2013/10/20

Fim do talvez

Ele tentava se encontrar em tudo que ela dizia por mais que não tivesse nada demais para dizer a ele.
Eis que após inúmeros conselhos amigáveis, “cara, sai dessa, ela não vai te levar a lugar algum”, ele se cansou de se perder nesse vai e vem de tentativas frustradas de a encontrar. Decidiu parar de jogar. “Esse flerte não é pra mim”, confessou ao bêbado que pediu um cigarro, sentou-se ao lado e ficaram horas debatendo sobre mulheres, a extensão da praia de Ipanema e a origem dos nomes das ruas do Água Verde.
Ele tentava se encontrar nos desenhos dela por mais que não houvessem lembranças para ela retratar.
Ele sentava na sarjeta em frente a seu bar favorito pra ver a vida passar e falar sobre tudo. Na maioria dos casos, bebia pra se distrair e não pensar nos problemas e nas mulheres que perturbavam sua sanidade. Empecilho deste específico capítulo de sua novela, era que uma dessas moças transitava pela rua do bar diariamente. Ao invés de focar em seu copo de cerveja ou nas discussões filosóficas com os malucos da rua, ele se preocupava em olhar para cada pessoa que transitava por lã a fim de saber se era ela. Era ambíguo: ele queria ver a garota passando e apreciar sua beleza, ele queria estar atento pra desviar o olhar caso ela o percebesse.
Ele tentava se encontrar nos textos que ela escrevia por mais que não existisse história pra ser contada.
Ele não entendia como conseguia ser perseguido pelas memórias de algo que nunca existiu. A tal moça costumava passar por sua cabeça repetidas vezes por dia como se de fato tivesse feito parte da rotina do rapaz. Não, na verdade, tudo não passava de um flerte platônico praticado pelas duas partes.
Ele não queria mais saber dela se fosse pra continuar nessa besteira de só falar. Apesar de se sentir lisonjeado por estar presente numa mente alheia, ele não desejava mais só isso. Ele queria ação. Tanto faz, ele só queria parar de ficar parado. Passar um tempo com ela mesmo que fosse uma viagem de ônibus do Rebouças ao Centro Cívico. Não fosse assim, ele desceria na próxima esquina. Ao fazer isso, ele sentia uma faca enferrujada lhe cortando superficialmente a barriga. Corte suficiente pra sangrar. Sim, ele queria viver algo com ela e dispensar essa possibilidade lhe doeria certamente. Pensando bem, o que ele estava perdendo ao sair disso? Não dá pra perder o que não existe.
Momentos antes de anunciar sua decisão, começou a pensar em como ela lidaria com isso. Se ficaria triste, vingativa ou nem aí. Refletiu se não seria melhor deixar as coisas como estavam só pra não vê-la mal, queixando-se por aí, escrevendo manifestos de ódio contra o rapaz. Então percebeu que sempre seu altruísmo o impedia de dar rumos melhores para sua vida. Resolveu falar tudo e se jogar no barranco consciente de que as feridas surgiriam a qualquer momento de inúmeras facas.
Jogou-se no talvez quem sabe das instáveis ruas de sua vida e sabia que ela também não era uma exemplar condutora.
Certamente, ele sabia que cruzaria com ela por aí querendo ou não, mas estava certo que faria o possível para evitar a repetição de algo que não existia.

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