Pela septuagésima oitava vez, chego a uma conclusão diferente, cada uma por um caminho diferente, e ainda assim me nego a entender a verdade - "isso não pode acontecer comigo, é demais" -, desespero-me, é assustador, absurdo, acreditar. Talvez seja melhor crer na alucinação, que isso tudo é irreal, surreal, que nada existe. De tanto o sol passar sobre nossas cabeças, começamos a acreditar que nos cruzaríamos sempre, o astro e a Terra, e alguém levou ainda mais a sério e descobriu que girávamos a seu redor. Não existe metáfora nisso, já adianto, não é meu Sol, apesar de queimar minha paciência a lentidão da conclusão dessa jornada, mas não é você que a queima, ou, já que se fala de astronomia, a demora para a chegada do novo ano, o novo ciclo.
Não queria que tudo se repetisse, mesmo que parte de nossa rotina - our very own - ser o que me instiga a permanecer. Permanecer, ponto.
É como se estivesse em um elevador que sobe e desce, mas sempre para no mesmo andar, e toca a mesma música, um tanto sinestésica, as ondas sonoras são cores, a cor do seu cabelo, a cor dos seus olhos, a cor das suas cicatrizes, dançam ao meu redor e me envolvem, me abraçam, fundem-se às minhas cores, às minhas dores. Quando escolho subir ou descer escadas, os ambientes se tornam cinzentos e a ausência das suas cores tangíveis deixam fendas herméticas, onde não circula sangue nem ar, há abstinência de sentir-te me invadindo as entranhas, causando espasmos, mãos trêmulas, estas ausências me machucam, não fisicamente, obviamente, mas incomodam.
Queria sair de mim, ao atingir o auge ainda inalcançado deste romance, para jogar sobre nós gasolina, acender um fósforo e ver-nos queimar como a mais bela fogueira que poderíamos ver, mas desisto da intenção ao perceber a pretensão que há em dizer que ainda não alcançamos o ponto mais alto de nossa história, pois, é importante sermos realistas, podemos ter passado pelo pico tão rapidamente e nem percebido por estarmos distraídos demais com os nossos silêncios, ou distantes.
Falo de mim por não ter a chave para o teu cofre de sentimentos, não li seus diários mentais nem sei se pretendo lê-los, sei da existência de trechos perturbadores dos seus pensamentos, sei que os tem, assim como tenho os meus, mas leria todo e qualquer capítulo que quisesse me mostrar, decoraria todas as estrofes dos poemas que contribuíssem para adiar qualquer mal dos teus dias, escreveria em nossos lençóis, por mais piegas que isso seja, e, sim, nossos lençóis, porque ainda acredito na possibilidade de um dia compartilharmos um ninho, cultivarmos um bonsai e segurarmos um mesmo teto, com um de seus batons um lembrete de tudo o que somos, a fim de reduzir o impacto quando atingidos por uma daquelas fases, você sabe, que a única vontade pura é permanecer em posição horizontal, observando o escuro ser tomado pelo sol que atravessa a cortina quase translúcida que tanto prometemos trocar por uma black-out que vimos em alguma loja de algum shopping durante mais uma de nossas perambulações fugindo de uma ou duas crises ansiosas, elas existiriam de vez em sempre.
Se somos o que sentimos, então somos o exagero. Somos a representação do que se entende por hipérbole romântica, afinal não vivemos o que sentimos, apenas sentimos.