Cheguei a cogitar, confesso, que, no alto de minha sandice, ele fosse uma miragem fruto da minha mente suplicante por suor e prazer, mas minha imaginação jamais seria capaz de me matar a cada novo orgasmo.
Numa comparação superficial com um dos filmes não-inspirados em minhas sagas românticas e sexuais, eu sou Joe, ele é Jerôme e ela é P., a destruidora de sonhos. Diferentemente da outra história, quem entrou no trem já no meio do trajeto fui eu.
Outra semelhança, inveja da pequena Joe: um pai que sabia tudo sobre árvores e dava aulas a cada novo passeio em bosques da cidade. Eu não tinha uma figura paterna afim de Flora nem de qualquer outra coisa. Já eu só queria meu cobertor de retalhos, TV e chocolate. Meu pai viveu em depressão até que enfim concretizou sua maior vontade. Não senti dor quando ele se foi, apenas tive - e ainda tenho - saudades de vê-lo no canto da sala com seus cigarros e cadernos de palavras cruzadas. No primeiro verão sem esposo, minha mãe decidiu tirar licença do trabalho pra ficar com a filha. Hoje percebo que ficara bastante perdida naquela época. Não que meu pai fosse tão presente em nossas vidas quanto deveria ser para se postar como uma bússola para nós, mas sua ausência enquanto um peso morto no apartamento, apenas sorrindo pra gente quando dizíamos ou fazíamos alguma coisa, era essencial para que minha mãe não se perdesse. Depois, ela superou e se perdeu novamente em novo amor. Eles se amavam de uma forma bem específica e isso me influencia até hoje na buscar pelos amores mais peculiares - e possíveis.
Foi aí que o encontrei acidentalmente enquanto procurava por outra pessoa.
Essa porra de sexismo se infiltrando em tudo disfarçadamente pra tornar as coisas, a arte, mais androcêntrica possível, exaltando o homem como o centro positivo da história. Como se em todos os casos de infidelidade matrimonial a culpa fosse da mulher, seja da esposa que não dá amor e sexo suficiente ou da “outra” que se mostrou “fácil” demais com suas curvas sensuais.
Escrevo sobre ele ou qualquer outro cara que me encantou alguma vez, porque não sei escrever sobre mim sem utilizar ódio, depreciação e desprezo em todas as linhas, ao contrário dos litros de carinho e paixão que destilei ao longo da minha vida literária sobre os amores que vivi. Não escrevi sobre romances entre mulheres porque nunca vivi um e me preocupo em transcrever tudo o que corre em minha mente enraizando-me em sinceridade. Queria sentir algo a mais por elas, mas nunca senti. Talvez agora.
Jerôme da minha história - com as devidas adaptações de um roteirista ainda mais sádico - partiu por um motivo diferente, dizendo que não conseguia mais mentir para P. - personagem também traduzida para a minha realidade trágica.
A quebra de nossa rotina doeu, fez sangrar, mas eu sabia que aconteceria, ainda assim a consciência da tragédia não reduziu o impacto. Bati de frente, sem cinto, contra o muro da solidão. Não que ele fosse a pessoa mais presente, mas as poucas horas que passávamos juntos já preenchia todos os meus vazios.
Entreguei-lhe um bilhete com um trecho de I’m wrong -
“tell me you're lonely
tell me this song is not about you only
and i'm a lie”
- mas ele respondeu que não entendeu. Ele nunca me entendia. Só entendia que eu o queria. Não entende até hoje que eu ignorava conscientemente a existência de um matrimônio fracassado em sua vida e eu era um clichê. A outra. Ele não sabia o principal: nós duas nos conhecíamos. Apesar de uma amizade virtual iniciada por um desleixo meu, num passeio por perfis de pessoas desconhecidas, ao solicitar amizade sem querer. Antes que eu cancelasse o pedido, Mad já tinha aceito e enviado uma mensagem. Começamos a conversar quase diariamente e percebemos vários gostos em comum. Num show de uma das bandas que ambas gostávamos, combinamos de nos vermos lá, mas ela não foi. Ele foi. De tanto conversarmos, ela já tinha falado dele e o reconheci. Não lembro se estava bêbada ou alegre naturalmente, mas puxei assunto com o desconhecido, sem citar a esposa, e fomos nos entendendo, até que tudo explodiu. Começamos como uma relação estritamente sexual e... permanecemos assim até o fim. Tirando a parte em que eu, sempre eu, me perdi em confusão de sentimentos e achei que deveria inserir amor na relação, aquele tipo de amor que sobrevive longe do sexo.
Contradigo-me, eu sei. Ao mesmo tempo que queria tentar imergir em um vida com cats, dogs and kids e o que mais houver no mundo do casamento, não conseguiria fugir do furacão da nossa existência, todas as noites suadas e as partidas repentinas.
Destrinchei minha alma para escrever todas as canções sobre dores e agora alguém lê isto, mais um de meus discursos cheios de frases e referências que ele nunca pegou nem entendeu. Algo de bom restou de nossa história: um coração partido e muita inspiração para músicas que lançarei em breve. Mandarei pra ele um disco de presente - ou um link para download -, mas que ele não venha pedir sua parte dos lucros, porque pretendo gastá-la com cerveja e livros.
Sinto falta do que nunca tive. Sinto falta de uma árvore para deitar sob sua sombra e ouvir histórias do meu pai.
A posse não existe em forma tangível, não consigo convencer algo ou alguém a me pertencer (na forma mais poética e menos obsessiva da palavra “posse”). O que de fato eu tenho é minha confusão e incapacidade para lidar com relacionamentos. Não sei falar, sei sentir e parece que isso é insuficiente para muita gente. O que faltou no caso em que protagonizei como amante foi diálogo, aliás em qualquer relacionamento meu. Acho que não só nos meus, talvez seja um clichê muito maior do que eu imagino. Falando em repetições, arte imita vida, vida imita arte, vida imita vida, não sei se desempenhei o papel de “a outra” com primazia porque em outras histórias, elas, ou eles, por que não?, abstinham-se de afeto, amor ou como você queira chamar essa desgraça que queima o peito e me deixa viva ao mesmo tempo que mata.
Eu sou a amante. Sempre serei. Amar demais é minha sina. Sentir demais é minha vida.
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