2012/04/29

Gaiola perdida ou um conto sobre pássaros


Há tempos ele não experimentava o horror do vazio. Ele só sentia vontade de não sentir, de pensar em algo que o distraísse. Ele queria pensar em tudo, menos nela.
Apesar das dores, ele tinha consciência que sua carência o faria desejar qualquer garota que se assemelhasse a Eliza em qualquer aspecto. Miguel não queria se jogar em qualquer uma, por mais que  quisesse, pois sabia que estaria fazendo para suprir sua carência. Por mais encantadora que a nova garota fosse, ele não podia. Não agora. Ele não queria enganar ninguém, principalmente a si mesmo.
Ele não queria dizer que estava tudo bem, como a maioria faz, porque simplesmente não estava. O orgulho dele estava danificado demais pra ocultar qualquer dor.
Miguel sempre quis manter um relacionamento diferente com Eliza. Nunca a chamara de “namorada”, não tinha apelidos, a xingava quando desejava, fazia piadas sobre ela, que aceitava e retribuía. Mesmo ao termino, ele queria manter essa diferença, não a chamaria de “ex”. Até porque, nas palavras dela, era só um tempo pra pensar.
O relacionamento dos dois era incrivelmente saudável. Do início ao fim. Com todas as necessidades que um casal almeja pra se manter firme. Não havia brigas, eram diálogos. Não era um namoro, era maior. Era passado.


- Miguel, por favor, me entenda, se eu não disse tudo isso antes, era por te gostar e temer que você reagisse mal. Mas eu me enganei, parece que você já esperava por isso... Mas, por favor, eu preciso de um longo tempo pra saber se é isso mesmo que eu quero pro resto minha vida.
- Por que não me disse antes? Eu andava meio inseguro, porque você andava estranha demais, cada dia mais calada. Eu não sabia como reagir. De quanto tempo você precisa?
- Preciso de um tempo comigo mesma. Sem preocupações, sem você.
- Isso é um término, um tempo ou uma amizade colorida? Dane-se o que for, quero você.
- Sabe aquela história do pássaro e da gaiola? Então, eu quero ser o pássaro e voar um tempo por aí sozinha. Quando eu sentir saudade, se eu sentir, eu volto pronta pra ficar e me estabelecer em seu berço por quanto tempo durarem as nossas vidas. Preciso desse tempo  ou pra sentir saudade ou pra partir de vez.
- Posso ir atrás de outras garotas?
- Eu não irei atrás de ninguém... Só do tempo. E, independente da minha resposta, eu volto pra me despedir ou fixar meu acampamento em você.
- É, porque agora esse tal acampamento está em ruínas. Traga materiais mais sólidos pra reforma.
- Adeus, eu preciso. Tenha paciência.

Agora, Miguel estava se cansando de esperar por Eliza. O tempo o fez refletir que era justamente de tempo que ele precisava para concluir que não era mais de Eliza que ele precisava. Ele já não se importava com a decisão que ela ainda nem havia tomado.  Miguel se cansara de depender de alguém pra viver. Isso não é vida, é algo terrível.
Ele não cogitava egoísmo irracional da parte de Eliza. Nem racional. Só pelo fato de ela estar expondo tudo isso, ele entendia que se tratava de um complexo problema que os dois deveriam tratar. Afinal, foram os dois que começaram com tudo, inclusive com o amor.
Contudo, lembranças dos mais diversos momentos com Eliza conturbavam a mente dele. Sua mente estava o torturando ao máximo pra extrair a resposta mais sincera dele. Ele queria partir, mas não queria partir os sentimentos por Eliza.
Ele não estava deixando de amá-la ou respeitá-la. Miguel só estava abandonando a carência angustiante que evoluía em si mesmo. Ele queria manter a amizade, o carinho, o cuidado e tudo mais, só que à distância. Pra não machucar.
Na verdade, ele estava tomando a mesma decisão de Eliza, só que sem o aval dela. Ele queria sentir saudades. Ele não queria esquecer das vivências. Afinal, memória vai e vem.

Enfim, Eliza retornou em busca da gaiola. Decidida que era lá onde seus sonhos cresceriam. Porém, a gaiola não estava mais lá. O pássaro voou por tanto tempo que a gaiola criou vida e se foi. No lugar dela, o pássaro recebeu um cartão postal de Lisboa dizendo que os papeis se inverteram. Também dizia que agora era Miguel que queria voar sozinho. Na verdade, bem no fundo, ele só estava se vingando pelo que Eliza o fez sentir. Melhor dizendo, o que ela o fez não sentir.
Miguel foi covarde, foi pra longe. Teve medo de ver Eliza chorar, pois, se ela voltasse, era certo que ela ficaria imensamente triste com a resposta dele.
Ele não sabia mais no que pensar ou sentir. Ele já discordava de si mesmo. Queria, mas não queria, voltar pra sua gaiola. Ela é a gaiola, ele é a gaiola. Ambos são pássaros. Ambos são livres. Porém, ambos querem se prender a algo, sair e voltar a hora que quisessem. Miguel se soltou demais e se perdeu. Perdeu Eliza.  Mas não perdeu as esperanças...
Voltou à procura de uma Eliza piedosa. Foi perdoado e pode, enfim, repousar. Ninguém quer mais voar, estão muito bem presos um ao outro.

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