2009/12/20

Uma baratinada monstro a dois (Parte UM) - Não Me Deixe Sangrar

Disposto à xingar o desgraçado que me puxou, olho para o fulano e quando reconheço aquele rosto tão avacalhado, simplesmente travei. Pelo visto, foi um ato recíproco de ambos ali naquela sarjeta imunda do Largo.
Meu rosto, meu corpo, só eram capazes de tremer. Pois, internamente, corriam diversas emoções intensamente. Tantas, que se eu fosse um computador, já teria explodido.
Ao mesmo tempo que estava alegre por estar revendo depois de anos a "garota da ordem", estava furioso por tudo o que ela me causou, nervoso pois fico assim toda vez que a vejo, triste por encontrá-la naquele estado, inconformado por ela ser tão burra, disposto a tirá-la daquele lugar... mas isso só depois de ouvir tudo o que ocorreu com sua vida desde que tinha dezessete anos.
Meu sistema estava sobrecarregando-se, e com isso as emoções começaram a se soltar. Lágrimas leves de angústia e uma dor no peito aumentavam meu tremor. Tentei decifrar o que Norah sentia, mas aqueles malditos olhos verdes me hipnotizaram. Só sei que ela não disse nada, eu também não. Não faço ideia de quanto tempo ficamos ali, paralizados. Até que ela disse algo.
- Se eu tivesse condições, me levantaria e te daria um abraço. Mas já estou morta demais para isso. Então, abaixa aqui e me abraça.
-... como você foi capaz de fazer isso... consigo mesma?
Dizendo isso, me sentei ao seu lado e a envolvi em meus braços.
- O que?... Eu era apenas uma garotinha inocente.
- Mas por que? Você tinha tudo o que quisesse.
- Você já se iludiu por um amor, falso ou platônico, certo?
- Não quero falar sobre mim! Quero saber porque você sumiu... e porque voltou, nesse estado.
- Quer saber mesmo?
- Diga.
- Como diria um antigo programa de tv: Senta que lá vem história...
-Já estou sentado, besta!
- Quer uma pipoca, ou alguma bebida? Olha aqui, tenho um resto de pinga, você quer?
-...
Ignorei. Me calei. Rosto sério. Internamente, implorei para que ela dissesse tudo de uma vez.
- Ai, tá... desculpa. Então... Mudei de colégio no meu ultimo ano do ensino médio. Perdi contato, propositalmente, com a maioria daquelas minhas "amigas" e alguns noobs do Leôncio. Nem me importei com você, mesmo sabendo de TUDO.
"Na escola nova, entrei em uma sala bizarra demais. Cheia de estranhos e estranhas, só uma pessoa era interessante. E quis ter amizade imediatamente com ela. Sebastião era seu nome. Aparentemente bonito, inteligente, carinhoso, e deveras outras características que eu considerava ideais para um namorado. No mesmo dia em que nos conhecemos, fomos ao cinema e lá, ficamos. Foi um romance espontâneo. Simplesmente não nos separávamos. Eu estava louca de amores por ele. Meus sentimentos eram os mais sinceros possíveis, pensava eu. Eramos a dupla dinâmica da turma, fazíamos tudo juntos, estudávamos, matávamos aulas, colávamos nas provas, tudo mesmo. Estava disposta a fazer qualquer coisa para não perdê-lo. E acreditava que tudo isso era recíproco... "Recíproco" é uma palavra engraçada, não acha?"
- Talvez, mas lembro que é o nome de uma poesia que te escrevi, creio que foi uma das ultimas que te entreguei, antes de você partir.
- Nossa, que memória você tem! Como é mesmo esse poema?
-Não lembro.
- Capaz! Claro que lembra. Eu lembro:
"Espere um pouco,
me livre deste sufuco,
todo esse vazio me deixa oco.
Preencha-me com tua vida.
Mas, por favor, ..."
-... que seja recíproco.
Ou, um dia, te darei o troco.
- Uau!
- Que vergonha dessa minha criação. Uma das piores que fiz, foi de improviso. Escrevi no guardanapo e te entreguei em seguida.
- É, eu lembro. Li e reli várias vezes. Tentei decifrar teu sentimento, mas falhei. E então vai me dar o troco?
- Seria o certo, bem que eu quero. Mas não agrido mulheres, muito menos bêbadas.
- Haha... Bêbada é pouco. Já nem sei quanto bebi e quantos comprimidos ingeri.
-Depois você conta, agora continua a história.
- Tá bom, tiozão.
"Enfim, eu e Sebas namorávamos escondido. Porque ele dizia que seus pais não aprovavam qualquer tipo de relação antes do casamento, devido à religião. Ele, com quase dezoito anos, já não suportava mais essa privação. Eu, louca com recém dezessete anos completos, queria oficializar de qualquer jeito.
Então, ele me propôs que quando completasse seus dezoito anos, nós iríamos para Portugal, ter uma vida só nossa. Eu, louca apaixonada e inconsequente, aceitei. Mesmo temendo que meu pai tivesse um ataque do coração.
Na véspera do aniversário, comecei a arrumar minhas malas e uma desculpa que meu pai aceitasse bem. Disse a ele que uma colega de turma iria fazer uma festa na chácara de sua família, uma espécie de acampamento de final de semana. Ele me autorizou a ir, e me deu dinheiro para comprar doces. Tudo bem, peguei todas minhas economias guardadas para comprar meu carro e parti. Não sei o que Sebastião disse para seus pais, mas só sei que ele chegou no horário certo onde combinamos. Pegamos o avião para São Paulo às três da manhã, e de lá pegamos outro para Portugal. O fuso horário me confundiu, mas aterrissamos em Portugal quando o pôr-do-sol já ia desaparecendo. Sebás, já tinha tudo combinado com um "amigo" que morava no centro de Lisboa. Do aeroporto, fomos até a casa dele. Um verdadeiro muquifo, aterrorizante. Pensei que estava no Massacre da serra elétrica. Não estava no filme em questão, mas meu pesadelo começou na mesma noite em que cheguei. Quando chegamos, Jardel, o dono da casa, estava fazendo uma coisa que eu nunca havia experimentado, estava preparando uma "carreira", se é que você me entende. Olhou para nós e disse:
-Sejam bem-vindos! Querem um pouco disso? É só a entrada, a noite vai ser de festa, uma longa festa!"

Nenhum comentário:

Postar um comentário