2014/06/27

Esquiz0golaiD

- Parece que você só faz isso quando tem alguém olhando, como se fizesse só pra mostrar.
- Você fala daquele dia no teatro?
- Também.
- Pra mim, aquelas pessoas não existiam. Suas presenças não me interessavam... Me desculpa.
- Não preciso de desculpas.
- Do que você precisa então?
- Tanta coisa... Mas agora... Preciso de... Não, esquece.
- Vai, fala.
- Esse teu jeito me confunde.
- Que jeito?
- Parece distante, insensível... Aí, do nada, boom, dispara palavras e carícias que...
- Você não gosta?
- Não é isso, eu gosto, você me derruba de um jeito que gosto da queda e de onde caio, mas...
- Quê?
- Você me assusta, nunca estou preparada.
- Minha timidez não me deixa avisar, vou no impulso. É o meu jeito.
(- Acho que é sua falta de jeito que me encanta.)
0
(- Prefiro que cale sua boca, obrigado.)
- Prefere comer comida ou comer...?
- Aí outra coisa que não quero viver sem, comida.
- Enjoei desse papo. Vamos pedir logo que tô com muita fome.
- Tô comparando nada, nem tem como.
- Tô calmo.
- Calma...
- Mas não dá pra comparar...
- Os livros não vão embora. Sempre vem em boa hora.
- Não entendo como você consegue comparar um livro a uma pessoa, cara.
- Não, livros não te abraçam, quer dizer... Não da mesma forma que uma pessoa pode te abraçar.
- Cê tá comparando livros a pessoas?
- Dos dois talvez, preciso de ambos.
- Parece que... Você está falando de livros ou pessoas?
- Não consigo me concentrar em vários, preciso me focar num só... Se não, me perco.
- Por que não lê mais?
- Um só.
- Quantos livros você tá lendo? 

2014/06/23

O professor...

Um ano após aquele show em São Paulo, muita coisa aconteceu. História digna de ganhar um livro de seiscentas páginas (quiçá uma trilogia se não morrermos antes de terminarmos), uma série com dez temporadas ou simplesmente bastante espaço no campo das memórias. Eu, como sempre, fui e voltei, perdi-me várias vezes principalmente na minha própria bagunça interna. Ela, ah, silêncio magnético, olhares com canto d’olho , novo par de óculos (não sei o que se passou com o primeiro vermelho, agora é um rubro-negro), diversos pingentes que se alternam semanalmente em seu peito, tudo, continuava a mesma da época que a conheci: incrivelmente encantadora e me atraindo cada vez mais. Não que ela não tenha se perdido também, claro que sim, é um direito dela. Não posso obrigá-la a fazer o que ela não quer, nada posso fazer contra isso, até porque, de certo modo, apoio essa causa. Acho que as pessoas têm mesmo é que se perder... sozinhas, acompanhadas, como for, desde que se encontrem. E, no caso dela, que se perca, que se vá, mas, por favor, volte.

Muita coisa aconteceu desde que saímos pela primeira vez, não só apenas entre nós dois, mas comigo e outras; ela e… Não quero saber se ela saía ou ainda sai com outros e não porei na mesa todas as minhas cartas. Curiosidade havia, mas eu sei, ah, como eu me conheço nesse sentido, que surgiria em mim um ciúme que despertaria um sentimento de posse que outras pessoas costumam manter quando namoram. Não, espera, eu e a moça dos gostos estranhamente compatíveis não assumimos namoro, nem mesmo um ano depois. Do meu lado, não desejava que criássemos um laço que apertasse tudo entre nós que flui muito bem. Não que eu não quisesse construir um império ao lado dela. Nossa construção era algo que eu chamaria de intangível, silenciosa, invisível pra vocês. Conversávamos sobre namoro, mas de outras pessoas e o que achávamos de coisas estúpidas que alguns casais se submetiam. Pagar mais de cem reais num par de argolas de metal (imagina, com essa grana dá pra comprar bastante comida e livros), seu par quer exclusividade e obriga distanciar-se das velhas amizades, ligar a cada novo passo para alertar que está dando um novo passo, ir a eventos que não gosta só para "agradar" (aí ambos não se divertem), etc. Esse negócio de aliança no dedo é, segundo ela, pra marcar território e eu completava que “o importante é manter firmes as alianças com o amor de Jesus”. Obviamente, ríamos juntos.

Distanciei-me de minhas amizades, mas não por causa dela, a estranha, foi por causa da naturalidade em que surge a distância nas relações interpessoais, ela simplesmente aparece do nada como um fantasma que ninguém quer por perto. Coisa natural da vida, convenhamos, “as pessoas vão embora”, como gritou uma das moças com quem me envolvi quando a informei que não queria mais seguir com ela do jeito que estávamos (e decidi seguir em busca de algo sério com a mulher que cantou “I wanna hear what you have to say about me” comigo em São Paulo). “Algo sério”, não saberia definir o que seria isso, nem se seguimos de fato desse jeito. Não houve nesse mais de um ano uma reunião que definisse o status entre nós dois. Tínhamos, acredito, certa dificuldade para levantar determinados assuntos ou era apenas paranoia minha que atrasava tudo. “Paranoia”, pra não dizer “medo de abrir a boca e ouvir o que ela tinha a dizer", pois, sim, eu tinha isso às vezes e sei que podia estar perdendo a oportunidade de que ela falasse algo que pudesse me motivar  ainda mais a seguir nessa nossa estrada, mas tinha e ainda tenho medo de ouvir o que não quero. Ou algo ruim, aí entra o terror. “Ah, mas olha o tipo desse cara se rejeitando a ouvir o que a guria tem a dizer”. Se tivesse que falar, ela vai falaria, eu sei. Mas, calma lá, não é que eu não queira saber o que se passa na mente dela, mas cogitar que algo negativo em relação a nós passa por sua cabeça me assusta muito, porque realmente não quero que tudo isso acabe de forma dolorosa. Quer dizer, acabar vai de qualquer jeito hora ou outra, mas não quero sofrer demais. Apesar de dor ser um item obrigatório na aterrissagem dessa viagem, prefiro pegar o pacote básico. Minhas analogias metafóricas que só eu entendo...

Agora vocês vêm me perguntar como anda nossa vida sexual. Se corre a mil por hora ou estagnou no zero. Olha aqui, ninguém mais preza pela intimidade particular. Intimidade. Particular. Redundância? Sim, porque o termo “intimidade” se desfez com o tempo, foi remoldado e adquiriu novas formas líquidas. Tipo aquela em que as pessoas têm a grande necessidade de mostrar tudo a todos. Beijos públicos, agarramentos em festinhas, gêmeos siameses no ônibus... Ora, não, por favor, dispenso tanto esses tipos de exposição quanto ficar falando sobre intimidades entre duas pessoas para outras. Não, obrigado. Aliás, não é só de sexo que um casal sobrevive. Tem mais. Todo ser humano aliás, até os solteiros, tem o que fazer além daquilo. "Por que o sexo é a definição de ser próximo de alguém?", como disse o vulgo Donald Draper.

Quando disse, há 365 dias, que deixei meu desejo explodir, não esperava que fosse algo tão fora de controle. Comecei a juntar os pedaços, me distraí, me perdi, fui a outros lugares procurar o quê acreditava me faltar. Ah, esse meu jeitinho cretinamente babaca de ser. O que mais me espanta é toda a paciência dela pra esperar eu me encontrar. Ela deve ter nascido de dez meses de tanta calma que tem nesse corpo compacto por fora, imenso por dentro. Essa coisa de gestação faz muito sentido: saí da barriga da minha mãe logo no início do oitavo mês. Ansiedade.

Preciso de mais espaço e tempo pra expor nossas vivências, aquelas que não rompem a barreira da intimidade, pois acredito seriamente que a união de nossas vidas, desde antes de nos (des)encontrarmos (juntos), deveria ser contada num livro, num filme, num disco, numa série, num anúncio publicitário, numa igreja, num encontro de dependentes químicos ou apenas para nós dois.
Não conversamos, eu e ela, sobre alguns assuntos, porém, entendo que fica subentendido entre nós o consenso de que não falamos de tais coisas e ponto. Ou, eu e meu “pensar quarenta e 12 vezes antes de agir” julga um erro pôr essas coisas na pauta. Eu sou um belo de um covarde pra certas coisas.
Já acho meio desnecessário ficar expondo minha vida, mas “I am a pretty anxious person and creating is a way for me to deal with it” (DELPY, Julie), ainda mais sobre romances particulares. Criar, escrever, imaginar, viajar, que seja, é preciso. Dentre outras coisas, algo que me agrada nela, a magnética-hipnotizante-minha-vontade-de-envolvê-la-em-meus-braços-se-mostra-quando-o-ar-fica-pesado-e-meu-corpo-começa-a-ficar-mole-fazendo-com-que-eu-precise-me-escorar-em-algo, é esse jogo de referências que participamos. Pelo menos enxergo isso, vai ver apenas eu, vai ver ela nem se empolga com isso. Às vezes, penso que estou numa ficção. Não sei se sou Franz, Dean, Martín, Alex ou eu mesmo. Perco-me em minhas próprias ficções, aquelas que escrevo em minha mente antes de ela chegar, no meu caderninho pra ninguém ler ou aqui. É muita coisa escrita, pensada, guardada, vivida. Posso ser a soma disso tudo, dos personagens, que, somado a toda essência dela, que também recebe influência ficcional, algumas diferentes das minhas, torna o nós algo muito diferente de tudo que assistimos, lemos ou absorvemos por aí. Nesse um ano e tanto, as referências aumentaram, assim como o que sinto por ela aumentou. Aí vocês me perguntariam: “Ah, mas o que você sente por ela? Amor?”, calem suas bocas, por gentileza. Não quero dizer, quero sentir, o que quer que seja. E se eu dissesse o que ainda não sei traduzir da língua das emoções, pode ter certeza que não seria para vocês. No máximo, num momento delirante, eu sairia pela rua gritando seu nome.
Falando em ficção, além de tudo que ela é, incluindo a dona do corpo que faz o meu amolecer e perder a força ao seu lado, seja por seu campo gravitacional ou magia divina, não sei; esta mulher considera filmes que te deixam despedaçado no final o melhor tipo. Sério, não dá pra mensurar o que senti quando terminamos “Alabama/Monroe” e olhei para cara dela de “e agora?”. Consegui apenas desejar envolvê-la em meus braços para afundarmos juntos. Enquete: O que leva duas pessoas a assistirem um filme trágico mais de uma vez? O que me levou a fazer isso? Ela. O que me leva a sair de casa num domingo, dia que costumava guardar para hibernar? Ela. O que tem me curado do astigmatismo na vida? Ela. Ela, seu um metro e “altura que bate nos meus ombros”. Ela e seu olhar desconfiado quando começo a encará-la com meu apelo em forma de olhares dizendo “beija-me antes que eu me afunde sozinho”. Ela e tudo nela que não consigo construir uma descrição metafórica ou entre aspas. Ela.

2014/06/19

Karma (Oh, Deus da coincidência)

Dos encontros
Naquela rua, encontrou-se e se desencontrou várias vezes. Em mulheres. A primeira vez que cruzou ao acaso com a estranha dos óculos foi lá. Aliás, não só na primeira ocasião, foram algumas outras vezes. Principalmente, na encruzilhada do obelisco. Quando viu a magrela empurrando sua magrela ao lado da nova amante, também foi lá. Sentiu saudades de... Imediatamente parou de lembrar e logo se encontrou em outras coincidências.

Dos cabelos
A primeira vez que pensou em abandonar ou trair uma de suas primeiras namoradas foi com uma mulher de cabelos de tal cor. Sua parceira naquela época não possuía fios de tal cor, talvez por isso tivesse se encantado pela diferença. Tempos depois, a moça que estudava na faculdade do amigo, tinha esse cabelo; apesar de ser pintado, já valia. A já citada e tão desejada estranha dos óculos, também. O magnetismo dessa tonalidade de cabelo o derrubava.

Dos cursos
Muito antes de pensar em entrar na faculdade, antes mesmo de se decidir entre Administração ou Publicidade, apaixonou-se por uma garota que, ainda naquele tempo do agora longínquo ensino médio também não havia se decidido, escolheu uma faculdade escolhida também por diversas outras garotas que atravessaram a vida dele. Atravessaram secamente, deixando buracos em seu peito.

Das letras
Ele nunca tentou transformar seus relacionamentos em estatísticas, mas, caso tivesse feito isso, descobriria que mais de 80% das mulheres com quem teve algo (sério... ou nem tanto) têm  nomes iniciados ou terminados em determinada letra. Porém, pensando bem, que estupidez, essa era das coincidências que perseguiam sua vida, dentre tantas outras, a mais estúpida, já que é a maioria das mulheres, não as de sua vida, tem tal letra no nome, seja no começo ou no fim.

Das crenças
Ele não queria roubar nem compartilhar a crença de ninguém. Não se importava com o que idolatravam. Afinal, tinha a sua própria religião, quer dizer, não tinha. Não queria nem precisava. Não se importava com o quê ela, a mulher ao seu lado, acreditasse, em se tratando de fé. Não acreditava em Deus, Buda, coincidência, magia, ou como quiser chamar isso tudo que une tanta gente para tentar encontrar salvação, esse tal de ser superior. Ele não queria ser salvo espiritualmente a fim de encontrar o Éden, Nirvana ou esses lugares sagrados tão almejados. Ele queria ser salvo apenas do buraco de solidão e desejos frustrados. Seu paraíso é a presença de alguém que o quer bem. Ele acredita no afeto, na presença, no olhar e no poder que isso tudo tem para acalmar, afagar, alegrar, inspirar e eternizar sua vida.

Das diferenças
Deram certo. Também terminaram. Terminariam sempre. “As pessoas vão embora”, palavras marcantes daquela pequena que não se encaixava nos padrões da vida romântica desse perdido rapaz, que tentava não se prender a estereótipos, mas eles aconteciam sem que ele tivesse tempo de recusá-los. Porém, não eram as coincidências que o faziam ficar, só serviam para alimentar platonismos. O que ele precisa é… Bom, cada caso é um caso. 

Dos fins
Encontrou-se e se perdeu em tantas ruas, diversos cursos, inúmeros cabelos, várias luzes, tanta escuridão… etc... de modo que os fins sempre se assemelhavam. Continuava perdido. Continuaria. Continuará a se perder nisso tudo até que se encontre de vez. “A gente se perde pra se encontrar”, disse aquela que foi e vai muito além das semelhanças estéticas, ideológicas, coisa e tal.

Das indas e vindas
Nos romances, nas novelas, nos contos, nas vidas, ele ia e vinha inundado em desejo. Sua vida amorosa, romântica, sexual, afetiva, como preferir, era assim como sua cabeça: Bagunça. Ele estava feliz, mas não estava, então ficava, depois deixava de estar, aí voltava a estar, aí caía… Ia ao chão, ia mais fundo, soterrava-se com tanta coisa em sua cabeça, quiçá problemas criados por ele mesmo. Ascendia. Descia. Replay. Oh, eterno vai e vem. Oh, Deus da coincidência, por que brincas tanto com tão instável ser? Por que decides criar bifurcações justo quando ele pensa que está feliz do rumo que segue?

2014/06/10

Sobre não saber ser outra coisa

- Pessoal, eu e a equipe pedimos que todos vocês desliguem seus celulares para não atrapalhar os atores e também porque outras luzes podem prejudicar a iluminação da peça que é bem delicada. - Disse o produtor.
O rapaz que até então observava o homem que alertava o público geral, tornou a encarar a moça de vestido azul e bolinhas brancos (ou triângulos brancos). Segundo ele, ela ficava ainda mais linda quando trajava peças de roupa azuis. Ainda era cedo para que ele conhecesse todo o guarda-roupa dela, mas tal vestido e a camisa azul que vestiu quando assistiram, pela segunda vez, o filme belga que mais parecia um tapa de uma mão que vestia luvas recheadas de pedras, incendiavam a beleza dessa mulher com uma luz hipnotizante. Ele disse:
- Então você vai ter que assistir a peça de olhos fechados... - como ele esperava, ela o encarou sem entender - porque a luz que sai dos teus olhos é muito forte e vai iluminar o lugar inteiro.
Ela só conseguiu rir e dizer:
- Que ruim, que piada ruim!
Só então ele desfez o semblante sério que encarnou antes de sua fala anterior e também riu, mas pelo fato de ela ter considerado aquilo uma piada:
- Isso foi uma cantada!
- Mas foi muito ruim.
- Você que não conseguiu pegar a metáfora, a poética...
- Eu não sou boa nessas coisas de cantada.
- Eu também não sei cantar, acho que faltei essa aula.
Quase duas horas depois, o rapaz, que não sabia lançar cantadas, fez o que acreditava saber fazer. Um tiro. Único disparo. Atingiu seu alvo: Através de um beijo, mostrar a ela, transferir por seus lábios aos dela, toda a intenção, todo o desejo, todas as palavras que jamais conseguiria cantar.

2014/06/04

Joe/hurt, Sally/heal

- Não, eu tenho muitas feridas, vai me machucar mais ainda.
Porém, não havia cicatrizes que Sally não conhecesse:

- Eu sei de todas as suas outras feridas, as internas.
- Mas essas aqui são diferentes, sangram de verdade.
- Quero cuidar delas, de todas.
- Não, Sally, - disse lentamente - eu não quero nem mostra-las - pegando forte nas mãos da moça. - Por favor.
Percebeu no olhar dele que as cicatrizes deveriam permanecer intactas naquela noite. O desejo poderia esperar.
Oficialmente, eles não sabiam qual encontro era esse. Para os mais conservadores, seria tempo suficiente para dizer que ela não era “moça de família”. Para Sally, assim como ele, os conservadores que se fodam. Ela também queria foder. Se foder. Com ele. Ele também queria. Não podia.
Sally, que tinha jogado o rapaz na cama, preferiu respeitar a dor do rapaz, que em pouco mais de dois meses, já dera motivos suficientes para permanecer na vida dessa mulher. Ele também queria que ela ficasse, armasse acampamento, fizesse de sua rotina algo digno de ser vivido, porém ele ainda estava inapto a proporcionar-lhe, na opinião deste humilde narrador que vos transmite esta bela história, algo que sempre afetou e sempre afetará negativamente todo e qualquer romance vivido por qualquer casal: Sexo. Não presta. Traz intimidade física, ok, mas com isso vem tudo quanto é tipo de obrigação implícita para casais. O desejo manipula as pessoas inconscientemente. Todo mundo age na loucura de saciar a vontade. Esquecem de pensar. Eu prezo pela razão. O sexo que se foda... com ele mesmo e pare de estragar pessoas, relacionamentos e filmes.
Perdão, deixem-me voltar ao quarto de Sally.
- Eu quero, você não consegue imaginar o quanto, mas eu… - com a mão, que descia da barriga a virilha, expressou uma face cansada - Sério, desculpa.
- É muito grave?
- Nada que o tempo não ajude. Só espero que você ainda queira me ver quando esse dia chegar.
- Olha, não pretendo me mudar. Você sabe meu endereço.
- Vou indo já então, boa noite - quando foi ao rosto de Sally para dar-lhe um beijo, ela interrompeu:
- Ei, não é porque a gente não vai transar que você precisa ir. Já tá tarde, não quero que você saia essa hora da noite.
- Mas e como eu fico com a vergonha?
- Joga ela na fogueira. Tá frio, fica aqui pra gente se esquentar.
Com licença, outra coisa que não entendo nas pessoas é essa “obrigação”. Esse negócio de ter que transar. Se duas pessoas dormem juntas, elas necessariamente precisam trocar nojeiras corporais. Sério? Pessoalmente, prefiro o platônico, nada de contato, saliva etc. Mas tem quem goste da carne. Para tais, recomendo: Vocês não precisam transar todo dia, o tempo todo. Mundo está cheio de crianças e AIDS já. Moderem. Juro que foi minha última interrupção. Enfim.
Deitaram-se e o rapaz decidiu se abrir. Contou sobre como se machucou, desde o primeiro corte. Sally ouviu tudo atenciosamente. Até que no primeiro silêncio, caíram no sono. Ele afundou o rosto nos cabelos dela, adormeceu estasiado. Alternando posições, dormiram até tarde.
Por fora, cicatrizes atormentavam o rapaz, mas, por dentro, ah, ele estava muito bem. Dia seguinte. Saiu do trabalho às nove da noite e lá estava ela, ao lado da porta, esperando-o, toda apaixonante.
- Desculpa vir sem avisar, tem compromisso agora?
- Comer e dormir - desde que a encontrara, não tirava um sorriso largo de seu rosto.
- Cê pode fazer isso lá em casa, pode ser?
Sally preferiu não encostar tanto no assunto de noite passada quanto nas partes baixas dele. Afundaram-se numa pizza gigante e atolaram na cama, embriagados de queijos, tomate, champignon e palmito. Ficaram um tempo calados esperando a comida descer. Aproximando-se de Sally, o rapaz deu-lhe um beijo na boca e permaneceram assim, com lábios e narizes se encostando, por um tempo. Olhos se conectavam com força. Afogaram-se.

Há quase um mês dormindo juntos, Joe não queria mais esperar a cicatrização. Ele queria conhecer os pontos de Sally que ainda não explorara. Foi bom? Nossa. Doeu? Sim, não sabia se seus próprios gemidos eram de dor ou prazer. Quis repetir? Não, não depois que viu seu sangue quando terminaram o ritual. Correu constrangido ao banheiro para se limpar. Sally foi atrás e procurou curativos.
Deitou-se na cama e virou pra parede, envergonhado. Sally tentou invadir essa muralha, mas… Ele dormiu se escondendo, mas não proibiu que a moça afagasse suas costas enquanto pegava no sono.
Acordou e viu que Sally estava se vestindo ainda com o cabelo molhado depois do banho.
- De onde eu tiro coragem pra olhar na tua cara?
Ela se sentou na cama, aproximou-se e disse encostando seu nariz no dele:
- Daqui - empurrou o no colchão e o beijou. Que beijo… Parece que todo o constrangimento nele morreu afogado com o fogo que saíra dos lábios de Sally. 
- Sério, vou parar de fazer curativos. Sério, prometo que vou ao médico resolver isso de vez e… você já sabe.
Permaneceram juntos até que as cicatrizes de Joe se extinguiram e deram lugar a feridas verbais, discussões, egos inflados, carência extrema e obrigações desnecessárias. Ele preferia o sangue do que o ódio que começou a sentir por Sally. Ela gostava mais de dormir abraçada com ele do que não conseguir olhar na cara dele de tanta raiva. Ambos saíram machucados e foram em busca de quem os curasse. Novos curativos. Novas feridas. Machucariam-se novamente. Curariam-se novamente. Ad infinitum até serem curados pela morte.