2012/01/22

S UICÍDIO


(parte dois)

A mãe de Paulo sempre dizia que independente do que você deseje, algum sacrifício será necessário. Seu pai admirava todas as mulheres, todas, por terem uma beleza natural e incalculável. Somando-se essas duas heranças, Paulo era extremamente dedicado e aficionado por Guilhermina, uma obsessão saudável e cheia de cuidados. Era como se ela portasse o segredo do universo ou, na visão egoísta de Paulo, todo o combustível necessário para que ele aguentasse as chatices e dores do mundo.

Eram tempos difíceis pra Paulo. Recém órfão, recém reprovado, recém traído. “Once in hell, embrace the devil.” Ele só precisava encontrar um motivo pra não provar que não existe vida após a morte. Ainda tinha medo, mas pretendia encontrar na cachaça a ignição para tal ato. Foi numa dessas que, não se sabe como, foi parar num bar estranhíssimo a seus olhos, cheio de desconhecidos de estilos alheios ao seu. Se entrara naquela selva acompanhado, já havia se perdido.
Logo após virar sua 123ª tequila, seus olhos miraram numa pessoa que também parecia não pertencer aquele lugar. Ela tomava no canudo uma bebida que parecia suco de limão e observava os demais com um olhar meio medroso, meio risonho.  Obviamente, Paulo quis fazer contato com a estranha. Foi chegando, torto, mas à cinco metros foi atingido pelo olhar da moça que o obrigou a alterar sua rota. Parou a uma certa distância e ainda não acreditava: era a coisa mais bonita que surgira em sua vida após a pizza de quatro queijos.
Boquiaberto, travado, hipnotizado, cochichou:
- Meu deus... eu quero ela pra mim.
Fato é que o resmungo saiu meio alto e um cara ao seu lado disse:
- Vish... véio, essa é a mina do DJ, nem tente chegar perto dela.
Passaram-se horas, ele já a desejava demasiadamente, queria que ela fosse a mulher que o obrigasse a sair pela noite à procura dos mais doidos desejos de grávida. Ele queria, precisava. Não podia. Todos esse pensamentos o rodeavam sem ao menos ter encostado nela. Totalmente doentio. Como o amor deve ser.



Guilhermina ainda não entendia o porquê de estar a tanto tempo com um cara que mudava de estilo e ideologia umas dezoito vezes por mês. Influenciável, um coitado. Dessa vez, o cara estava investindo numa carreira de DJ estilo black metal dubstep. Até que fazia um certo sucesso em seu nicho de atuação.
Guilhermina não se importava em ir à lugares estranhos, se lá tivesse álcool. Não era alcoólatra: não bebia cerveja no café da manhã, não enchia a cara de conhaque em casa. Só na balada. Ou onde quer que seu namorado a levasse.
Guilhermina teve seus motivos para aceitar entrar nessa jornada mortal chamada “namoro”. Suas próprias razões, se é que existe razão no amor. Enfim, ninguém a obrigou. Mas naquela noite da balada metaleira eletrônica, finalmente entendeu que chegara a hora de dispensar o tal teto de vidro e partir pra diversão sincera. "Chega do mesmo! Novidade neles, Guilhermina!"
Guilhermina e seu drink já observavam há um tempo o bêbado que também parecia não pertencer àquele buteco. Era realmente atraente, não só fisicamente. Suas roupas pareciam combinar com o estilo da moça. Além de sua velha tara por barbas. O tal rapaz estava realmente hipnotizado, e a vontade dela era chama-lo pra conversar, sem intenções carnais, só por crer que eles se dariam bem. Ela sempre acertava os pré-conceitos que tinha de desconhecidos. Quando conheceu seu namoradj, chamou-o de “babaca”.
Guilhermina queria conversar com o cara estranho, tê-lo. Mas não podia ainda. Àquela hora da noite, os interesses já estavam em decidir o nome das crianças. Ela sabia que ele estava interessado, mas ainda tinha um namoro pra terminar. Ela só não entendia como chegara a esse ponto de sequer saber a banda favorita do atual cônjuge.
Teve diversos platonismos espontâneos na adolescência, mas, poxa, ela já tinha vinte anos. Porém, esse homem do bar não podia ser mais um. Não era um, era O.
Guilhermina chegou no dj, disse que não o amava mais e foi ao encontro do desconhecido apaixonante. Seu coração pulsava num ritmo totalmente novo. Tascou-lhe um beijo. “Meu deus...” disse. Ela amou. O atrito do que a prendeu. Estava feito. Pegou-o pela mão e saiu. No caixa do bar, disse que era namorada do dj e conseguiu sair de graça. Paulo se deixou ser guiado.
Guilhermina ainda esperava despertar desse sonho ou que alguém revelasse a pegadinha. Era extremamente utópico.
Enfim, Guilhermina concluiu que não era um sonho. Sonhos não duram anos. E esse já durava dois anos.

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