2014/04/25

Polifonia em 1 + 1

33

Existiam individualmente,
à parte
e já eram grandiosos.
34
Juntos, porém,
{por mais que ninguém mais ouvisse}
formavam uma composição
digna
de se tornar um hino
a ser tocado
diariamente
{somente aos dois}
42
Tragédia romancista
harmoniza com
remédio que sorri.
43

2014/04/18

Evite morrer

Na rua, enquanto o ônibus estava parado a espera do sinal verde em frente a um bar, uma mulher de blusa vermelha - mostrando a barriga, mini-saia preta, sandália amarela e cabelos castanhos encaracolados, sorriu para ele. Num banco próximo, um senhor de boné preto e camiseta azul (o resto do vestuário era invisível devido a estrutura do veículo), depois Marcel resgatou em sua memória que o homem era avô de um primo dele, o encarava. Ainda no ônibus, uma moça se espantou ao ver dois rapazes se beijando na rua, mas logo foi repreendida por quem aparentemente, segundo as conclusões de Marcel, devia ser sua mãe.
Nada disso realmente importava e não passaram de distrações momentâneas. Ele não pretendia ir o caminho todo para casa observando transeuntes e passageiros. Marcel não queria grande coisa. O que ele desejava devia não ter mais que um metro e setenta (talvez mais, o rapaz não era bom em deduzir altura de pessoas). Marcel pensava nela. Ele queria voltar atrás, que fosse obrigando o motorista a pegar um retorno. O rapaz desejava voltar e rever aquele sorriso. Pensou seriamente e enviar uma mensagem dizendo… Qualquer coisa que a fizesse entender definitivamente, por mais que ele já tenha tentado demonstrar com seu jeito estranhamente distorcido de dizer, suas intenções. Às vezes nem ele mesmo entendia o que dizia, mas sentia e isso já lhe era suficiente. Quer dizer, ele não estava suficientemente completo; Marcel tinha certeza que ela seria capaz de trazer-lhe algo que preenchesse os vazios, de ambos.
Ele ficou bastante encantado quando, ao se despedirem, ela citou uma frase que viram durante a caminhada ao ponto de ônibus. Por ela, para que ele pudesse viver mais e passar mais tempo com ela, Marcel evitaria morrer e, caso ela gritasse “Se eu precisasse de você, você viria? Você viria e aliviaria minha dor?”, sim, ele iria.

2014/04/11

Passageiros

I

Como um pêndulo, com o movimento do ônibus, seu corpo balançava da esquerda para a direita, da direita para a esquerda, ia e vinha, e... Meu Deus, como esse corpo era belo.
Sua altura certamente ultrapassava o 1,9 m, deixando sua cabeça no mesmo nível das barras de ferro amarelas do veículo.
Ele lia um livro de capa roxa, que não consegui identificar o título, mas, pelo rosto e seus sorrisos, parecia ser bom.
Sua cabeça, com cabelo e barba como se cortados na mesma altura propositalmente, repousavam sobre seu braço estendido que levava sua mão à barra d'ônibus.
Apesar de um sorriso fechado e alegremente desleixado, seus olhos entretidos com a leitura pareciam cansados. O olhar seguia o ritmo das palavras do livro com muito esforço, não conseguia saber se a história o levava a tal melancolia ou se sua vida estava assim, triste.

II

Sem conhecer o motivo real para tal, minha ansiedade naquela semana chegara ao nível "preciso fumar". Eu fumo às vezes. Não mantenho na nicotina um vício regular, pois meu pulmão, mesmo aos 24 anos, é fraco, somado a minha pressão arterial (9/6), me dão náuseas depois de dois ou três cigarros. Porém, em períodos que meu corpo fica mais acelerado sabe-se lá porquê, eu encontrava nos cigarros a calmaria.
Estava atrasado para a aula no ponto de ônibus há vinte minutos e fui invadido por uma grandiosa inquietação, que me fazia andar descoordenadamente da beira da rua ao muro atrás da parada. Eu não tinha sequer um cigarro e, naquela região, só havia venda em maços. Eu não queria comprar uma carteira, pois com toda certeza não fumaria tudo, abandonando o pacote de tabaco por aí.
Comecei então a procurar alguém no ponto que estivesse fumando para me doar um careta. Depois de pouquíssimo tempo encontrei... Encontrei ela.
Tudo o que eu precisava.
Cabelos de cigarro. Fios com pontas amarelas, meios esbranquiçados e raízes pretas. Nuca à mostra. Fumava de cabeça erguida, queixo levantado, encarando o céu. Parecia viajar. Queria viajar junto.
Meu nervosismo embaraçou minhas pernas, atrasando um pouco minha ida aonde a moça estava.

III

O rapaz que outrora pegara ônibus comigo, viajando num livro e me encantando, veio a mim:
- Oi, moça, você teria um cigarro pra me dar?
Olhei no fundo de seus olhos e percebi a escuridão lá dentro. Eu queria entrar. Respondi desconcertada:
- Sim... - demorei nessas três letras - Mas você fuma de filtro vermelho?
- Eu só não fumo pedra, moça. - sua voz era séria, mas o sorriso (ah, que lábios...) entregava o humor.
Entreguei-lhe o pedido.

IV

Ela riu do que eu recém falara, deixando os dentes a mostra e percebi que um deles era semelhantemente torto a um dos meus. Disse, curioso:
- Nossa, moça, olha aqui... - abri a boca mostrando meus dentes - o meu é igual o teu.
Ela parecia tentar entender o que eu queria provar ao dizer isso, mas eu mesmo interrompi o silêncio:
- Só que o teu é muito mais bonito.
Pedi-lhe fogo.

V

Eu já estava em chamas, querendo o levar a minha casa e... Aí ele me pediu fogo e um sorriso queimou minha cara.

VI

Quando me passou o isqueiro, peguei sua mão e senti seu calor.

VII

Seus dedos eram frios e esse choque com meu corpo quente gerou uma repulsa entre nossas mãos. Então ele acendeu o cigarro, deu um trago e me lançou o sorriso mais escancarado que vi saindo daquela boca.
Agradeceu a gentileza de tê-lo doado um cigarro. Acariciando meu braço, perguntou-me se eu pegava sempre ônibus ali. Ansiosa, respondi:
- Sim, aliás, já te vi no ônibus uma vez.
- E como é que eu nunca vi você - proclamou "você" com força - por aqui?
- Você estava acompanhado...
Interrompeu-me dizendo que não era possível, pois sempre pegava esse ônibus sozinho. Logo prossegui:
- De um livro. Você parecia viajar dentro dele.
- Ah... - riu - eu gosto de viajar.

VIII

Quanto mais tempo passava ali, mais eu me encantava por ela e desejava bagunçar aquele cabelo colorido, morder aqueles lábios e...
Criamos a rotina de nos encontrarmos diariamente no ponto de ônibus, dividirmos um cigarro e irmos dia à casa dela, dia ao meu apartamento. Meu Deus, como aquilo era bom, como ela era boa. Ah...
Porém, do nada, a partir de um dia qualquer, comecei a perceber a ausência de um sorriso naqueles lábios e um olhar desviado.
Desde o início, nunca cogitamos expor planos de um futuro juntos. A gente se via de segunda a sexta-feira e isso já nos preenchia e satisfazia imensamente. Eu gostava dela e disso que vivíamos. Não me incomodava em "ir para um próximo estágio" ou, até mesmo, discutir aonde queríamos ir. Até que...

IX

Só de pensar, me doía. Imaginar que aquele dente torto, aquela barba, aquela mão machucada, tudo o que ele era, em breve, estariam distantes da minha rotina, gerava-me um certo desespero. Eu nunca pensara que "amor" pudesse existir entre nós. Eu não queria pensar. Infelizmente, porém, pensamentos sobre nosso futuro, ou a impossibilidade disso, começaram a me perturbar quando recebi da chefia uma carta de transferência. Eu amo meu trabalho, é minha vida. Essa mudança levaria minha carreira às alturas, mas me afastaria dele, o rapaz que achava meu dente torto um encanto.
Pensei em apresentar-lhe a verdade e pedir suas palavras para que pudéssemos planejar como seguiríamos dali em diante. Não tive coragem. Quatro dias antes da despedida, uma melancolia me invadira e me atrapalhava quando estava com ele. Enfim, no último encontro, apenas respeitei nossa rotina e, ao sair de sua casa, enquanto dormia totalmente nu (como eu sentiria saudades daquelas costas suadas...), deixei ao lado da cama uma carteira de cigarros e um bilhete:
Nós fomos passageiros. Assim como os cigarros, tivemos um fim.

X

2014/04/02

Olfativa

Assustou-se com o perfume da moça passeando pela rua onde ele estava. Era o cheiro dela que passeava, não ela. Era a mesma combinação entre perfume e odor natural que seu corpo liberava, mas ela não estava lá. O rapaz começou a olhar para todos os lados a fim de descobrir o esconderijo onde ela repousava com um grande ventilador que a ajudava a espalhar seu perfume. Não a encontrou. Um carro cruzou o caminho do moço enquanto passava ao lado de bueiro. O doce cheiro da moça que decidiu sair de seu corpo e passear pela A. C. A.  - rua onde os dois... - desapareceu.