Ele tentava se encontrar em tudo que ela dizia por
mais que não tivesse nada demais para dizer a ele.
Eis que após inúmeros conselhos amigáveis, “cara, sai dessa,
ela não vai te levar a lugar algum”, ele se cansou de se perder nesse vai e vem
de tentativas frustradas de a encontrar. Decidiu parar de jogar. “Esse flerte
não é pra mim”, confessou ao bêbado que pediu um cigarro, sentou-se ao lado e
ficaram horas debatendo sobre mulheres, a extensão da praia de Ipanema e a origem dos nomes das ruas do Água Verde.
Ele tentava se encontrar nos desenhos dela por mais
que não houvessem lembranças para ela retratar.
Ele sentava na sarjeta em frente a seu bar favorito pra ver
a vida passar e falar sobre tudo. Na maioria dos
casos, bebia pra se distrair e não pensar nos problemas e nas mulheres que perturbavam sua
sanidade. Empecilho deste específico capítulo de sua novela, era que uma dessas moças
transitava pela rua do bar diariamente. Ao invés de focar em seu copo de
cerveja ou nas discussões filosóficas com os malucos da rua, ele se preocupava em olhar para cada pessoa que transitava por lã a fim de saber se era ela. Era ambíguo: ele queria ver a garota passando e apreciar sua beleza, ele queria estar atento pra desviar o olhar caso ela o percebesse.
Ele tentava se encontrar nos textos que ela escrevia por
mais que não existisse história pra ser contada.
Ele não entendia como conseguia ser perseguido pelas memórias
de algo que nunca existiu. A
tal moça costumava passar por sua cabeça repetidas vezes por dia como se de
fato tivesse feito parte da rotina do rapaz. Não, na verdade, tudo não passava de um flerte platônico praticado pelas duas partes.
Ele não queria mais saber dela se fosse pra continuar nessa
besteira de só falar. Apesar de se sentir lisonjeado por estar presente numa mente alheia, ele não desejava mais só isso. Ele queria ação. Tanto faz, ele só queria parar de ficar parado. Passar um tempo com ela mesmo que fosse uma viagem de ônibus do Rebouças ao
Centro Cívico. Não fosse assim, ele desceria na próxima esquina. Ao fazer isso, ele sentia uma faca enferrujada lhe cortando superficialmente a barriga. Corte suficiente pra sangrar. Sim, ele queria viver algo com ela e dispensar essa possibilidade lhe doeria certamente. Pensando bem, o
que ele estava perdendo ao sair disso? Não dá pra perder o que não existe.
Momentos antes de anunciar sua decisão, começou a pensar em
como ela lidaria com isso. Se ficaria triste, vingativa ou nem aí. Refletiu se
não seria melhor deixar as coisas como estavam só pra não vê-la mal, queixando-se
por aí, escrevendo manifestos de ódio contra o rapaz. Então percebeu que sempre seu altruísmo o impedia de dar rumos melhores para sua vida. Resolveu
falar tudo e se jogar no barranco consciente de que as feridas surgiriam a qualquer momento de inúmeras facas.
Jogou-se no talvez quem sabe das instáveis ruas de sua vida e sabia que ela também não era uma exemplar condutora.
Certamente, ele sabia que cruzaria com ela por aí querendo
ou não, mas estava certo que faria o possível para evitar a repetição de algo
que não existia.
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