Hélio estranhava como sua cidade era um
baita ovo. Alguém do colégio conhece alguém da rua, que já trabalhou com um primo,
que estudou com a antiga paixão, que morou no mesmo bairro da professora da
faculdade, que é tia de uma amiga do Opera1, que já saiu com o professor de
sueco, que trabalhou com a esposa do irmão, que é melhor amiga de uma inimiga
da namorada do amigo, que ouvia a banda do vizinho no myspace em 2005, que bebia
no bar que um amigo trabalhava, que ficava ao lado da casa da mãe da menina que
Hélio stalkeava no facebook.
Nosso rapaz dividia apartamento com sua
velha amiga de escola, Cíntia. De tanto que serviu de psicóloga conselheira
para Hélio, a moça resolver cursar Psicologia. O que Hélio não esperava era que
Cíntia fosse colega e amiga de Antônia. Para ele, essa moça tinha uma imagem
muito errada.
Numa manhã dominical, Hélio recebeu a
visita de Júlio, seu primo. Tomavam café e conversavam sobre suas nostálgicas
aventuras infantis, quando Cíntia aparece na sala com cara de “bebi pra carajo
noite passada, meu deus, preciso de água”.
- Bom dia, dona ressaca! Como foi a
noite passada? – disse Hélio à sua roommate.
- Meu Deus, foi uma porcaria. Mas acho
que se não tivesse bebido, seria pior. Ainda bem que encontrei uma amiga minha
e ficamos reclamando até o amanhecer. Aliás, ela tá aí, se comportem, garotos.
Aliás, oi, Júlio!
- Oi, Cíntia, tem café na cozinha. Toma
lá.
Hélio admirava duas coisas em sua amiga:
os conselhos afetivos e as garotas bonitas que ela conhecia.
- Ô, Cíntia, chama lá tua amiga pra
tomar um café com a gente. – empolgou-se Hélio para saber quem era a gata.
- Puts, eu acho que ela tá em coma.
Sério, ela caiu da cama no meio da noite e ainda tá no chão roncando.
- Ahr... Bom, daqui a pouco o Júlio vai
ao mercado comprar umas paradas pro almoço. Cês duas tão convidadas pra almoçar
com a gente, tá?
- Beleza, temos nada pra fazer hoje
mesmo. Mas, ei, Júlio, ela é vegetariana, não coloque bacon no feijão.
- Ok... Domingo não é dia de feijão. De qualquer
jeito, eu estava a fim de matar saudades da minha época de Formosa.
- Como assim? Já foi vegetariano? Perguntou
Cíntia, que andou até a cozinha para se servir de café.
- Não, mas trabalhei lá no Formosa um
bom tempo. Ainda lembro de alguns pratos vegetarianos.
- Que bom , Jú, ela vai adorar.
- Espero que ela goste de outra coisa...
– interrompeu Hélio.
- Oi? – Cíntia e Júlio questionaram meio
que de modo sincronizado.
- Homens... Ela é hétero?
Cíntia e Júlio riram da pergunta.
- Quê? Cê sabe que tuas amigas são
bonitas, mas o problema é que muitas são gays.
– Apesar de ter frequentado muito o
James e o Simão, ela gosta de caras. Acho que até cês já se conhecem.
- Hum...
- Esquece, ela é tipo missão impossível.
- Veremos... D’onde eu a conheço?
- Ela era da gangue da Heloísa, na época
do cavalo babão.
- Tá, eu não conhecia a maldita Hell’o’isa
nessa época.
- Mas sei que tua ex odeia essa mina.
- Tá, seja lá qual for a desavença entre
as duas, f#da-se.
- Enfim, obrigado pelo café. Minha
cabeça tá pesada, tô voltando pra cama, tchau, meninos. – despediu-se a moça,
voltando ao seu quarto acompanhada de uma xícara de café e uma cartela de
paracetamol.
- Falô, mano. – disseram os rapazes,
que, logo, retornaram a conversar sobre suas peripécias de infância.
Hélio, quando namorava, sempre apoiava
sua digníssima, independente da treta. Ela falava mal de diversas garotas, e
ele tratava esses podres como verdade. Mesmo após o término, ele ainda portava
um certo preconceito sobre essas pessoas.
Júlio saíra para comprar coisas pro
almoço, enquanto Hélio ficou pra dar um trato na casa. No banheiro, encontrou
uma carteira feminina caída e, ao apanhá-la, deixou cair uma porção de papéis e
documentos. Dentre eles, um ingresso antigo para o show de uma banda que ele
conhecia muito bem.. De Cíntia, a carteira não era, pois odiava essa banda. Só
podia ser da visitante.
- Meu Deus... Essa mina conhece... Meu carajo, eu estava nesse show.
Obviamente, não teria como ele apontar
quem era a tal, pois muitas meninas foram àquele show em 2007. Começou a
recolher os demais papéis caídos, e encontrou outros ingressos de shows que ele
também assistira.
- Puta merda, essa mina só pode ter sido
emo de Müeller – confabulou sozinho o cara que pertencera a uma tribo muito
esquisita.
Nisso, ouviu um diálogo no quarto de
Cíntia e resolveu ir até lá para devolver a carteira e, claro, conhecer a
menina mistério. Bateu na porta, pediu licença e perguntou se havia alguém sem
roupa.
- Eu! – respondeu Cíntia saindo de trás
da porta e se jogando sobre Hélio. Apesar da resposta, a moça estava trajada.
- Ô, vaca, sai fora! – reagiu Hélio
agarrando sua amiga e a lançando na cama. Só depois disso, ele teve tempo pra
procurar a outra moça, que estava sentada na cadeira de balanço, usando o
notebook.
- Gazélio, essa é a Antônia. Tônha, esse
é o Hélio. – Cíntia cordialmente apresentamdo um ou outro.
Cumprimentaram-se com sorrisos tímidos e
rápidos ois.
Rapidamente, Hélio lembrara que já conhecia
Antônia, mas só de longe. Costumavam frequentar quase os mesmos lugares há
cinco anos, mas eram de turmas diferentes. Ele começou a namorar, distanciou-se
dos rolês e descobriu que a tal da Antônia era odiada por sua namorada.
“Ai, ela é uma falsa, uma poser. Ontem,
ouvia Fresno; hoje, ama Chris Brown. Hoje te chama de bff; amanhã dá em cima do menino que você gostava. Sério, tenho
muito nojo dessa cobra”. Era o que Hélio sabia de Heloísa sobre Antônia, além
de que ela “pagava muito pau pra mim, começou a ir pro Largo, porque eu também
ia.”
- Essa carteira é tua? Estava lá no chão
do banheiro. – perguntou Hélio todo tímido.
- Sim! Brigada. - Antônia se levantou,
deixou o note sobre a cadeira e foi ao rapaz pegar seu pertence.
- Nossa, que camiseta bonita!
- Você conhece Every Time?
- Meu, se o finado myspace trouxe alguma
coisa boa pra minha vida, foi essa banda.
- O myspace morreu?
- Não, tá vivo ainda, mas já não é mais
tão legal como antigamente.
- Verdade, posso dizer que esse site regeu
meu estilo musical por muito tempo. – disse Tônha ao se sentar na cama de
Cíntia, que já estava sentada só rindo da situação.
- Que foi, retarda? – indagou Hélio, alocando-se
entre as duas garotas e dando um pescotapa em sua amiga.
- Cara, como é que vocês conseguem
gostar dessas bandas?
- Cí, acho que aqui estamos em dois
contra uma. – Antônia sorriu para Hélio, como se estivesse o convidando para
zoar Cíntia.
Ficaram lá os três conversando sobre
música até que Júlio retornou do mercado e os levou para ajudarem-no com o
almoço. Os assuntos começaram a se diversificar e Hélio foi se convencendo de
que aquela menina não era o demônio todo que ele imaginava.
Apesar da beleza de Antônia, Hélio não
estava motivado a conquista-la. Passara o tempo em que ele se obrigava a esse
tipo de coisa. Vivia dizendo que não queria forçar nada com ninguém. O pôster
em seu quarto explicava muito bem sua atual filosofia amorosa: “... o vento vai
dizer...”
O papo se prolongou ao início da noite, quando
as duas garotas começaram se aprontar para sair. Apesar de terem sido
convidados pelas moças, os rapazes já tinham compromisso marcado com um
campeonato de vídeo-game. Hélio já se aposentara da vida baladeira. Júlio
estava passando o final de semana na casa de seu primo, portanto estava meio
que obrigado a fazer as mesmas coisas que ele, mas não se importava. Apesar de
viverem em mundos diferentes, a amizade dos dois se mantia pelo parentesco e
pelas nostalgias.
- Cê curtiu a tal da Antônia? – Júlio sabia
a resposta, mas perguntou para ouvir Hélio dizer “sim, claro, quero ela pra
mim!”
- Não, Júlio, pior que não... –
respondeu secamente.
- Sei, sei...
Depois de uma maratona exaustiva de
jogos, foram dormir. Pelo menos, tentar. Os temas eram tão infinitos que
continuaram conversando até serem interrompidos por Cíntia e Antônia, que entraram
no quarto e sentaram na cama de Hélio e se incluíram na conversa.
Júlio já estava apagado quando Hélio se
levantou e disse:
- Ô, vocês duas, tô indo na cozinha.
Querem alguma coisa?
Ambas negaram e ele saiu.
- Amiga, por que é que você não me
apresentou esse piá antes? – cochichou Antônia.
- Quê?
- Ahr... – respondeu Antônia fazendo
cara de sei lá
- Falo nada. Só não fique de cuzisse com
ele.
Ao voltar para o quarto, Hélio tropeçou
em Júlio e caiu sobre ele. Os dois, no colchão do chão, começaram a brigar.
Entendendo a brincadeira, Cíntia se jogou e entrou no ringue. Não demorou para
que alguém puxasse Antônia.
A luta prosseguiu até os quatro estarem
amontoados e imóveis.
Desde o início do dia, Antônia e Hélio
trocaram olhares estranhos. Não se sabe se eram surpresos, amedrontados ou românticos.
Inconscientemente, ambos sabiam que algo estava rolando.
Luta encerrada e três dos perdedores
subiram à cama de Hélio, deixando Júlio, que já estava dormindo, no colchão.
Aquela camiseta rasgada do Every Time I
Die com os ombros à mostra. Aquele papo sobre o disco novo do Between the
buried and me. Aquele batom vermelho pós-festa. O “...” tatuado na canela. Hélio
estava convencido que Antônia era uma garota interessante e que se desvencilhava
dos estereótipos criados por Heloísa.
Obviamente, a garota ideal só existe na
cabeça de quem a cria. Por mais incrível que a mina seja, ela sempre terá algo
diferente do que se almeja.
Cíntia logo deitou e dormiu. Hélio
estava sentado apoiado na parede.
- Posso? – Disse Antônia, apontando a
barriga de Hélio.
Incrédulo, meneou a cabeça e deixou que
a garota repousasse sobre sua barriga. Imediatamente, Hélio entendera que o
olhar lançado por Antônia poderia ser traduzido como “te quiero”.
Os dois empurram Cintia para fora da
cama e se deitaram confortavelmente.
Pode-se dizer que Antônia era uma
daquelas belas garotas que 100 em cada 10 caras desejam. Hélio, sempre muito
pessimista, ainda não acreditava que ela estava ali com ele. Enquanto ele
acariciava seu cabelo, ela passava a mão em sua barba. Os dois focavam seus
olhares ao teto como um torpedo de felicidade.
Gasélio não era de exigir que sua garota
seguisse tal moda, muito menos de desprezar tal tipo de roupa. O visual de
Antônia era bacana: Camiseta rasgada de banda, calça jeans que ficou curta e
virou bermuda, tatuagem com sentido particular. Era, visualmente falando, a
versão feminina de Hélio. Porém, ele não portava a magreza encantadora dela.
Por mais que aqueles ombros fossem um
convite sexual para ele, os dois apenas se mantiveram deitados até amanhecer.
Não dormiram, não transaram, queriam nada disso. Permaneceram acordados e
desacreditados por estarem começando a acreditar no potencial entre os dois.