Acostumei-me facilmente com minha nova rotina de trabalhar
até duas da manhã. Era chegar em casa pouco antes das 3h, comer um miojão
enquanto passeio rapidamente pelas internets e cama.
Era exatamente o que eu desejava ter uma vida diferente. Uma rotina anormal. Viver algo diferente. O
que eu não queria era me viciar em alguém, e consegui por muito tempo. Até que
Jonas, amigo de uma amiga, apareceu na minha vida. Não me interessei
inicialmente, porque o cara namorava. Eu também.
Engraçado que terminamos nossos namoros quase que na mesma
época e encontramos um no outro um ponto de repouso. Nossa relação antes disso
somente existia quando nossa amiga em comum nos chamava pra sair. Após os
términos, no aproximamos mais, sei lá como, e fortalecemos uma boa de uma bela
amizade. Ele reclamava da ex. Eu reclamava do ex. Trocávamos conhecimentos
literários, cinematográficos e afins. Saíamos semanalmente atrás de alcoól e o que ele mais pudesse nos oferecer.
Contudo, porém, poxa vida, surgiu-me um encanto sútil pela
estranheza do rapaz. Idiota que sou, não consegui bolar um plano de conquista.
Na verdade, nem tentei. Apenas fui alimentando a amizade e deixando que seu
charme me encantasse cada vez mais. Eu queria, mas não agia.
Eu estranhava que Jonas nunca tentara me seduzir. Pelo menos
nunca percebi. E meu sensor pra flertes,
cantadas e tal era bem preciso. E eu nem sou tão feia pra ele me evitar. Talvez
minha irmã esteja certa: “Gi, acredite que ainda existem caras românticos, mas
não daqueles que se fazem. São raros, mas ainda existem garotos melancólico, romancistas, românticos, etc.
Ainda tem cara que respeita a guria, que é gentil, que fica quietinho por mais
que te deseje e só se declare se perceber uma reciprocidade, blablabla.
Problema é que muito cara escroto se paga de bom moço.” Eu não tentei perceber
como Jonas agia na paquera, só conseguia enxergar um encanto indescritível
naqueles olhos cheios de ressaca e naqueles três dentes inferiores frontais
perfeitamente tortos.
Ele vivia elogiando meu perfume, meus sapatos, meus vestidos
floridos, minhas meias-calças e meu eterno batom vermelho. Dormi na casa dele.
Ele dormiu na minha. Até pensei que ele fosse gay, mas não. Era apenas gentil.
Derretia-me com esses elogios.
Apesar do desejo, com medo de estragar nossa linda amizade,
desliguei-me do pensamento de tê-lo. Saí com caras aleatórios. Não pensava
tanto mais nele. Aliás, nem pensava nele. De algum modo implícito e
desproposital, distanciamo-nos.
Numa madrugada rotineira, assim que me deitei comecei a
pensar na vida. Aprofundei-me seriamente em reflexões sobre filmes. Eis que me
lembrei de umas cinematografias que precisava terminar. Faltava só um do Aronofski.
Aí lembrei que o Jonas vivia me chamando Nina Sayers. Jonas. Meu Deus. Jonas
maldito. Quanto tempo já não pensava nele?
Tudo que pensara até então sumira.
Jonas, Jonas, Jonas...
Senti-me uma idiota por ter deixado de pensar nele com tanta
frequência. Eu gostava de pensar nele. De figurar coisas que poderíamos fazer
juntos.
Por mais que eu tentasse, ele não saía da minha cabeça. Sua
voz perambulava pelo meu quarto dizendo “ô, Gisele, como assim você nunca
assistiu Seinfeld?”. “Quê? Você não gosta de Woody Allen? Sai daqui agora!”.
“Você não chorou com Gran Torino... Vá se tratar...” Eu adorava discutir com
ele, eram sempre embates saudáveis e terminavam com ele me dando um peteleco na
ponta do nariz. Um gesto bobo, porém adorável.
Flashbacks e mais flashbacks me atormentavam acompanhados de
uma saudade emergente e uma falta de ar absurda.
Meu peito começou a palpitar fortemente. Não gosto de
clichês, mas não posso negar: meu coração estava querendo explodir minha caixa
torácica. Meus batimentos cardíacos estavam mais rápidos que o Papa-léguas.
Eu estava surtando. Eu estava desesperada. Eu precisava de
Jonas.
Foi só lembrar do maldito Jonas que essa dor inédita se iniciara. Nunca havia surtado por uma pessoa. Ninguém mesmo. Nem quando
platonismo imperava no ensino médio. Nem ex-namorados. O tal do Jonas teve a
moral de me tirar o fôlego. E nem precisou de contado íntimo.
Então o ar voltou e o coração se estabilizou, porém uma
ansiedade desgraçada aparecera. Eu precisava ver o maldito Jonas.
Pensei em esperar até um próximo encontro, porém eu não
aguentaria. Pensei em mandar uma mensagem o convidando para uma cerveja na
noite seguinte, contudo ele poderia negar. Pensei em ligar, mas não seria
suficiente. Pensei em esperar até ele acordar... Eu estava ansiosa demais pra
esperar.
Minha impulsividade ansiosa não me deu tempo para escolher
uma roupa bonita, mas me lembrei de passar o perfume que Jonas gostava.
Saí feito uma louca pedalando. Eu não tinha medo de pedalar às três e pouco da
manhã. Furei todos os sinais possíveis da Sete de Setembro. Esqueci-me de
respirar várias vezes. Cogitei o fato de que talvez ele não estivesse em casa e
me desesperei mais ainda.
Cheguei, prendi a bike num poste em frente ao prédio e corri
pra portaria. Nelson, o porteiro, que já me conhecia, abriu-me a porta dando bom dia e, para minha
alegria, disse que eu podia subir ao apartamento de Jonas.
A ansiedade não me permitiu aguardar o elevador e me fez subir as escadas saltando de quatro em quatro degraus até o sexto andar.
Cheguei, toquei a campainha rapidamente três vezes e comecei
a andar ansiosamente pelo corredor.
Escutei o barulho da chave penetrando a fechadura, corri pra
frente da porta e sorri por dentro.
- Meu Deus, Gisele! - assustou-se Jonas ao me ver toda
ofegante parada em frente a sua porta às quatro da manhã de uma quarta-feira.
- Bonita camiseta. Chorei nas três vezes quando vi esse filme.
– minha impulsividade nervosa falou por mim e me fez comentar sobre uma
camiseta d’onde vivem os monstros.
- Eu também... Quê cê quer, Gisele? – cochichou todo manhoso
de sono.
- Eu... – pausa para respirar -... Preciso te contar uma
coisa. Ai...
Sabia muito bem que
me arrependeria, mas estava ansiosa demais pra fazer uma análise de
consequências.
- Vai falar no corredor ou quer sentar?
- Com licença. – fui entrando e rumando ao sofá da sala.
Enquanto ele trancava a porta e se direcionava ao sofá,
aproveitei para respirar. Tanto respirei que não escrevi um roteiro mental do
que eu pretendia dizer a Jonas.
Olhei seriamente e sorri timidamente. Sentou-se e brincou:
- Prossiga... – disse-me passando o microfone invisível.
Iniciei meu monólogo:
“Jonas, não sei se você notou, mas meio que nos distanciamos
no último mês. Não sei se foi por falta de rolês ou porque enjoamos de sair
juntos. Sei lá! Só sei que gosto de tomar cerveja e debater sobre as vidas
contigo. Mas hoje me aconteceu uma parada muito estranha.
Eu estava em casa já tentando dormir e pensando em
aleatoriedades. Aí, do nada, lembrei de você. Lembrei que me esquecera de você.
Não digo esquecer de verdade, mas você estava escondido no fundo da minha
mente. Aí me surgiu uma saudade agonizante. Sei lá, do nada, me surgiu uma
falta de ar tremenda. Sério, sem mentira, meu coração começou a estremecer
parecendo um junkie epiléptico com overdose. Minhas tentativas de respiração
soavam alto. Estava difícil puxar ar. Batia forte o tambor, eu achava que ia
infartar. Foi desesperador.”
Falei tudo de modo rápido e bagunçado. Mirei seus olhos, que
miravam o canto vazio de sua sala. Ele parecia distantemente disperso e
reflexivo. Só consegui esperar uma resposta. Enfim, ele disse:
- Tá... Mas me diga o porquê de tudo isso.
- É que porque eu que... – me embananei toda e travei.
- Fala... Por que te deu esse negócio?
- Passei noites pensando em você logo que começamos a sair
com maior frequência. – assim que comecei, não parei. Decidi falar tudo e
f#0da-se.
“Não só pensando na nossa amizade. Pensando nesse teu
maldito encanto. Pensando nesse teu sorriso desgraçadamente lindo. Pensando
nessas tuas canelas tortas. Pensando em você. Pensando em passar tardes e mais
tardes deitados num colchão fazendo nada além de nada. Pensando em tanta
coisa... Mas eu não queria desperdiçar essa nossa amizade, então não te falei
nada, por mais que eu quisesse imensamente. Pensei que se eu me confessasse pra
você, eu estaria estragando tudo. Eu não quero você longe, então pra conservar
nossa relação, me calei e fiquei te desejando silenciosamente. Até que no
último mês, paramos de nos ver tanto. Aí hoje me veio essa saudade
desesperadora de ver teu sorriso, teu riso e todas as demais coisas que te
tornam um rapaz extremamente encantador. Esse teu charme...”
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