A amizade entre Naná
e Lolita não se limitava às bebedeiras, mas era nestes momentos alcoolizados
que elas mais se provavam amigas. Conheceram-se na matança de aulas no ensino
médio e alimentam até hoje, cinco anos depois, uma relação inabalável.
Obviamente, a cerveja fez com que elas vivessem alguns desentendimentos, que
eram resolvidos assim que a ressaca terminava.
A Rua Trajano Reis,
situada no bairro São Francisco, era um templo para Lolita, Nana e mais uma
tonelada de pessoas, que passavam lá horas bebendo, conversando e fazendo
coisas legais ou não. Era o local perfeito para viver. Era o local perfeito
para fugir. Era o local perfeito para esquecer.
Apesar de irem à
Trajano todo santo dia, elas não se enjoavam do lugar. A diversidade de bares
lá e nas ruas transversais era tão grande que impede as pessoas de se cansarem
do lugar.
Alguns até diziam: “A
Trajano é meu pastor e cerveja não me faltará.”
Ambas estavam em
períodos decisivos em suas respectivas faculdades; provas, trabalhos e todo o
resto, portanto ficaram quase uma semana sem ir pra Trajano a fim de se
dedicarem aos estudos. Porém, era sagrado que elas fossem pra lá sexta e
sábado.
Enquanto os
curitibanos que só saíam de casa para grandes eventos se preparavam para a tão
estimada Virada Cultural, Nana e Lolita se recuperavam, a base de café, de mais
uma sexta-feira muito louca. Elas não eram a fim da programação de tal
acontecimento. Até porque a Trajano não estava incluída no calendário oficial.
Mas, como a Trajano era quase que uma religião para muitos, alguns espertinhos
organizaram um negócio à parte: A virada só que não. Seriam shows o dia todo só
de bandas locais. Não locais de Curitiba, locais da Trajano. Podia-se dizer que
a Trajano era musicalmente emancipada do resto da cidade.
Lolita e Nana não
eram groupies, longe disso. Detestavam essa classe. Mas, elas possuíam o dom de
encantarem os caras de banda. E essa virada seria meio que uma reunião de todos
esses ex, pois suas bandas tocariam lá. As duas não ligavam muito para isso, só
sentiam nojo das meninas escrotas que se jogavam sobre tais rapazes. Não as
agradava saber que esses moços, que já as amaram eternamente durante uma noite,
aceitavam ficar com gurias desesperadas tão sem graça.
Perto das quatorze
horas, esvaziaram seus porquinhos, compraram seus cigarros e partiram rumo a
mais uma jornada sem hora marcada. Elas só precisariam voltar pra casa na
segunda de manhã, dia de provas na faculdade.
À caminho da Trajano,
pararam num boteco pra aproveitar a promoção de cerveja. Beberam umas, levaram
outra. Chegando na Trajano,
cumprimentaram alguns conhecidos, mantiveram distância de uns chatos e
se instalaram próximo ao palco.
Em menos de cinco
minutos, já estavam sendo observadas por possíveis affaires. Porém, ambas estavam a fim de rapazes impossíveis: um
cara casado intensamente apaixonado e um gay. Contudo, o álcool foi as
possuindo e criando vontade sobre outros homens.
Um antigo caso de
Lolita estava observando Nana, que não deu bola e respeitou um antigo trato
entre as duas de não reciclar o romance da outra. O cara veio as cumprimentar,
perguntou como elas estavam, obteve respostas secas, ficou quieto e foi tentar
chegar em outra. As duas se entreolharam e sorriram discreta e maliciosamente.
Era quase que um vício desprezar rapazes.
Começou o show de uma
banda que elas queriam ver, mas a falta de cerveja as fez correr atrás de um lugar
barato. Acenderam seus cigarros e partiram em busca de mais álcool. No caminho,
dialogaram sobre as pessoas permeavam a Trajano e sobre como elas conseguiriam
sobreviver lá assim que o dinheiro acabasse:
- Por mais o Norman
seja... O Norman... Acho que, se eu chegar com jeitinho, ele nos consegue uns
tiros. – disse Naná.
- Bom, você que sabe.
Topo tudo pra ficar louca.
- Tudo, Lolis, tudo
mesmo?
- Claro... que não.
Logo encontraram
bebida barata e voltaram ao show. O calor estava grande, mas, pra sorte delas e
do resto, a rua é cercada por prédios com tamanho suficiente pra ocultar o sol
depois das três da tarde. Pegaram o show da metade pro final, suficiente pra
dançar até cansar, felizmente, sem suar.
O show terminou e deu
lugar a uma discotecagem de Soul Music. Naná e Lolita não costumavam ouvir em
casa, mas adoravam dançar esse tipo de música. Até porque não era algo difícil
de ser dançado, ainda mais com o auxílio da cerveja.
De longe, Lolita
percebeu que um cara estranho observava Naná. Tal rapaz apontou a moça para uma
amiga, que meneou sua cabeça positivamente. Lolita estranhou e cochichou no
ouvido de sua amiga:
- Olha aquele cara
bizarro lá no canto, ele tá te querendo...
Naná riu e respondeu
em baixa voz:
- Ô, sua retardada,
não é um cara. É a Mia.
Surpresa, Lolita
cochichou:
- Meu Deus, ela tá
parecendo um cara...
- Cê não sabia que
ela gosta de meninas? – indagou Naná.
- Tá explicado o
visual dela então. Mesmo assim, acho que ela tá te querendo. – disse Lolita
dando uma cotovelada em sua irmã de álcool.
- Puts, mas ela não
faz meu tipo.
- Oi? Mas qual é o
teu tipo?
- Homens. Além do
mais, é amiga do Campos... – Naná, dizendo o nome do ex com nojo. -
Definitivamente, não quero me misturar com o bando dele.
- Mas... – Lolita fora
interrompida por alguém que chegou as assustando.
Era Norman, que apesar
de ex da Naná, continuava amigo delas. Disse:
- E aí, senhoritas,
como vão?
- Bem... –
Responderam as duas cordialmente sem retrucar a pergunta.
- Vamos dar um rolê?
– Disse o rapaz mostrando algo em seu bolso.
Naná e Lolita responderam
sorridentemente:
- Vamos. – E foram à primeira
aventura ilícita do dia.
Desceram até a Paula
Gomes e encontraram um recanto. Enquanto Norman preparava a diversão, as duas
fumavam seus cigarros ansiosamente. Há tempos elas não faziam o que estavam
prestes a fazer. Após, enfim, matar a saudade, o trio se sentou na calçada e
começou a dialogar sobre o ritmo do vento que os acariciava. A conversa se
estendeu à temas estranhos, que sempre surgem quando há droga na mente dos
interlocutores.
- Ô, meu, que horas
são aí, por favor? – Perguntou Norman ao se levantar.
Naná não se importou
em responder, pois Lolita já estava revirando sua bolsa em busca de seu
celular. Enfim respondeu:
- Cinco e vinte...
Norman exclamou um
palavrão e disse:
- Meninas, eu tenho
que ir, minha banda vai tocar em dez minutos. Cês vão ficar aí?
Ambas negaram e
seguiram o rapaz.
De volta a Trajano,
Naná furiosamente reclamou à Lolita:
- Estamos sem
cerveja!
- Isso é um grande
problema. – Lolita pegou Naná pelo braço. – Vamos comprar mais!
Ao chegar no mesmo
bar que compraram cerveja antes, se depararam com a resposta do dono:
- Meninas, todas as
cervejas estão quentes, mas... - Mal ouviram o que o homem disse, agradeceram e
saíram a procura de outro bar.
Chegaram a outro e se
frustraram ao ver que lá só havia a pior cerveja do mundo. “Nem a pau que eu
tomo isso”, disseram ao sair. Iniciaram,
então, uma jornada em busca de cerveja boa e barata.
Chegando ao sexto bar,
encontraram um amigo junkie e o
questionaram:
- Tem cerveja aqui ou
cê já tomou tudo, Charlie?
- Já tomei tudo. Tá
tudo quente agora.
Sabendo o que Charlie
fazia nas horas vagas, Naná perguntou:
- Mas cê tem alguma
outra coisa aí?
- Não, aqui não. Mas
vamos dar uma volta, que eu já arranjo.
Acompanhado de dois
amigos, Charlie levou as meninas aonde se fornecia de suas ilegalidades.
Encontraram o que queriam, desfrutaram, viajaram e uma hora depois estavam de
volta a Trajano.
Cada vez mais loucas,
as músicas se tornavam mais fáceis e interessantes para se dançar. Elas já não
queriam rapazes, só desejavam ficar lá tirando uma pira nas linhas do Soul.
Entre bandas e a
discotecagem, elas davam voltas a procura de cerveja.
A última banda
começou a tocar e as moças começaram a se perguntar sobre que fariam após esse
show. Aproveitaram as lentas baladas para dançarem com seus copos. Apresentação
encerrada e elas ainda não haviam decidido aonde ir. Ficaram lá até o lugar
esvaziar e Norman aparecer com mais um passeio.
Após a caminhada, as meninas se despediram de Norman e se encaminharam à
área nobre da Paula Gomes. Deram uma
voltinha por lá e, a procura de cigarro, chegaram numa moça, que lhes deu um que
elas odiavam. Pegaram o presente, saíram andando e foram abordadas por um rapaz
que disse:
- Moças, vocês têm um
cigarro?
- Só tenho esse aqui,
mas se quiser trocar... – disse Lolita assim que avistara o que o rapaz
segurava.
- Pode ser, mas vocês
têm seda? - disse o moço já fazendo o escambo.
- Pode deixar que a
gente dá um jeito. Obrigada!
Despediram-se do cara
e, já que na Paula havia nada de interessante, foram andando sentido Trajano.
Lá, também, nada demais. Resolveram apreciar, na esquina da Inácio Lustosa, o presente
que receberam. Mal terminaram o momento de degustação, Norman aparece novamente
as chamando para mais uma aventura.
Já era quase uma da
manhã e elas, bem loucas, estavam no banheiro de um bar lendo as frases na
parede, quando Naná perguntou:
- Quanto de grana cê
ainda tem?
- Zero vezes zero...
– respondeu, tristemente, Lolita – E você?
- Haha, pega o que
você tem e multiplica por zero também.
- E agora, o que a
gente faz?
- Não sei, vamos na
Trajano ver se alguém nos paga uma béra.
Encontraram ninguém
e, deprimidas, sentaram-se. Refletindo, cada uma consigo mesma, como era bom
viver deste jeito alucinado, ficaram lá até os efeitos passarem e a vontade de
ir pra casa chegar.
Algumas pessoas
estranhavam esse estilo de vida, mas Naná e Lolita estavam satisfeitas. Não
ostentavam coisas impossíveis. Contentavam-se em ficar na Trajano vivendo
coisas que a televisão não retratava. Fazendo de suas vidas um conto de João
Antônio ou uma foto de Nan Goldin.
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