2011/04/26

Hoje não teve "eu te amo"

Eu era grosseiramente estúpido com todos. E Alice sentia-se fortemente magoada com isso, mas sabia o quanto me esforçava para expulsar essa deficiência. Eu me esforçava, mudava por ela.

- Uma vez, na escola, eu...
- Alberto, pergunta ali no balcão quanto é a impressão.
Sentia-me magoado quando, enquanto falava, era interrompido por alguém. Qualquer ser que fosse. Pior:  sentia-me grosseiramente magoado quando era interrompido 812649 vezes num mesmo dia. Era coisa minha por ter sido mimado na infância. Necessidade de atenção.

-Meu ônibus está vindo, tchau.
-Não! Você não vai nesse. Ainda é cedo!
- Eu quero, tô com fome.
Vasculhando sua bolsa, a procura de seu cartão-transporte, ignorava minha súplicas de "fica mais!". Encontrou o cartão. Disse tchau, veio querendo meu abraço. Recusei e peguei seu cartão dizendo a ela pra ir no próximo.
-Logo tem outro, espera!
-Não, quero ir! Me dá o cartão!
-Fica mais. Quero mais.
-Se você não me der essa merda agora...
Não entreguei-lhe o cartão, o onibus passou, ela entrelaçou seus braços, fez cara de brava e calou-se. Sem palavra alguma, perdoei todas as interrupções daquele dia, que me entristeceram temporariamente. Aliás, existe "tristeza permanente". Não, é só querer que ela morre. Mas pode ressuscitar, é só deixar.
Não tirava meus olhos de sua face, sorria; e ela, calada. Não fazia questão que ela dissesse qualquer coisa naquele momento, principalmente se fosse algo forçado. Se é forçado, não diga. Só a queria ali, sendo alvo dos olhares mais sinceramente apaixonados da minha vida Alice. Só queria aproveitar a presença daquela garota que era minha gasolina, minha motivação para respirar, dormir, sonhar, acordar,  levantar, sonhar acordado, o propósito do meu viver.
O silêncio era sua arma. Me fuzilava, me assustava. Passou-se um tempo.
-Aproveitou bastante esse momento?- Disse ela com sua fina e agressiva ironia.
-Claro, melhor ter você calada do que não ter você, ficar sozinho todo tristonho e cheio de saudade.
Eu aproveito sua presença, não seu silêncio. Não, até seu silêncio eu aproveito, até ele me faz bem. Porque é seu, e todo teu ser me faz bem, mesmo que também me machuque.
-Tchau.
- Quê? É só isso: tchau?
-Você não merece.
"Ahr, Alice, eu mereço, sim. Por tudo que fiz, faço e farei por você." Disse eu aos meus botões.
- Como assim, "não mereço"? Vá se ferrar! - Disse eu à minha droga.
Seu ônibus vindo e eu desesperado pensando que ela partiria sem, ao menos, um abraço. Me olhou, sorriu, veio a mim, me abraçou, me beijou. Foi forçado. Eu sabia quando era forçado. Não era espontâneo: não era ela. Só eu consigo ver tristeza no fundo daqueles olhos sem-cor-definida, mesmo quando ela faz o máximo para não parecer. Eu via uma mágoa no fundo de sua alma. Ela forçava pra não me deixar mal.
Sou contra "falsidade", mas aceito exceções severas. Ela simulava alegria pra não me ver triste. Você sabe quando uma pessoa te ama quando ela não deseja te ver triste, mesmo que ela esteja triste. Você sabe quando uma pessoa te ama quando ela se importa contigo, mesmo quando você estiver com raiva dela e do mundo. Você sabe quando alguém te ama quando só ela vê coisas reais e bonitas em você, como se existisse um óculos peça unica para ver o que você tem de bom. Visão raio-x de beleza interior. Alice tem esse poder, além de inúmeros outros, como o de tornar-me um viciado na melhor e unica droga do meu mundo: ela.

Tivemos, naquele dia, pouco menos de uma hora de "nós". E nós, idiotas, desvalorizamos aquele curtíssimo tempo.
Somos um belo par de idiotas. É com essa idiota que eu quero o agora, o amanhã e o depois. Mesmo com todos nossos defeitos e cismas, me sinto tão feliz e vivo e ahr em tê-la.
Não protestei aquele ato forçado, podia ter sido só minha impressão. Apenas dei-lhe um forte abraço. Ela fugiu pois seu onibus estava saindo.
-Alice, quê? Não fuja de nós.
Me olhou novamente com seu olhar "forçado", e entrou.
Triste por vê-la partindo, esperei que ela me olhasse para que pudesse ver com que olhar ela estava partindo. Era um olhar quieto. Ela estava triste, eu sabia.
Triste por não ter ouvido ela dizer "eu amo você". Não quer dizer que ela não me ama mais. Quer dizer que estava triste. Ela, com sua alegria espontânea, dizia-me toda hora "eu amo você".
Triste por vê-la partindo mostrei-lhe meu dedo do meio. Meu mais raivoso "eu te amo"

Em casa, às 21h e pouco, sem sinal qualquer de Alice, me sufocando, me segurava pra não ligar pra ela ou sair correndo até sua casa. Meu celular alerta mensagem. Não podia ser ela, pois perdera seu aparelho dias atrás.
Número desconhecido - 18: 36: "A gente é bem maior do que qualquer drama", seu idiota.
Era ela.

Pra muitos, "idiota", "retardado", etc, é ofensa a um(a) namorado(a). Pra nós, é carinho. Casais normais se chamam de "mor", "morzinho", "morzão", "agugugudadaajshkasjbdsdfjniaeopl"... Bom, não éramos um casal, muito menos normais.

Ahr, ela me ama., eu a amo, tô com sono, amanhã apareço na casa dela de surpresa cheio de amor, carinho, saudade, necessidade.
Aí você me indaga: "Alberto, e se não houver amanhã?" Dane-se, se tudo acabar, que acabe. Eu vivi, me aventurei, fui feliz, fiz alguém feliz, e andei por aí com alguém que desejei muito. Passado importa quando não existe futuro.

3 comentários:

  1. Se qualquer pessoa que não você tentasse escrever um texto assim, tenho certeza que sairia o clichê mais enjoativo e açucarado de todos. É incrível como você consegue deixar algo assim tão delicado e bom de ler.

    ResponderExcluir
  2. Posso dizer que eu achei incrível o seu conto? Lindo demais! Parabéns!

    ResponderExcluir
  3. Às vezes o amor nos deixa assim, idiotas, ridículos, dramáticos.
    Adorei o texto!!

    ResponderExcluir