2012/09/30

Mais um sonho dominical


Hélio estranhava como sua cidade era um baita ovo. Alguém do colégio conhece alguém da rua, que já trabalhou com um primo, que estudou com a antiga paixão, que morou no mesmo bairro da professora da faculdade, que é tia de uma amiga do Opera1, que já saiu com o professor de sueco, que trabalhou com a esposa do irmão, que é melhor amiga de uma inimiga da namorada do amigo, que ouvia a banda do vizinho no myspace em 2005, que bebia no bar que um amigo trabalhava, que ficava ao lado da casa da mãe da menina que Hélio stalkeava no facebook.
Nosso rapaz dividia apartamento com sua velha amiga de escola, Cíntia. De tanto que serviu de psicóloga conselheira para Hélio, a moça resolver cursar Psicologia. O que Hélio não esperava era que Cíntia fosse colega e amiga de Antônia. Para ele, essa moça tinha uma imagem muito errada.

Numa manhã dominical, Hélio recebeu a visita de Júlio, seu primo. Tomavam café e conversavam sobre suas nostálgicas aventuras infantis, quando Cíntia aparece na sala com cara de “bebi pra carajo noite passada, meu deus, preciso de água”.
- Bom dia, dona ressaca! Como foi a noite passada? – disse Hélio à sua roommate.
- Meu Deus, foi uma porcaria. Mas acho que se não tivesse bebido, seria pior. Ainda bem que encontrei uma amiga minha e ficamos reclamando até o amanhecer. Aliás, ela tá aí, se comportem, garotos. Aliás, oi, Júlio!
- Oi, Cíntia, tem café na cozinha. Toma lá.
Hélio admirava duas coisas em sua amiga: os conselhos afetivos e as garotas bonitas que ela conhecia.
- Ô, Cíntia, chama lá tua amiga pra tomar um café com a gente. – empolgou-se Hélio para saber quem era a gata.
- Puts, eu acho que ela tá em coma. Sério, ela caiu da cama no meio da noite e ainda tá no chão roncando.
- Ahr... Bom, daqui a pouco o Júlio vai ao mercado comprar umas paradas pro almoço. Cês duas tão convidadas pra almoçar com a gente, tá?
- Beleza, temos nada pra fazer hoje mesmo. Mas, ei, Júlio, ela é vegetariana, não coloque bacon no feijão.
- Ok... Domingo não é dia de feijão. De qualquer jeito, eu estava a fim de matar saudades da minha época de Formosa.
- Como assim? Já foi vegetariano? Perguntou Cíntia, que andou até a cozinha para se servir de café.
- Não, mas trabalhei lá no Formosa um bom tempo. Ainda lembro de alguns pratos vegetarianos.
- Que bom , Jú, ela vai adorar.
- Espero que ela goste de outra coisa... – interrompeu Hélio.
- Oi? – Cíntia e Júlio questionaram meio que de modo sincronizado.
- Homens... Ela é hétero?
Cíntia e Júlio riram da pergunta.
- Quê? Cê sabe que tuas amigas são bonitas, mas o problema é que muitas são gays.
– Apesar de ter frequentado muito o James e o Simão, ela gosta de caras. Acho que até cês já se conhecem.
- Hum...
- Esquece, ela é tipo missão impossível.
- Veremos... D’onde eu a conheço?
- Ela era da gangue da Heloísa, na época do cavalo babão.
- Tá, eu não conhecia a maldita Hell’o’isa nessa época.
- Mas sei que tua ex odeia essa mina.
- Tá, seja lá qual for a desavença entre as duas, f#da-se.
- Enfim, obrigado pelo café. Minha cabeça tá pesada, tô voltando pra cama, tchau, meninos. – despediu-se a moça, voltando ao seu quarto acompanhada de uma xícara de café e uma cartela de paracetamol.
- Falô, mano. – disseram os rapazes, que, logo, retornaram a conversar sobre suas peripécias de infância.

Hélio, quando namorava, sempre apoiava sua digníssima, independente da treta. Ela falava mal de diversas garotas, e ele tratava esses podres como verdade. Mesmo após o término, ele ainda portava um certo preconceito sobre essas pessoas.

Júlio saíra para comprar coisas pro almoço, enquanto Hélio ficou pra dar um trato na casa. No banheiro, encontrou uma carteira feminina caída e, ao apanhá-la, deixou cair uma porção de papéis e documentos. Dentre eles, um ingresso antigo para o show de uma banda que ele conhecia muito bem.. De Cíntia, a carteira não era, pois odiava essa banda. Só podia ser da visitante.
- Meu Deus... Essa mina conhece... Meu carajo, eu estava nesse show.
Obviamente, não teria como ele apontar quem era a tal, pois muitas meninas foram àquele show em 2007. Começou a recolher os demais papéis caídos, e encontrou outros ingressos de shows que ele também assistira.
- Puta merda, essa mina só pode ter sido emo de Müeller – confabulou sozinho o cara que pertencera a uma tribo muito esquisita.
Nisso, ouviu um diálogo no quarto de Cíntia e resolveu ir até lá para devolver a carteira e, claro, conhecer a menina mistério. Bateu na porta, pediu licença e perguntou se havia alguém sem roupa.
- Eu! – respondeu Cíntia saindo de trás da porta e se jogando sobre Hélio. Apesar da resposta, a moça estava trajada.
- Ô, vaca, sai fora! – reagiu Hélio agarrando sua amiga e a lançando na cama. Só depois disso, ele teve tempo pra procurar a outra moça, que estava sentada na cadeira de balanço, usando o notebook.
- Gazélio, essa é a Antônia. Tônha, esse é o Hélio. – Cíntia cordialmente apresentamdo um ou outro.
Cumprimentaram-se com sorrisos tímidos e rápidos ois.
Rapidamente, Hélio lembrara que já conhecia Antônia, mas só de longe. Costumavam frequentar quase os mesmos lugares há cinco anos, mas eram de turmas diferentes. Ele começou a namorar, distanciou-se dos rolês e descobriu que a tal da Antônia era odiada por sua namorada.
“Ai, ela é uma falsa, uma poser. Ontem, ouvia Fresno; hoje, ama Chris Brown. Hoje te chama de bff; amanhã dá em cima do menino que você gostava. Sério, tenho muito nojo dessa cobra”. Era o que Hélio sabia de Heloísa sobre Antônia, além de que ela “pagava muito pau pra mim, começou a ir pro Largo, porque eu também ia.”
- Essa carteira é tua? Estava lá no chão do banheiro. – perguntou Hélio todo tímido.
- Sim! Brigada. - Antônia se levantou, deixou o note sobre a cadeira e foi ao rapaz pegar seu pertence.
- Nossa, que camiseta bonita!
- Você conhece Every Time?
- Meu, se o finado myspace trouxe alguma coisa boa pra minha vida, foi essa banda.
- O myspace morreu?
- Não, tá vivo ainda, mas já não é mais tão legal como antigamente.
- Verdade, posso dizer que esse site regeu meu estilo musical por muito tempo. – disse Tônha ao se sentar na cama de Cíntia, que já estava sentada só rindo da situação.
- Que foi, retarda? – indagou Hélio, alocando-se entre as duas garotas e dando um pescotapa em sua amiga.
- Cara, como é que vocês conseguem gostar dessas bandas?
- Cí, acho que aqui estamos em dois contra uma. – Antônia sorriu para Hélio, como se estivesse o convidando para zoar Cíntia.
Ficaram lá os três conversando sobre música até que Júlio retornou do mercado e os levou para ajudarem-no com o almoço. Os assuntos começaram a se diversificar e Hélio foi se convencendo de que aquela menina não era o demônio todo que ele imaginava.

Apesar da beleza de Antônia, Hélio não estava motivado a conquista-la. Passara o tempo em que ele se obrigava a esse tipo de coisa. Vivia dizendo que não queria forçar nada com ninguém. O pôster em seu quarto explicava muito bem sua atual filosofia amorosa: “... o vento vai dizer...”

O papo se prolongou ao início da noite, quando as duas garotas começaram se aprontar para sair. Apesar de terem sido convidados pelas moças, os rapazes já tinham compromisso marcado com um campeonato de vídeo-game. Hélio já se aposentara da vida baladeira. Júlio estava passando o final de semana na casa de seu primo, portanto estava meio que obrigado a fazer as mesmas coisas que ele, mas não se importava. Apesar de viverem em mundos diferentes, a amizade dos dois se mantia pelo parentesco e pelas nostalgias.
- Cê curtiu a tal da Antônia? – Júlio sabia a resposta, mas perguntou para ouvir Hélio dizer “sim, claro, quero ela pra mim!”
- Não, Júlio, pior que não... – respondeu secamente.
- Sei, sei...

Depois de uma maratona exaustiva de jogos, foram dormir. Pelo menos, tentar. Os temas eram tão infinitos que continuaram conversando até serem interrompidos por Cíntia e Antônia, que entraram no quarto e sentaram na cama de Hélio e se incluíram na conversa.
Júlio já estava apagado quando Hélio se levantou e disse:
- Ô, vocês duas, tô indo na cozinha. Querem alguma coisa?
Ambas negaram e ele saiu.
- Amiga, por que é que você não me apresentou esse piá antes? – cochichou Antônia.
- Quê?
- Ahr... – respondeu Antônia fazendo cara de sei lá
- Falo nada. Só não fique de cuzisse com ele.
Ao voltar para o quarto, Hélio tropeçou em Júlio e caiu sobre ele. Os dois, no colchão do chão, começaram a brigar. Entendendo a brincadeira, Cíntia se jogou e entrou no ringue. Não demorou para que alguém puxasse Antônia.
A luta prosseguiu até os quatro estarem amontoados e imóveis.
Desde o início do dia, Antônia e Hélio trocaram olhares estranhos. Não se sabe se eram surpresos, amedrontados ou românticos. Inconscientemente, ambos sabiam que algo estava rolando.
Luta encerrada e três dos perdedores subiram à cama de Hélio, deixando Júlio, que já estava dormindo, no colchão.
Aquela camiseta rasgada do Every Time I Die com os ombros à mostra. Aquele papo sobre o disco novo do Between the buried and me. Aquele batom vermelho pós-festa. O “...” tatuado na canela. Hélio estava convencido que Antônia era uma garota interessante e que se desvencilhava dos estereótipos criados por Heloísa.
Obviamente, a garota ideal só existe na cabeça de quem a cria. Por mais incrível que a mina seja, ela sempre terá algo diferente do que se almeja.
Cíntia logo deitou e dormiu. Hélio estava sentado apoiado na parede.
- Posso? – Disse Antônia, apontando a barriga de Hélio.
Incrédulo, meneou a cabeça e deixou que a garota repousasse sobre sua barriga. Imediatamente, Hélio entendera que o olhar lançado por Antônia poderia ser traduzido como “te quiero”.
Os dois empurram Cintia para fora da cama e se deitaram confortavelmente.
Pode-se dizer que Antônia era uma daquelas belas garotas que 100 em cada 10 caras desejam. Hélio, sempre muito pessimista, ainda não acreditava que ela estava ali com ele. Enquanto ele acariciava seu cabelo, ela passava a mão em sua barba. Os dois focavam seus olhares ao teto como um torpedo de felicidade.
Gasélio não era de exigir que sua garota seguisse tal moda, muito menos de desprezar tal tipo de roupa. O visual de Antônia era bacana: Camiseta rasgada de banda, calça jeans que ficou curta e virou bermuda, tatuagem com sentido particular. Era, visualmente falando, a versão feminina de Hélio. Porém, ele não portava a magreza encantadora dela.
Por mais que aqueles ombros fossem um convite sexual para ele, os dois apenas se mantiveram deitados até amanhecer. Não dormiram, não transaram, queriam nada disso. Permaneceram acordados e desacreditados por estarem começando a acreditar no potencial entre os dois.

2 comentários:

  1. Saudades de te ler!
    Garantia de leitura sensível, deliciosa como um afago... Muito bom!
    Eu também queria saber criar (ou só mesmo colocar no papel) diálogos bonitos e bem escritos como os seus.
    Parabéns :)

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    Respostas
    1. Receita para meus textos:
      1. Tenha sonhos estranhos (ou mesmo bonitos) que te inspirem a escrever;
      2. Converse consigo mesma como se estivesse conversando com outra pessoa;

      Brincadeira a parte, só praticando a escrita é que se consegue escrever bem e encontrar teu próprio estilo.

      Obrigado por me ler há... sei lá... muito tempo.
      Obrigado!

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