2012/12/20

Damn label

Já havia desistido de tentar convencê-la a ficar, afinal ela começou a juntar grana pra São Paulo antes de entrar no ensino médio. Ninguém a faria ficar. Porém, eu precisava saber o que estava acontecendo entre nós.
Ela, antes mesmo de ficarmos, me dizia, enquanto somente amigos, que amor era balela e que isso prendia e limitava as pessoas. “As pessoas se prendem demais aos rótulos e esquecem de preencher as embalagens”, como ela mesma dizia.
Eu cagava pra nomenclaturas, estereótipos e o que quer que fosse que as pessoas pensassem sobre a minha vida. Mas eu necessitava saber, mesmo que fosse pra ficar entre só nós dois, o que estava rolando.
Nossa amizade já tem uns quatro anos, mas nos conhecemos há mais tempo. Se for pra contar a época em que ela me zoava na escola, nossa, já faz uns dez anos. Na época de escolher entre ser popular ou loser, começamos a frequentar o mesmo grupo. Eu me tornei o rebelde sem causa que tinha como rotina principal atormentar os professores, fosse com comentários ociosos durante uma aula séria ou desenhos pornofensivos no quadro. Ela era apenas a emo-gótica que fingia cortar os pulsos fã do Ian Curtis. Mas, ufa, as pessoas mudam. E nosso relacionamento foi indo, passando por todas as ridicularidades e dores da adolescência.
Fato presente em mais de oitenta por cento das amizades entre uma mulher e um homem, eu sentia uma leve paixonite por ela. Fácil de lidar. Conheci e bem tratei todos os (na minha opinião, podres) namoradinhos dela.
Mas aí a gente sai da adolescência pensando “adeus, confusão! Agora quem manda em mim e nas minhas vontades sou eu!”
A vida adulta veio pra nos tornar mais íntimos (do que já éramos). Dividíamos segredos horríveis. Doía contar, mas doeria ainda mais conter. Era ela meu caderno de confidências. Eu, idem.
O grupinho rebelde do colégio manteve laços e se reunia frequentemente para “beber, provocar o caos, desordem e anarquia.” E foi numa dessas, na minha casa, que ficamos pela primeira vez. Sem mais nem menos, largados no sofá, nos beijamos. Ela tomou a iniciativa, pensei em parar e dizer “o que nós estamos fazendo?”, mas me contagiei com a brutalidade do beijo e larguei mão. Repetíamos esporadicamente as ficadas, cada vez mais fincadas.
Sabíamos que precisávamos estabelecer um manual de comportamento perante a sociedade a respeito da nossa situação. Eu não queria sair pro mundo gritando que ela era minha namorada. Assumir namoro, além de status, é deixar de alimentar o sentimento pra ficar perdendo tempo tirando fotos. Ela pensava o mesmo, eu sabia. Temia chegar nela pra conversar e receber um belo esporro e um pé na bunda. Eu sabia, todos conseguiam ver, que ela estava feliz.
Mas esta alegria não era somente minha culpa. Ela enfim conseguira alugar um apartamento em SP.
Eu mal sabia o que estávamos vivendo morando na mesma cidade, imagina a mais de 400 quilômetros.
Ela pretendia comprar as passagens na segunda-feira de manhã. Então fui armando o destino para que dormisse na casa dela no domingo. “Acorda, vagabundo, preciso sair”, disse ela. Ela, que não confiava em compras online, queria ir ao aeroporto comprar sua passagem. Comprometi-me a leva-la, já que estava de folga e com vontade de dirigir.

E foi justo na fila que puxei conversa:
- Então, antes de você ir e quem sabe nunca mais me ver, queria só saber o que está rolando com a gente... Não! Eu não te pedirei em namoro, muito menos gastarei meu dinheirinho com uma aliança, que serviria só de isca pra garotinhos e garotinhas. Tô nem ligando pro rótulo, só quero saber o que é que tá acontecendo entre a gente, porque não saber já tá começando a me incomodar.
- Ótimo lugar pra termos essa conversa, assim não tenho chances de te meter um tiro.
- É...
- Olha, serei sincera como sempre fui, desde os tempos de bullying...
- Blablabullying... Isso é besteira, mas enfim...
- Eu não te amo.
- O significado pra “amor” é relativo, dizem.
- Você sabe muito bem que eu não acredito nessa porcaria. Só não comparo a Deus, porque respeito a tua religiosidade. Mas criaram essa besteira só pra amenizar o desespero das pessoas. Todo mundo se importa tanto em ter a chance de dizer que ama alguém, mas nem sabe o sentido disso tudo. Só acho que as pessoas deviam pensar menos e agir mais. Sabe... Por mais que eu pense assim, admiro casais que se tratem bem e realmente apreciem a presença do outro. Namoro, amor, casamento, tanto faz, vai muito além das saídas de final de semana. Se você tem, entre aspas, uma pessoa, não é pra ficar a exibindo por aí e comprando presentinhos pra motiva-la a ficar. Ninguém mais precisa saber, a menos que você transcreva em forma de arte. Gosto do que estou vivendo contigo exatamente por ser algo  em que os sentimentos se expressam de nós pra nós. Mas nem por isso eu tenho que negar que estamos de fato vivendo algo importante, porque é inegável. Maior parte dos meus sorrisos sinceros surgem de quando estou contigo. Eu gosto de estar com você, de conversar e discutir com você, de dormir quinze horas seguidas com você, de sair por aí e falar mal de todo mundo com você. Tua presença me faz um bem incrível. Tua ausência dói. Mil desculpas se eu não consigo demonstrar.
Chegou a vez dela, comprou passagem pra próxima segunda e nos direcionamos ao estacionamento.
- Poxa, a sinceridade costuma ser algo danoso, mas você conseguiu deixá-la agradável ... Só me diga o que será de nós a partir da tua ida.
- O que vivemos, que seja “namoro”, credo, não se limita somente a presença. Vai muito além... Vontade, carência, sexo etc. Fidelidade é uma coisa dispensável, porque, poxa, eu lá, você aqui, vai ser difícil só tirar a roupa quando estivermos juntos. Sei muito bem do tamanho do teu apetite. Não quero te prender, foda-se. Mas saiba que quando nos encontrarmos, serás só meu... No sentido menos possessivo doentio e mais carnal da palavra "posse".
- Há quanto tempo você vêm pensando nisso?
- Tô meio que pensando, mastigando e vomitando tudo agora.
- Tô meio que não conseguindo pensar numa resposta.
- Contanto que você fique bem. Mas ainda cê tem tempo de me sequestrar, me prender numa cama e me forçar a casar contigo.
- Tipo “Ata-me”, o filme?
- Exato!
- Não, nossa, enjoaria fácil de você!
- Mas, tá... Me diz então o que você pensa disso tudo...
- Aceito os termos de uso e privacidade.
- Nenhuma objeção?
- Acho que não...
- Então é isso? Ficaremos à toa? Você aqui, eu lá, vivendo nossas vidas?
- Já que não tenho grana pra ficar viajando pelo Pacífico, pode ser.
- Sério, ô, babaca, você ficará bem?
Dentro do carro, antes de liga-lo, antes de responde-la, encarei-a e tasquei-lhe um beijo.
- Eu só precisarei encontrar uma substituta.
- Todo mundo procura alguém pra substituir alguma coisa.

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