Unica parte da rotina que não me atordoava, era entrar naquele ônibus verde às seis e pouco da tarde. Motorista e cobrador simpáticos, gente bonita, meio lotado, meio vazio; e eu, alone, sentado sempre no mesmo banco.
Contudo, naquele início de noite azul, antecedido por uma tarde chuvosa, perdi meu querido ônibus. Por ficar 0,445 segundos parado num sinal.
Quase quinze minutos depois, veio outro. Modelo antigo, pessoas estranhas; mas meu lugar continuava lá, meu.
Sentei entre um casal que parecia estar chapado de amor (AHR! Que inveja...) e uma magra de meia-calça. Segundo meu instinto Sherlock Holmes, ela estudava Direito em algum lugar do Rebouças ou Prado Velho, pois ela se vestia quase igualmente as minhas colegas de classe e esse ônibus passava por esses bairos. Mas, era ela diferente.
Não era "tara ou tesão por meia-calça" o que eu tinha (muito menos vontade de usar uma), chamava essa peça de "realçador de beleza feminina". Sério, não era tara, era "achar bonito".
Sabe quando o ônibus tá cheio e, DO NADA, se esvazia? Aconteceu. E, na ultima fileira, a meia-calça e eu. Um do ladinho do outro.
Aí surge aquela situação estranha: ônibus vazio, você sentado exatamente ao lado de uma unica pessoa numa fileira com cinco espaços: o que fazer? ficar ali, de boa? Puxar assunto? Trocar de assento? Trocar de assento para melhor visualizar aquela Meia-calça.
E o que a pessoa poderia estar pensando? "Será que esse cara vai ficar aí mesmo? Será que ele é um daqueles 'carentes puxadores de assunto'? Será que é um tarado? Sequestrador? Cadê meu celular? Ah... tá aqui, assaltante ele não é?"
Meu olho até doía de tanto olhar de canto àquela meia-calça.
Já que não era meu ônibus usual e nunca mais veria essa meia-calça; então, vomitei:
- Oi, você quer que eu troque de lugar?
- Pode mudar, se estiver incomodado.
- Não, e você?
- Daqui a pouco é meu ponto...
Droga!
- Escuta, você faz Direito onde?
- Como você sabe?
- Acho que já te vi por aí... - Mentira! Só não quis compará-la às garotas que conheço. Até pois, ela era meio desleixada, como eu gosto.
- Estudo na Faculdade de Direito Curitibana.
- Então, confundi, estudo na Advocatícia.
- Legal... tchau.
Não se vá! Além da meia-calça, teu olhar e tua voz são tão... quero mais.
- Tchau...
Despertador tocou, me arrumei e parti pra minha orgulhosa rotina de trabalho + faculdade. Estava esquecendo algo, mas até que não me fizesse falta, não me importaria.
E lá vinha meu ônibus lindão, saudades. Só quando entre e sentei no meu lugar, lembrei do que havia esquecido. Justamente, porque essa coisa estava no ônibus. Num lugar diferente de outrora, não me viu. A dona da meia-calça, com outra mais bonita ainda. Talvez, não fizesse tanta questão de sentar no mesmo lugar de sempre quanto eu fazia. Ela era "tão marcante" que nem lembrava dela. Mas esse segundo encontro, não deve ter sido por acaso. Alguém ou alguma coisa queria esse segundo encontro ou estava apenas zoando comigo.
Será que lembra de mim? Era meu platonismo maldito perguntando. Mas mudei de pensamento pra não me mutilar, pra não querer quem não me queira.
Ela me viu, oh não, veio até mim e perguntou:
- Oi, você quer que eu troque de lugar?
- Senta aí, Meia-Calça...
Quê?
- Meu nome é outro, mas pode me chamar assim, haha, gosto mesmo de meia-calça.
- É, você fica muito bem nela. - Isso foi uma cantada ou uma opinião fashion? Nem sei.
- Isso foi uma cantada ou uma opinião fashion?
- Não sou gay...
- Não foi isso que perguntei. E se fosse, problema?
- Você é?
- Não...
- Quer sair comigo?
Quê?!
- Quê?
- Desculpa...
- Pra quê "desculpa"? Tá desfazendo o pedido?
- Não, calma, quer dizer...
- Se eu falar que você fica bem de barba (mesmo sem te ver sem), vai me achar que é uma cantada ou que não me depilo?
- Quê?
- Já foi no Mystic Caffe?
- Não, onde é?
- Próximo ponto.
- Vamos?
Descemos e entramos de corpo e mente numa coisa que continua sendo impulsiva, bagunçada e, majoritariamente, linda. Linda igual a Meia-calça.