(“Utópic” porque não teve fim)
Distraído com as nuvens, ele não percebeu a moça se
aproximar. Ela se postou em frente ao rapaz, que conheceu quando os dois ainda
não eram maiores de idade e agora ele aparentava uma maturidade aparente principalmente
pelos olhos cansados, que costumavam ser muito alegres. Os amigos dele, que já
a conheciam, não se manifestaram e o silêncio ficou. O corpo da mulher fez
sombra no rosto dele, que só assim percebeu uma presença estranha naquele lugar. (Estranheza que costumava ser muito querida pelo jovem). Ele já tinha a
visto no exato momento que ela chegara ao parque, mas estava tentado adquirir
invisibilidade a fim de evitar o reencontro. Ela quebrou o silêncio:
- Você pode me acompanhar? Precisamos conversar. –
Ofereceu-lhe a mão para que ele se levantasse.
Ignorou a gentileza da garota, levantou-se e começou a
andar. Disse:
- Vamos – sem olhar a ela.
Ela acelerou o passo para o alcançar. Havia muito tempo
que os dois não se encontravam, havia muita saudade naquele parque.
Andando juntos por um tempo acompanhados pelo silêncio, ela
interrompeu:
- Ali... – apontando a um banco ao pé de uma árvore.
Sentaram-se e ele tinha dificuldade de olhar diretamente nos
olhos da moça. Era muita mágoa por uma só pessoa.
Ele tinha muitas coisas para falar, mas não sabia por onde
começar. Ela demonstrava tranquilidade, parecia ter tudo sob controle. Então se manifestou:
- Eu ainda tenho aquela foto que tiramos juntos no museu,
você lembra desse dia?
Até então concentrado no olhar da moça, foi forçado a
disfarçar, constrangido por não lembrar. Antes de resposta negativa do moço, ela
começou a descrever a data, desde segundos antes de se encontrarem.
- Esse sapato... – interrompendo a lembrança, o rapaz apontou o
calçado da moça – é da mesma cor que aquele seu vestido.
- Olha, eu sei que você me odeia... – tentou alcançar as
mãos dele, mas fugiram – mas eu queria te falar que sinto muito a sua falta e
não queria que você fosse embora daquele jeito. Sabe? Me odiando... Se eu
soubesse que ia acontecer o que aconteceu, do jeito que aconteceu, eu teria feito o impossível para não
perder meu melhor amigo.
- Não me venha com “amigo”! – exaltou-se, mas logo baixou a
voz - Você sabia muito bem o que eu queria naquela época...
- Eu sabia... Mas você sabe que eu tinha problemas para
lidar com esses tipos de declarações.
- Sim, eu sabia. - Então o rapaz se lembrou da vez em que
entrou na sala da moça e a viu aos pedaços, chorando de soluçar – Olha, passou,
eu superei! Eu só não te procurei mais por causa do meu orgulho que se feriu
muito desde aquela época.
- Mas eu queria te pedir desculpas... - seguiu com um discurso cheio de lamentações, arrependimentos e nostalgia...
- Ô, ô! Pode parar! Pare de chorar – interrompeu, secando o
resto da moça com as costas dos dedos.
- Não, eu preciso, é muita coisa guardada há muito tempo.
- Eu também tinha muita coisa pra te falar, mas o tempo
acabou consumindo tudo. Tanto que eu não tenho mais nenhuma questão pra tentar
resolver. Vai, fala.
Ela começou seu descarrego emocional. Minutos depois, o
assunto se dispersara, ela tinha meio que superado o passado e a conversa não era mais somente sobre os dois.
- Eu acho desnecessário esse negócio de alianças.
Ela o fitou discordando, mas logo ele prosseguiu com seu
argumento:
- Não que eu seja contra relacionamentos, casamentos,
enfim... Mas acho que as pessoas são muito inconsequentes, imediatistas. "Eu quero e quero agora!"... Mal se
conhecem e, sei lá, em menos de duas semanas já estão comprando alianças como
se tudo aquilo fosse realmente durar...
- Não se deve “comprar alianças” – a moça entoou uma voz
tranquila e pacificadora, quebrando o tom de voz agressivo do rapaz – A gente
tem que construir essas alianças juntamente com Deus.
Disposto a contra-atacar com teorias agressivas a Deus,
achou melhor guardar tais palavras para si mesmo.
Foi então que os dois foram cercados por uma dupla de
rapazes, que interromperam:
- Olha só! Você por aqui? – disse um deles.
Realmente, fazia muito tempo que o jovem não andava por este
lado da cidade. Enquanto cumprimentava os antigos conhecidos, lembrou-se que a
última vez que estivera ali fora no dia em que decidiu não amar mais sua amiga.
Enquanto os dois moços recordavam algumas vivências da época
do teatro, o rapaz se concentrava em outras lembranças: Como quando quase
fora atropelado em um cruzamento no Centro depois de se distrair com uma sósia
da garota que amou.
- Espero que fique tudo bem entre nós, que você tenha me
perdoado.
Quanto mais a moça se distanciava, mais o rapaz
a queria de volta em sua vida. Ele estava novamente apaixonado. Antes de entrar
em casa, a moça se virou e lançou um aceno e um sorriso, que fez o rapaz simplesmente
esquecer o ódio que alimentou durante mais de três anos. Desde que se conheceram,
ela era capaz de derrubar o orgulho dele, de deixa-lo em transe, num estado de
paz. Ele fora feliz ao lado dela, mas ao tentar elevar a felicidade entre os
dois... Não deu certo, frustrou-se e foi embora.