2012/01/20

SUICÍDIO


(Parte um)

- Alguém vem aqui pra ler esses livros?... Porque sempre que venho aqui, eles estão no mesmo lugar...
- Eu é que tenho mania de organização. Alguns pacientes gostam de folhear alguma coisa enquanto contam suas tristezas.
- Mas são livros tão antigos! Ninguém mais lê isso hoje em dia.
-Mas são clássicos!
- Quantos anos você tem mesmo?
- 38.
-Meu deus... que velho.
- Aham... muito velho... pelo menos minha geração tem bons clássicos da literatura, e a sua?
- Vish... você chama de clássico aquilo que é muito bom ou aquilo que vende pra caramba?
- Livros que te prendem, acrescentam algo, e que você cite ou relembre por muito tempo depois de ter lido.
- É... nesse assunto a tua geração vence. Livros novos e bons são minoria da minoria da minoria. Sério, sem querer bancar o ser superior nascido nos anos 90, é muito difícil conquistar público fazendo trabalhos originais e egoístas. Galera só pensa em grana.
- Egoísta?
- Ah, fazer algo de você pra você, pensando na sua própria satisfação. Mas essas paradas de criatividade não original não se resolverão, porque as pessoas de hoje são assim por causa de cagadas feitas há muito tempo, que foram transmitidas de geração pra geração. Eu sei que eu sou um merda, ninguém precisa me avisar isso, mas pelo menos não banco o cego e aceito tudo que cai da porcaria da tv.
- E o que você faz pra mudar o mundo?
- Quem disse que quero mudar o mundo? O mundo não dá a mínima pra mim, porque me importaria com ele. Sou egoísta mesmo.  Eu quero mudar e tô sempre mudando o MEU mundo. Faço o que tiver que ser feito pra suprir minhas vontades, essa é minha religião.
- Você é um hedonista então?
- É uma palavra legal, mas não sei seu significado.
- É exatamente isso que você é, Cirene.
Dr. Rafael (que devia ser mesmo ser chamado de doutor, pois tinha doutorado em psiquiatria) já conhecia Luiz o suficiente pra afirmar essa sua característica.
- Cirene?
- Melhor não entrarmos no tema ideologia hedonista. Não sou dessa praia. E... antes que você venha com assuntos aleatórios, tomou o remédio?
- Véi... aquela parada me apagou de um jeito... Tomei domingo de manhã e depois disso... só lembro que quando voltei ao planeta Terra já estava sentado na cadeira do escritório.
- Não acredito!
- Mentira, nem tomei o remédio. O que eu tomei mesmo foi uma porrada de  álcool desde sábado às oito da noite até domingo a noite. Se eu tomei alguma pílula, não sei, as não foi essa que você me receitou.
- É assim que você pensa que vai melhorar?
- Vivendo em prol do prazer, aleluia!
A esse ponto do tratamento, Rafael já tratava Paulo como amigo, e não mais como um paciente depressivo revoltado. Isso poderia atrapalhar o desempenho de outros Doutores, mas para ele, essa liberdade pra falar ajudava muito, ainda mais com pessoas mentalmente alteradas.
- Ok, e, como você diz, o apetite pela secretária?
-Mentalmente, faço perversões com ela umas vinte e nove vezes por dia. Mas, quando ela faz seus doces se abrindo toda, lembro imediatamente da Guilhermina.
- Falando na Guilher, você já teve coragem de contar essa tua tara pra ela?
- Não, meu deus... enquanto eu for dela: tudo menos magoá-la. E o que me incomoda é ter certeza se eu ainda sou, porque, não sei, ando tão fraco... Acho que a rotina me estragou, e só melhorou ela. Poxa, sei que ela me ama muito e muito e cada vez mais e mais. Impossível medir tamanho amor, mas eu , já falei, sou um merda... e sempre abandono o que me faz bem.
-Não direi o que você tem a fazer, mas preciso te ajudar a não pegar o caminho errado, independente de qual seja o certo. Falando em hedonismo, você precisa fazer algo pelo qual na se arrependa amanhã. Não tem como saber qual realmente será o melhor a fazer, você tem que agir e pensar no que você é hoje pra colher o que vier depois. Só depende de você.
- Ah... ela tem o que eu quero e preciso, mas eu insisto em ser um idiota...

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