Uma amizade iniciada na internet, alimentada no colégio e
mantida através de encontros mensais. A relação entre Anita e Cândido durava mais
de quatro anos e se baseava em conselhos. Eles se sentam, uma fala e o outro
ouve. Vice-versa.
Anita era a uma pessoa “de boa”, não se preocupava com muita
coisa, mas possuía alguns distúrbios psicológicos que a obrigavam a ter amigxs,
um que fosse, pra desabafar. Cândido era perturbado, romanticamente ansioso e estava sempre a
procura de uma garota.
Os encontros costumavam ser sempre no mesmo dia, horário e
local. Um café perto da XV, que apesar da localidade, pouco
movimentado. Ideal para se passar umas boas horas conversando, desabafando e
xingando.
Era sempre ela que iniciava a conversa, pois não possuía
muitos problemas além de querer matar algum professor. Cândido ficava
por último, porque adorava passar um bom tempo falando da tonelada de minas
pelas quais estava “apaixonado”. Foi direto:
- Nem eu acredito... Mas cê vai pirar ao saber quem é a
garota da vez...
- Eu conheço?
- Vocês duas trabalharam juntas...
- Ai, meu Deus...
- Ela estudou no CELC.
- Ai, meu Deus! – disse Anita certa de quem era a garota,
pronta para dar um murro na cara de Cândido.
- É... A Jane.
- Cândido! Puta merda, Cândido!
- Eu também tô de cara comigo mesmo. Eu sei que a Jane é...
A Jane! Mas...
- Cê tá ligado, né, que ela é daquelas gurias tipo mega-impossíveis?
- Eu sei... Mas, poxa, vi ela sexta no Barba. Claro, não
cheguei nela, porque sou jacu. Mas, de longe, percebi que ela me deu umas
olhadas...
- Não, Cândido, não! Ela não é pro teu bico. Ela só pega boy
de James.
Era noite de quarta-feira, dez da noite e Cândido estava
a caminho dos sonhos.
Já fazia um bom tempo que tomara aquele sermão de Anita.
Além do mais, o tempo fez com que ele perdesse um pouco da pira por Jane e se
envolvesse distantemente por outras.
Ele queria dormir, ele precisava dormir, mas seu
subconsciente cismava em mantê-lo acordado.
Seu telefone tocou, ele atendeu:
- Oi, mãe, que foi?
- Ô, meu filho, tudo bem? Cê tá em casa?
- Tô... tô sim.
- Escuta, eu estava no mercado, aproveitei umas promoções e
comprei umonte de coisa pro natal. Cê podia me ajudar a levar pra minha casa?
- Ai, mãe, sacanagem... Tá, onde cê tá?
- Na portaria do teu prédio. Eu te trago de volta depois.
- Beleza, tô descendo.
A mãe de Cândido, Marília, morava no segundo andar num
antigo prédio sem elevadores e pedia sempre o mesmo favor a seu filho quando ia
às compras do mês.
Levantou-se da cama, pegou carteira e chaves, e saiu com sua roupa de dormir, que não
era um pijama, acrescido de um tênis. Estava bem vagabundo, como sempre. Entrou
no carro, beijou sua mãe no rosto e partiram.
Por mais que fosse todo romântico e tal, ele estava numa época
despreocupada. Apesar de pequenos sonhos com garotas sem futuro próspero com
ele.
Já no apartamento materno, descendo rumo a garagem para pegar mais sacolas, ouviu sua mãe
gritando escandalosamente sobre não esquecer as caixas de ovos sob o banco do
motorista. Foi um grito absurdamente alto àquela hora da noite. Novamente subindo,
percebeu que a porta de um apartamento no primeiro andar levemente se abriu, seguindo de um
suspiro. Cândido ignorou e prosseguiu. Mas algo lhe dizia, subconscientemente,
que havia algo muito suspeito naquela porta. Deixou as compras na cozinha,
respirou, bufou e voltou ao serviço.
“Parece que foi ontem que fiz aquele chá de habu pra te
curar da tosse e...” Cândido interrompeu sua cantoria ao se assustar com quem
lhe esperava receptivamente na porta mistério:
- Oi, Cândido, o que
você faz no meu prédio a essa hora da noite?
- A... Ah... Jane... você mora aqui?
Ele simplesmente
não estava acreditando que... Jane! Ele não estava preparado para, naquela
noite até então chata, ter um momento mindblowing. Sua cabeça queria expressar
os melhores sorrisos do mundo, mas... ele travou. De volta a si, aproximou-se
da porta de Jane e descarregou:
- Poxa vida, Jane... Que lugar pra nos encontrarmos... Como
vai você?
- Eu estava bem até ouvir uns gritos aqui no corredor. Sabe quem
foi?
- Foi minha mãe. Desculpa. O relógio dela ainda não percebeu
que já são quase onze horas da noite.
- Ok... Sexta no Barba, te vi lá, mas não consegui falar contigo...
Cândido costumava se contentar com cousas poucas. Alegrou-se
internamente ao saber que ela queria ter ido falar com ele, interrompeu-a:
- Dá nada... Tava um inferno aquele lugar. Eu só vou
lá pelo Calico Jack.
- Nossa, aquele negócio é dos Deuses. Com qual hambúrguer você
prefere?
- Eu amo qualquer hambúrguer de PTS, mas o de batata e
ervilha é brutalmente sensacional.
Eles estavam, àquela hora da noite, alimentando um
diálogo no corredor do prédio.
- Vai me dizer que... Cê é vegetariano?
- Não, espera... Vai me dizer que você também é vegetariana?
O papo foi se estendendo e a mente de Cândido confabulava
premonições em que ele entrava à força no apartamento de Jane, arrancava seu
roupão e... Enfim, era um rapaz muito imaginativo. Ele nunca imaginara na vida
que teria tantos assuntos com uma das meninas mais desejadas do colégio. E,
melhor de tudo, poderia chama-la pra sair jantar num restaurante sem ter que dar aulas sobre o que um vegetariano come. Porém,
do andar superior, a mãe dele berra:
- Cândido! Cadê você, meu filho? Cândido!
Envergonhado, Cândido resmungou:
- Puta merda, essa minha mãe é foda...
- Vai lá, meu. Volta aqui depois... – Disse Jane numa doce
voz.
- Mas não tá tarde? Cê não tem que dormir?
- Ha, eu tô de folga amanhã.
Cândido foi lá terminar de carregar as compras de sua mãe.
- Quer um café antes de ir embora, filho?
- Não, mãe, obrigado. Aliás... Nem precisa me levar pra
casa, eu dou meu jeito.
- Tem certeza?
- Muita. – já estava ansioso e impaciente demais pra ficar
ali no segundo andar, sendo que seu desejo estava no primeiro.
- Você que sabe... Enfim, muito obrigado, meu filho, muito
obrigado.
- De nada, mãe, boa noite.
- Vá com Deus, amor, muito cuidado nessas ruas.
Foi-se embora dizendo “amém”. Assim que fechou a porta,
começou a correr louco pra bater à porta de Jane. Enquanto descia, mentalizou
que teria que tocar a companhia e esperar. Quebrou a cara ao ver que a moça o
esperava recostada no batente da porta:
- Uau, você foi rápido... Entra.
- Antes de tudo, Cândido, seu corno, podes me explicar porquê cancelou nosso encontro mês passado?
- Anita... Fui fazer um retiro.
- Quê? Mas você não é ateu?
- Não foi um retiro espiritual, muito menos religioso,
apesar de eu ter relaxado bastante...
- Para de alucinação e diz logo a verdade!
- Jane...
- Quê?
- Boa história, daria um conto. Resumindo, ela mora no
prédio da minha mãe, encontrei a bendita no corredor, passamos uma noite
conversando e temos nos encontrado frequentemente.
- Você... tá... me... zuando...
- Nem eu acredito...
- Mas, tipo, cês são tipo amigos agora?
- Hehe...
Cândido riu encarnando um rosto maliocioso.
- Para, Cândido, fala a real.
- Cê me disse que ela era tipo impossível, né?
- Ela é! Cê tentou dar em cima dela e levou um fora?
- Esse tal retiro... Foi na casa dela... Só eu, ela e muita
PTS.
Jane e Cândido... Eles não queriam amar, eles não queriam
status, eles não queriam obrigações, eles só queriam.
ah não, velho, e a anita?
ResponderExcluirAnitas são amigos, não comida. Só amizade.
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