Miguel tem problemas.
- Cara, qual é a tua?
- Que foi, Roberto?
- Miguel, a Clara...
- Que que tem?
- Meu Deus, velho, qual é o teu
problema?
- Se você me dissesse o que tá
rolando...
- Há quanto tempo vocês se conhecem?
- Uns quatro anos, por aí.
- Quem é sua melhor amiga?
- Ela.
- Quem te vê com mais frequência?
- Ela.
- Quem, tirando eu, sabe de todas as
porcarias que você já fez.
- Ela.
- Quem, tirando tua mãe, já limpou tua
sujeira?
- Ela...
- Então!
- Então o que, seu coisa?
- Cara, tem um negócio muito explícito
no ar que você está censurando.
- É, tão explícito que ainda nem vi.
- A Clara está a fim de você!
- Claro, a Clara... Como?
- Cara... Você já viu ela pegando
outros caras, mas não percebeu que ela anda na seca há um tempo?
- Ela ficou com o tal do Gilberto.
- Isso faz mais de um mês.
- Tá... E?
- Nos últimos rolês ela tem ficado na
boa, sem se atrair pelos caras e rejeitado qualquer um que chegue nela.
- Ela me disse que não quer se
estressar com romances de uma noite.
- Por que será? Ah... Será que ela tá a
fim de se dedicar um cara só? Será que ela já não deu algum sinal disso?
- Ela tem intimidade o suficiente pra
chegar na minha cara e assumir que está a fim de alguém. Se ela não fez isso, é
porque ela não está a fim alguém!
- Cara, não é a mesma coisa. Não é
fácil chegar pra uma pessoa que você conhece há milanos e falar esse tipo de
coisa.
- Ela tá perdendo tempo.
- Ela não assumiu, mas já lançou vários
sinais fatais.
- Que sinal?
- Numa festa, na minha casa, meio beba,
ela perguntou a um inocente rapaz se ele nunca teve vontade de beijá-la.
- Velho, ela disse isso pra mim. Ela
estava seiscentos por cento bêbada.
- E o que você respondeu?
- Mandei a besta dormir, porque ninguém
mais estava aguentando a chatice dela.
- “O amor pode estar adormecido na
amizade. Mas, assim que acordar, não pode voltar mais a dormir”.
- Que besteira é essa?
- Fabrício Carpinejar.
- E daí?
- Cara, todo mundo vê vocês dois como
um casal. Estão sempre juntos. Dão-se muito. Tem uma intimidade gigantescamente
gigante. Não ligam para o que o outro faz ou fez. Só o que falta é vocês
ativarem o botão “namoro”. Vocês, não! Você!
- Ah, não... Roberto, todo mundo sabe o
quanto eu gosto dessa maldita. Acho que depois da minha mãe, ela é a mulher
mais legal que existe. Mas tenho que te contar uma parada...
- Você é gay.
- Não! Já te contei como conheci a
Clara? Detalhadamente?
- Sim, mais ou menos, acho.
- Então, eu e sei lá mais quem lá na
frente do finado bar do Credo... Bem na época que terminei com a Heloíza, eu estava louco pra conhecer altas gatas.
“Daí, ficava o tempo todo olhando pras
multidões a procurar das mulher. Então, apareceu uma guria que me deixou meio
travado. Uma mina muito gata. Estava meio perto, meio, fumando e conversando
com uma galera. E eu, cê sabe, quando prego os olhos numa magrela, não me solto
tão fácil. E eu olhava e olhava e olhava e pensava ‘vou chegar nela, vou chegar
nela, mas, calma, ainda estou consciente demais pra isso.’
Continuei meu rolê. Trombei com ela
dentro bar, fora do bar, dentro, fora, dentro, mas não tive moral pra chegar
nela. Numa das saídas pra fumar, fiquei perto dela. Tipo, ao acaso do destino.
Aí que eu fiquei ‘puts, vô chegar nela agora, vô chegar nela...’ Eis que ouço
sua voz e desisto na hora. Aí numa outra noite, num outro bar, ela chegou em
mim perguntando se eu estava no bar do Credo em tal data e blablabla. Começou a
amizade sem maiores intenções, porque eu já tinha perdido a pira.”
- Espera... Ainda não entendi o motivo
pra você não ter dado em cima da Clara.
- Velho, eu sei, tenho problemas, mas
sou de cismar com voz feminina.
- Pelamor, que que tem de errado com a
Clara? A voz dela é igual à de alguma ex?
- Parece a Dercy Gonçalves, velho! Voz
de velha rabugenta.
- Não, calmaí, tem algum trauma com a
Dercy?
- Não, cara, assim, me xingue o quanto
quiser, mas tenho essa pira. Pra mim, sei lá, a voz tem importância na hora do
flerte. Não tô falando de entonação, tô falando de voz mesmo, a natural de cada
pessoa. E tem alguns tipos que me desagradam. Sei lá, essas meio escarradas,
gritadas e agudas. Voz de bruxa da Disney, sabe?
- Falando em Disney, você é mais
imbecil que o Pateta. Sério...
- Posso fazer nada.
- Tirando a voz, o que mais te impede
de ficar com ela?
- Sei lá, acho que só a voz e o fato de
que eu não quero jogar nossa amizade no lixo.
- Você tem medo de arriscar.
- Uma vez na friendzone, pra sempre na
friendzone.
- “Friendzone é um mito”.
- Quem disse?
- Uma amiga minha.
- Já pegou essa tua amiga aí?
- Não, não peguei.
- Então como você pode acreditar que a
friendzone é um mito?
- Cara, a única amiga com quem namorei
foi minha namorada por meia década, fora os dois anos antecedentes de amizade.
- Duvido que ela tenha sido a única.
Por exemplo, a Dália é tua amiga mais gata, aposto que cê já foi a fim dela.
- Ela é a guria mais linda que já conheci
na vida. Mas, não, credo, não ficaria com ela. Você não tem noção do quão
doente aquela guria está por um outro cara aí.
- Acho que você é feio demais.
- Não, vá se ferrar. Ela é bem
específica na hora de amar. Se um dia ela tivesse qualquer atração por mim, por
menor que fosse, ela chegaria na minha cara e diria.
- Fala isso pra Clara. Fala pra ela
fazer o mesmo que a Dália e me falar tudo na real.
- Não, a tua Clara funciona de outro
jeito. Ela dispara sinais, abre espaço e deixa o resto por sua conta. Você é
quem tem que agir. Seja pra dizer que quer nada, seja pra dizer que quer dar
uma chance.
- E se der merda? E se eu magoá-la? E
se isso for só coisa da tua loucura.
- Se, se, se... Manda o “se” se f#der.
Vou cantar um pagode.
- Adoro pagode, ferinha.
- “Deixa acontecer naturalmente...”
- Por acaso, você conhece o resto da
letra?
- Não, não conheço. E nem quero
conhecer. Mas essa frase te serve de conselho.
- Sei lá... A Clara costuma pirar
frequentemente. Talvez, seja só uma vontade mal pensada.
- O “talvez” é irmão do “se”. Você tem
que ignorar essa família. Você é que tem que fazer alguma coisa. Sério, você
ficaria com ela?
- Cara, ela é a coisa mais incrível de
todos os universos. Tô falando dentre homens, mulheres, cachorros, esquilos,
lugares e hambúrgueres.
- Sério?
- A Clara, meu Deus, a Clara é um
negócio fantástico...
- Nossa, que bonito. Isso não é coisa
que se costuma dizer de uma amiga. É coisa que aquele senhor de oitenta anos
fala sobre seu casamento de mais de cinquenta anos.
- É, você está começando a me convencer
que eu preciso dar um rumo nesse rolo.
- Se joga, louca!
- Mas e se não der certo?
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