Disposto à xingar o desgraçado que me puxou, olho para o fulano e quando reconheço aquele rosto tão avacalhado, simplesmente travei. Pelo visto, foi um ato recíproco de ambos ali naquela sarjeta imunda do Largo.
Meu rosto, meu corpo, só eram capazes de tremer. Pois, internamente, corriam diversas emoções intensamente. Tantas, que se eu fosse um computador, já teria explodido.
Ao mesmo tempo que estava alegre por estar revendo depois de anos a "garota da ordem", estava furioso por tudo o que ela me causou, nervoso pois fico assim toda vez que a vejo, triste por encontrá-la naquele estado, inconformado por ela ser tão burra, disposto a tirá-la daquele lugar... mas isso só depois de ouvir tudo o que ocorreu com sua vida desde que tinha dezessete anos.
Meu sistema estava sobrecarregando-se, e com isso as emoções começaram a se soltar. Lágrimas leves de angústia e uma dor no peito aumentavam meu tremor. Tentei decifrar o que Norah sentia, mas aqueles malditos olhos verdes me hipnotizaram. Só sei que ela não disse nada, eu também não. Não faço ideia de quanto tempo ficamos ali, paralizados. Até que ela disse algo.
- Se eu tivesse condições, me levantaria e te daria um abraço. Mas já estou morta demais para isso. Então, abaixa aqui e me abraça.
-... como você foi capaz de fazer isso... consigo mesma?
Dizendo isso, me sentei ao seu lado e a envolvi em meus braços.
- O que?... Eu era apenas uma garotinha inocente.
- Mas por que? Você tinha tudo o que quisesse.
- Você já se iludiu por um amor, falso ou platônico, certo?
- Não quero falar sobre mim! Quero saber porque você sumiu... e porque voltou, nesse estado.
- Quer saber mesmo?
- Diga.
- Como diria um antigo programa de tv: Senta que lá vem história...
-Já estou sentado, besta!
- Quer uma pipoca, ou alguma bebida? Olha aqui, tenho um resto de pinga, você quer?
-...
Ignorei. Me calei. Rosto sério. Internamente, implorei para que ela dissesse tudo de uma vez.
- Ai, tá... desculpa. Então... Mudei de colégio no meu ultimo ano do ensino médio. Perdi contato, propositalmente, com a maioria daquelas minhas "amigas" e alguns noobs do Leôncio. Nem me importei com você, mesmo sabendo de TUDO.
"Na escola nova, entrei em uma sala bizarra demais. Cheia de estranhos e estranhas, só uma pessoa era interessante. E quis ter amizade imediatamente com ela. Sebastião era seu nome. Aparentemente bonito, inteligente, carinhoso, e deveras outras características que eu considerava ideais para um namorado. No mesmo dia em que nos conhecemos, fomos ao cinema e lá, ficamos. Foi um romance espontâneo. Simplesmente não nos separávamos. Eu estava louca de amores por ele. Meus sentimentos eram os mais sinceros possíveis, pensava eu. Eramos a dupla dinâmica da turma, fazíamos tudo juntos, estudávamos, matávamos aulas, colávamos nas provas, tudo mesmo. Estava disposta a fazer qualquer coisa para não perdê-lo. E acreditava que tudo isso era recíproco... "Recíproco" é uma palavra engraçada, não acha?"
- Talvez, mas lembro que é o nome de uma poesia que te escrevi, creio que foi uma das ultimas que te entreguei, antes de você partir.
- Nossa, que memória você tem! Como é mesmo esse poema?
-Não lembro.
- Capaz! Claro que lembra. Eu lembro:
"Espere um pouco,
me livre deste sufuco,
todo esse vazio me deixa oco.
Preencha-me com tua vida.
Mas, por favor, ..."
-... que seja recíproco.
Ou, um dia, te darei o troco.
- Uau!
- Que vergonha dessa minha criação. Uma das piores que fiz, foi de improviso. Escrevi no guardanapo e te entreguei em seguida.
- É, eu lembro. Li e reli várias vezes. Tentei decifrar teu sentimento, mas falhei. E então vai me dar o troco?
- Seria o certo, bem que eu quero. Mas não agrido mulheres, muito menos bêbadas.
- Haha... Bêbada é pouco. Já nem sei quanto bebi e quantos comprimidos ingeri.
-Depois você conta, agora continua a história.
- Tá bom, tiozão.
"Enfim, eu e Sebas namorávamos escondido. Porque ele dizia que seus pais não aprovavam qualquer tipo de relação antes do casamento, devido à religião. Ele, com quase dezoito anos, já não suportava mais essa privação. Eu, louca com recém dezessete anos completos, queria oficializar de qualquer jeito.
Então, ele me propôs que quando completasse seus dezoito anos, nós iríamos para Portugal, ter uma vida só nossa. Eu, louca apaixonada e inconsequente, aceitei. Mesmo temendo que meu pai tivesse um ataque do coração.
Na véspera do aniversário, comecei a arrumar minhas malas e uma desculpa que meu pai aceitasse bem. Disse a ele que uma colega de turma iria fazer uma festa na chácara de sua família, uma espécie de acampamento de final de semana. Ele me autorizou a ir, e me deu dinheiro para comprar doces. Tudo bem, peguei todas minhas economias guardadas para comprar meu carro e parti. Não sei o que Sebastião disse para seus pais, mas só sei que ele chegou no horário certo onde combinamos. Pegamos o avião para São Paulo às três da manhã, e de lá pegamos outro para Portugal. O fuso horário me confundiu, mas aterrissamos em Portugal quando o pôr-do-sol já ia desaparecendo. Sebás, já tinha tudo combinado com um "amigo" que morava no centro de Lisboa. Do aeroporto, fomos até a casa dele. Um verdadeiro muquifo, aterrorizante. Pensei que estava no Massacre da serra elétrica. Não estava no filme em questão, mas meu pesadelo começou na mesma noite em que cheguei. Quando chegamos, Jardel, o dono da casa, estava fazendo uma coisa que eu nunca havia experimentado, estava preparando uma "carreira", se é que você me entende. Olhou para nós e disse:
-Sejam bem-vindos! Querem um pouco disso? É só a entrada, a noite vai ser de festa, uma longa festa!"
2009/12/20
2009/12/06
Cegueira proposital - Não me deixe sangrar
Algumas pessoas se assustavam com minhas atitudes, em relação à Norah. Depois de tudo o que ela fez e não fez comigo, eu ainda a amava. Isso sim, é amor, platônico de verdade. Por mais que o tempo passe, por mais que ela tenha me humilhado, por mais que tenha mudado, eu simplesmente não parava de amá-la. Depois de alguns anos de abstinência, sem saber onde ela estava, tudo aquilo que senti voltava a superfície. Quando ela partiu, adorei, porque teria a oportunidade de não vê-la mais, e esquecer tudo que me atormentava. Mas amor platônico é assim, não morre, parece que sim, mas ele engana. Na verdade, ele só está bem escondido no fundo do coração. E eu consegui cavar um buraco bem fundo e escondido para Norah, pois não conseguia mais encontrá-la, mas o que aconteceu, ela ressuscitou, e trouxe todos os fantasmas da minha adolescência. Alguns se converteram em amor, e preocupação- pois ainda não a encontrara-, mas os mais fortes trouxeram lembranças, péssimas lembranças.
Recordei de tudo que fiz para impressionar quem pouco se importava com minha existência. Lembrei de todos os lugares que frequentei para observá-la. Recomprei todas as roupas que usava para chamar a atenção. Mas a atenção de Norah era cara e surda.
Estava tão inconsequente que saí de casa, àquela hora da madrugada, à pé. Alvo fácil de qualquer ladrão. Tinha carro e bicicleta, mas o retorno inesperado de Norah me deixou atordoado, e não me deixou pensar em meio de transporte.
No caminho para o Largo, passei pela praça Osório e em frente a um snooker bar da mesma rua. E isso me fez lembrar de uma coisa, quero dizer, uma pessoa. Por incrível que pareça, não era Norah. Como pude esquecer de Sofia?
Não era exatamente minha amiga, muito menos minha namorada. Mas confesso que tínhamos uma relação muito diferente de qualquer uma.
Ela sabia de todos os meus segredos, eu sabia de todos seus segredos. Sabia de todo o meu passado, eu sabia de todo o seu passado. Sabia de todos meus romances que deram errado, eu sabia de quantos homens ela havia gostada. Sinceramente, eu conhecia ela mais do que qualquer um. Ela me conhecia por inteiro. Mas não sei o que nos impedia de assumir um namoro formal. Creio que se fossemos fazer isso, tudo daria errado. Então era melhor manter essa relação louca e sem rotina. Ela saia com quem quisesse, eu pegava quantas pudesse. Nós aceitávamos tudo o que o outro fizesse. Era um caso sem aliança qualquer. Quando um precisasse do outro, era só chamar.
Mesmo eu estando com outras. Mesmo ela pegando outros. Nós sabíamos que encontraríamos carinho, conforto, alegria, confiança e apoio quando estivéssemos juntos.
Eu, apesar do passado, era aparentemente comportado. Mesmo tenho uma juventude rebelde. Ela, apesar da beleza, era toda suja e alcoólatra. Mesmo sendo de uma família religiosa. Nós fazíamos um casal bonito, interessante.
Mas eu sentia a necessidade de ter um tempo sem ela. Não sabia explicar ao certo, mas hoje sei que o motivo para isso, estava jogado em alguma sarjeta, esperando alguém. A morte ou eu.
Acredito que eu era o único homem a realmente gostar de Sofia. Tornava seus defeitos, grandes qualidades. Simplesmente ignorava seus erros, e aproveitava ao máximo sua bondade. Eu fui cego ao não perceber que eu a deixava realmente feliz e motivada a viver mais, ao meu lado. Eu era quem ela mais desejava.
Mas o que me assustou naquela madrugada dominical foi simplesmente eu esquecer de Sofia. Esquecer de nossa relação. E me preocupar com uma desgraçada que ferrou toda minha adolescência.
Depois de voltar no tempo e me distrair com a loira do snooker bar, começo a andar mais atento. Pois me aproximo do Largo da Ordem e sei que Norah está próxima.
Sabia que ela estaria perto do Opera, mas não conseguia encontrar nada parecido com uma bela moça que não via há muito tempo. Só alguns moradores de rua e uns bêbados desmaiados. Passei por um corpo que puxou minha perna e disse:
-Você demorou!
Recordei de tudo que fiz para impressionar quem pouco se importava com minha existência. Lembrei de todos os lugares que frequentei para observá-la. Recomprei todas as roupas que usava para chamar a atenção. Mas a atenção de Norah era cara e surda.
Estava tão inconsequente que saí de casa, àquela hora da madrugada, à pé. Alvo fácil de qualquer ladrão. Tinha carro e bicicleta, mas o retorno inesperado de Norah me deixou atordoado, e não me deixou pensar em meio de transporte.
No caminho para o Largo, passei pela praça Osório e em frente a um snooker bar da mesma rua. E isso me fez lembrar de uma coisa, quero dizer, uma pessoa. Por incrível que pareça, não era Norah. Como pude esquecer de Sofia?
Não era exatamente minha amiga, muito menos minha namorada. Mas confesso que tínhamos uma relação muito diferente de qualquer uma.
Ela sabia de todos os meus segredos, eu sabia de todos seus segredos. Sabia de todo o meu passado, eu sabia de todo o seu passado. Sabia de todos meus romances que deram errado, eu sabia de quantos homens ela havia gostada. Sinceramente, eu conhecia ela mais do que qualquer um. Ela me conhecia por inteiro. Mas não sei o que nos impedia de assumir um namoro formal. Creio que se fossemos fazer isso, tudo daria errado. Então era melhor manter essa relação louca e sem rotina. Ela saia com quem quisesse, eu pegava quantas pudesse. Nós aceitávamos tudo o que o outro fizesse. Era um caso sem aliança qualquer. Quando um precisasse do outro, era só chamar.
Mesmo eu estando com outras. Mesmo ela pegando outros. Nós sabíamos que encontraríamos carinho, conforto, alegria, confiança e apoio quando estivéssemos juntos.
Eu, apesar do passado, era aparentemente comportado. Mesmo tenho uma juventude rebelde. Ela, apesar da beleza, era toda suja e alcoólatra. Mesmo sendo de uma família religiosa. Nós fazíamos um casal bonito, interessante.
Mas eu sentia a necessidade de ter um tempo sem ela. Não sabia explicar ao certo, mas hoje sei que o motivo para isso, estava jogado em alguma sarjeta, esperando alguém. A morte ou eu.
Acredito que eu era o único homem a realmente gostar de Sofia. Tornava seus defeitos, grandes qualidades. Simplesmente ignorava seus erros, e aproveitava ao máximo sua bondade. Eu fui cego ao não perceber que eu a deixava realmente feliz e motivada a viver mais, ao meu lado. Eu era quem ela mais desejava.
Mas o que me assustou naquela madrugada dominical foi simplesmente eu esquecer de Sofia. Esquecer de nossa relação. E me preocupar com uma desgraçada que ferrou toda minha adolescência.
Depois de voltar no tempo e me distrair com a loira do snooker bar, começo a andar mais atento. Pois me aproximo do Largo da Ordem e sei que Norah está próxima.
Sabia que ela estaria perto do Opera, mas não conseguia encontrar nada parecido com uma bela moça que não via há muito tempo. Só alguns moradores de rua e uns bêbados desmaiados. Passei por um corpo que puxou minha perna e disse:
-Você demorou!
Sarjeta da Abstinência - Não me deixe sangrar
Graças à um morador de rua e seu cão, me livrei de três ou quatro caras, não lembro ao certo pois estava "chapada" demais, que queriam ir comigo à não lembro onde para "brincar", segundo eles.
Esse era o problema em ter vinte e quatro anos e um rosto de dezeseis, as pessoas, principalmente homens, queriam se aproveitar de minha inocência aparente. Bem, alguns conseguiram, por isso estava no estado em que Tomas me encontrou, drogada, suja e sem vida. Mas depois do que aconteceu entre eu e Sebastião lá em Portugal, minha mente mudou, fiquei mais perversa, maligna, e depressiva.
Tudo o que o meu mais novo companheiro de sarjeta, e salvador, quis em troca foi um gole de cachaça e comprimidos, pois precisava manter o vício. Dei a ele o exigido, pois eu já estava "semi-morta", não me faria falta. Um só comprimido não faria mal algum a ele, em comparação às doses que tomei... algumas várias, com cachaça pura. Então, não estava só lesada, e esperando a morte devido as dúzias de comprimidos, estava bêbada também. Pelo menos não quebrei a promessa que fiz ao meu avô antes de morrer. Ele me pediu que eu nunca fumasse, pois poderia ter câncer, doença que matou o homem mais bondoso do mundo. Bem, nunca fumei, mas bebi litros e mais litros de todo e qualquer tipo de bebida alcoólica e usei algumas outras drogas, tudo menos o cigarro. Não sou de quebrar promessas.
Meu amigo da calçada se despediu e partiu rumo a agitação noturna do Largo. Mas, o que um pobre miserável, sem um vintém, faria no Centro de Curitiba? Não faço ideia, mas qualquer coisa era melhor do que ficar esperando a morte em uma calçada podre de suja em frente a um dos lugares que mais frequentei quando adolescente. Ao menos poderia esperar relembrando todas as aventuras que tive e presenciei na minha passada vida de groupie. Foram tantos momentos divertidos e satisfatórios. Perdi quase todo o tipo de virgindade naquele lugar, mas parti para Portugal com a pureza de uma criança. A ilusão é predominante na infância, faz com que elas pensem que tudo é perfeito, tudo flui a favor delas, mas é tudo mentira. E foi assim, iludida, que fugi do que pretendia me fazer bem.
Apesar das perdas e dificuldade que tive enquanto morei com meu pai, dos dois aos dezessete anos, minha vida era prazerosa. Se eu realmente quisesse algo, batalhava por isso. Mas todos têm defeitos, e por mais que dissessem que eu era a garota ideal, tinha meu lado negativo. Orgulhosa, imatura e ignorante. Isso não me prejudicava, só fazia mal a quem estava querendo se aproximar de mim. Odiava que as pessoas se interessassem por mim, para fazer amizade, se eu quisesse, eu faria. Sei que magoei muita gente, mas só concluí isso, após ser magoada por um maldito ilusionista.
Pois é, eu e meus dezessete anos, recém-completos, queriam festejar, mas conheci Sebastião. No início, era tudo o que eu queria, fazia qualquer coisa pelo seu amor, até fugiria de casa. E fiz isso, fui para Portugal com ele, que me prometeu muitas coisas, e eu iludida, o segui. O que o desgraçado realmente queria era viver às minhas custas. Me torturou, me obrigou a vender coisas ilícitas, para uma menor de idade. Vendi drogas, vendi rins e órgãos variados, e vendi meu bem mais precioso, o corpo. A virgindade que eu não perdi no Opera1 em Curitiba, eu perdi em Lisboa. Seria melhor perder isso, do que a vida completa.
Sebastião era membro de uma gangue, quase máfia, que trazia garotas do Brasil para Portugal, dizendo que teriam muitas coisas, todos aqueles sonhos juvenis. Mas na verdade, elas eram escravizadas. E eu, iludida, fui umas das primeiras vítimas dessa armação
Não entendo como consegui ficar tanto tempo refletindo sobre meu passado sombrio e vergonhoso, pois achei que logo teria um ataque causado pelos remédios. Ou, não sei, vomitaria pelo excesso de cachaça. Despertei para conferir se me restava algum comprimido, ou qualquer coisa que me matasse. Mas um fato me assustou.
Esse era o problema em ter vinte e quatro anos e um rosto de dezeseis, as pessoas, principalmente homens, queriam se aproveitar de minha inocência aparente. Bem, alguns conseguiram, por isso estava no estado em que Tomas me encontrou, drogada, suja e sem vida. Mas depois do que aconteceu entre eu e Sebastião lá em Portugal, minha mente mudou, fiquei mais perversa, maligna, e depressiva.
Tudo o que o meu mais novo companheiro de sarjeta, e salvador, quis em troca foi um gole de cachaça e comprimidos, pois precisava manter o vício. Dei a ele o exigido, pois eu já estava "semi-morta", não me faria falta. Um só comprimido não faria mal algum a ele, em comparação às doses que tomei... algumas várias, com cachaça pura. Então, não estava só lesada, e esperando a morte devido as dúzias de comprimidos, estava bêbada também. Pelo menos não quebrei a promessa que fiz ao meu avô antes de morrer. Ele me pediu que eu nunca fumasse, pois poderia ter câncer, doença que matou o homem mais bondoso do mundo. Bem, nunca fumei, mas bebi litros e mais litros de todo e qualquer tipo de bebida alcoólica e usei algumas outras drogas, tudo menos o cigarro. Não sou de quebrar promessas.
Meu amigo da calçada se despediu e partiu rumo a agitação noturna do Largo. Mas, o que um pobre miserável, sem um vintém, faria no Centro de Curitiba? Não faço ideia, mas qualquer coisa era melhor do que ficar esperando a morte em uma calçada podre de suja em frente a um dos lugares que mais frequentei quando adolescente. Ao menos poderia esperar relembrando todas as aventuras que tive e presenciei na minha passada vida de groupie. Foram tantos momentos divertidos e satisfatórios. Perdi quase todo o tipo de virgindade naquele lugar, mas parti para Portugal com a pureza de uma criança. A ilusão é predominante na infância, faz com que elas pensem que tudo é perfeito, tudo flui a favor delas, mas é tudo mentira. E foi assim, iludida, que fugi do que pretendia me fazer bem.
Apesar das perdas e dificuldade que tive enquanto morei com meu pai, dos dois aos dezessete anos, minha vida era prazerosa. Se eu realmente quisesse algo, batalhava por isso. Mas todos têm defeitos, e por mais que dissessem que eu era a garota ideal, tinha meu lado negativo. Orgulhosa, imatura e ignorante. Isso não me prejudicava, só fazia mal a quem estava querendo se aproximar de mim. Odiava que as pessoas se interessassem por mim, para fazer amizade, se eu quisesse, eu faria. Sei que magoei muita gente, mas só concluí isso, após ser magoada por um maldito ilusionista.
Pois é, eu e meus dezessete anos, recém-completos, queriam festejar, mas conheci Sebastião. No início, era tudo o que eu queria, fazia qualquer coisa pelo seu amor, até fugiria de casa. E fiz isso, fui para Portugal com ele, que me prometeu muitas coisas, e eu iludida, o segui. O que o desgraçado realmente queria era viver às minhas custas. Me torturou, me obrigou a vender coisas ilícitas, para uma menor de idade. Vendi drogas, vendi rins e órgãos variados, e vendi meu bem mais precioso, o corpo. A virgindade que eu não perdi no Opera1 em Curitiba, eu perdi em Lisboa. Seria melhor perder isso, do que a vida completa.
Sebastião era membro de uma gangue, quase máfia, que trazia garotas do Brasil para Portugal, dizendo que teriam muitas coisas, todos aqueles sonhos juvenis. Mas na verdade, elas eram escravizadas. E eu, iludida, fui umas das primeiras vítimas dessa armação
Não entendo como consegui ficar tanto tempo refletindo sobre meu passado sombrio e vergonhoso, pois achei que logo teria um ataque causado pelos remédios. Ou, não sei, vomitaria pelo excesso de cachaça. Despertei para conferir se me restava algum comprimido, ou qualquer coisa que me matasse. Mas um fato me assustou.
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