ter brincado sobre aquele assunto, mas você sabe que eu apelo a qualquer coisa pra fazer alguem rir. Você sabe, eu sou um palhaço natural e desproposital... Escute tudo, continue me ignorando, e quando quiser falar, estarei ao teu lado pra te ouvir..."
E ele prosseguiu com seu sermão, ela prosseguiu com seu silêncio, a hora de descer do ônibus chegava.
Ela desceu, ele seguiu. A rua era escura, Lice estava com medo, mas disfarçava, ele não se importava, acompanhava o silêncio observando seu maior vício andar e ignorá-lo.

Desde que entenderam que estavam realmente dependentes, fisica e mentalmente, um do outro, começaram a brincar, que ambos eram drogas, e ambos estavam viciados em suas drogas, drogas exclusivamente particulares. Às vezes as drogas causavam alguns danos, mas era tolerável, nada que impedisse uma nova overdose.
Cinco quadras de caminhada e eles, enfim, chegaram a casa de Alice. Alberto, que ainda não conhecia, se impressionou com o tamanho e a beleza da casa. Ainda era cedo, 20h, então Alice não se preocupou em tocar a campanhia, da própria casa. Ela não tinha as chaves de sua casa. Uma voz atendeu, liberou o portão, e antes de Alice entrar, ela pronunciou:
- Na minha casa você não entra!
Não era nem pelo erro, Alberto não entrava na casa de Alice pelo simples fato de sua família ainda desconhecê-lo. A mãe e os irmãos de Alice não sabiam da existência de Alberto, nem da importância que ele tinha na vida dela.
Ela entrou, bateu o portão, atravessou o jardim, abriu a porta da casa, entrou e bateu a porta. Alberto ficou ali fora, sem reação.
Por um segundo, ele teve vontade de partir e esperar que ela ligasse; mas não, ele não andou inútilmente para chegar até ali. Em pé, em frente ao portão, ficou ali, sozinho.
Alice deu "oi" à sua família, que estava na sala, fantasiou uma dor de cabeça, e foi para seu quarto. Se trancou.

Num intervalo de pensamentos, Alberto disse ao escuro:
- Pra piorar, poderia estar chovendo.
Não era intenção dele, mas funcionou como um prece. O céu, que não estava tão limpo, começou a se fechar. Nuvens surgiram do nada. Em instantes a chuva nasceu, intensa: como o romance de Alberto e Alice.
Alberto ignorou, continuou ali, sozinho. Depois de um tempo, a chuva passou, Alberto, inteiramente molhado, olhou as horas: 00:00
Ele achava uma besteira  de que: quando alguém vê que horas e minutos estão iguais, alguém está pensando  nesse alguém que viu as horas. Mas ele respeitava quem acreditva nisso, acreditava em Alice.
Ela era aficionado pela brincadeira, e acabou deixando Alberto esperto. Quando ele olhava o relógio, e o fato acontecia, ele lembrava de Alice, que era viciada nessa brincadeira.
Ele esperava que o "00:00" não tivesse sido em vão.
Ele lembrou de uma música, de uma das bandas favoritas de Alice, que dizia: "Não, não, eu não vou desistir assim..." Teimoso e persistente que era, disse à si mesmo:
-Eu só saio daqui quando ela implorar...

Alice, não estava pensando nele, estava relembrando os bons momentos e tentanto se reanimar com as lembranças boas.Não fazia ideia que seu garoto estava na rua, sozinho, esperando quem prolongava sua vida.
Alberto salvou Alice, como ela salvou ele da depressão e da vadiagem. Ela chegou em sua vida para estabilizá-la e pô-la de volta num rumo. Ele precisava de garantias que a mantivessem em seus braços. Começou a estudar.

A rua era escura, mas tranquila e livre de perigos. Perguntem se Alberto importava: Não, ele não se importava.
Uma das coisas que ele dizia que mais apaixonava e confortava Alice, era "Pergunta se eu me importo." Qualquer defeito irrelevante era destruído pelo jeito doce e compreensível de Alberto. Ele não se importava com defeito físicos ou materiais. Ele se importava em cuidar de Alice, em fazê-la feliz, em deixá-la viva. Se importava com Alice e com quem pudesse alegrá-la ou machucá-la. Motivo para se importar consigo mesmo.

Ele já ignorava as horas, mas não conseguia ignorar a dor que dominou suas pernas e seu pulmão.
A casa em sua frente começou a movimentar-se, um zumbido surgiu em seus ouvidos, o coração exigia mais ar para funcionar, o ar não obedecia, o escuro ficou mais escuro, o chão ficou mais próximo. Alberto desmaiou.

Alice pensava que Alberto já havia partido, tanto que estava esperando que ele desse um "oi" em qualquer rede social que participava. Mas ele não aparecia. Cansada, ela escolheu uma série de músicas e aumentou o volume. Ficou lá, deitada, sozinha, cantando, até adormecer.

Alberto foi recuperando seus sentidos. Primeiro, o pensamento. Depois, a voz, que fracamente pediu por Alice. Quando recuperou o tato, percebeu que onde estava deitado não era maisa calçada onde havia caído, era bem mais confortável. Enfim, voltou a visão.
Não estava mais na rua, era um quarto. Um quarto desconhecido em que a decoração se aparentava muito com o quarto de sua vó, mas não era pela cama de solteiro onde estava deitado. Ele simplesmente não sabia onde estava, e não encontrava uma pista que o respondesse.
Suas pernas e seu pulmão ainda doíam. Deitado, cansado, prefiriu ficar ali, quieto, agurdando a resolução do mistério: Que lugar é esse?
Ele ouvia um barulho, mas não sabia distinguir o significado nem a origem.
Pensando em Alice, se assustou quando a porta abriu. Entrou no quarto uma senhora dizendo:
- Como você está?
Alberto, meio com vergonha, questionou:
-Mas que lugar é esse? Quem é você?
-Meu quarto. Bernadette é meu nome.
Esse nome não lhe era estranho, ele já ouvira várias vezes mas não lembrava de quem... Alice, foi ela quem citou esse nome. Ele lembrou:
- Você... Não!... Você é a mãe da Alice!

Era ela mesma. Ela e seu outro filho, Caio, recolheram Alberto para sua casa, sem noticiar sua filha. Ela já conhecia indiretamente Alberto:
- Calma! Nem toda sogra é bruxa. Até mesmo porque toda sogra é mãe. Tua mãe é sogra, portanto não tenha ódio de sogras... Enfim, eu sei que você é o Alberto, o garoto que namora minha  filha, sem minha autorização... Mas fique tranquilo, a internet é incrível, me ajudou a descobrir esse romance sem sequer minha filha saber...
Era certo que ele ficaria pasmo ao saber disso. Mas lembrou da filha de Bernadette:
- E onde Alice está?
-No quarto dela, trancafiada, no escuro, com suas músicas.
- Que horas são? Quanto tempo eu fiquei desacordado?
- Já passou das três horas. Bom, quando eu e meu filho te recolhemos já passava da uma hora.
-Caramba... Não sei nem o que dizer.
-Não precisa. Se quiser dormir mais, durma.
-Não! Eu quero ver Alice!
-Bom, se você conseguir entrar no quarto dela... eu autorizo o namoro de vocês.

Quatro meses, e a mãe de Alice nem sabia. Como se fizesse diferença.

Alberto tentou levantar, mas uma tontura o fez sentar. Acalmou-se e perguntou a recém-conhecida sogra:
-Onde é o quarto dela?
- Vem comigo...

O som era aterrorizante, a porta estava trancada. Bernadette pediu silêncio. Alberto fez sinal de "tudo bem". A sogra foi embora. Ele se aproximou da porta. Reconheceu a música, era uma que ele odiava mas Alice amava.
Ficou em pé, em frente a porta, pensando no que fazer.
O nível de ódio da música seguinte aumentou, e foi crescendo, sucessivamente.
Ele sentou, na parede oposta à porta, de fronte a porta.
Um silêncio enfim surgiu. Alberto conseguia ouvir lágrimas vindas do quarto. Óbvio que eram de Alice. Ele sentiu vontade de chorar, pelos erros que a motivaram a chorar.
O silêncio deu lugar à calmaria de uma canção. A favorita do casal. Instantes após o início, a porta se abriu.
Alice, em lágrimas, permaneceu muda. Alberto, acompanhando a música, declamou:
- "...just hold me tight. Lay by my side and let me be the one..."
Alice atravessou o corredor, sentou-se ao lado de Alberto, deixou que os braços dele a envolvessem, e permaneceu muda.
Alberto, que não conseguia chorar por motivo qualquer, abraçou Alice fortemente, como se gritasse: "Eu sou o único, você não tem escapatória. Você é minha, tanto quanto eu sou teu."
Alice, brincando com os dedos de Alberto, como sempre fazia, disse calmamente:
-Porra, Alberto... - e deixou ser levada por Hipnos.
Alberto, perdoado, sentiu-se vivo mais uma vez, e acompanhou sua mulher na incrível jornado do sono.

Os dois ficaram ali, no corredor escuro, juntos, viciados,  até que a vida os chamasse para sair.