Nada de romance.
Quer dizer, não era só romance.
Sua vida possuía inúmeros fantasmas.
Em seus vinte e um anos, foi obrigado a tanto depender
quanto se desprender de muita gente. Ele não compreendia essa natureza de as
pessoas saírem da sua vida, muitas vezes despropositalmente. Algumas apenas
sumiam. Outras, ele negava a existência. Estas eram o problema maior.
Sempre se questionara se isso tudo não passava de uma mania
implícita em seu ser ou se era a vida mesmo que adorava conspirar contra ele.
A vida dele nunca fora completa, o que o instigou a impor
que nada era perfeito, nada era cem por cento. Acostumara-se com isso
juntamente com a imposição de apagar da memória os fantasmas de seu passado.
Não eram todos do mal, mas simplesmente se foram.
Obviamente, os fantasmas que mais lhe incomodavam eram os
românticos. Corrigindo, as fantasmas.
Andava por aí com uma ilusória sensação de completude a fim
de não almejar planos impossíveis. Ou pessoas.
Não havia lugar para se esconder, pois sempre haveria uma
fantasma onde quer que fosse, nem mesmo sua mente era um lugar seguro. Aliás,
era o pior lugar para se refugiar. Sua doentia e imaginativa mente. Ele
precisava ancorar-se em alguém para despistar seus próprios pensamentos. Fato era que as
cordas que o prendiam ao píer eram fracas demais. Ou era ele que não sabia dar
nós. Ele era fraco. Quando conseguia forças, não as mantinha por muito tempo. Afinal,
não era permanentemente forte.
Até “esquecia” das pessoas que perturbavam suas memórias e
conseguia viver desprendido. Mas quando reapareciam por aí, quebravam-lhe as
pernas e ressuscitavam sua convicção de que sempre fora incompleto. Corria-lhe
um frio na alma, um vazio no estômago. Parecia-lhe que roubaram seus
intestinos. Era um calafrio impossível de ser mensurado. Sua vontade era desabar
no chão e só acordar após a cirurgia que preenchesse o que lhe faltava.
Acabara de sair de um bar, onde esteve com o pessoal da
faculdade, e caminhava pela Rua XV. Poderia parecer coisa de turista, mas ele
gostava de caminhar pelo calçadão. Mas ele só apreciava o local a noite,
quando calmo, desabitado e sombrio. Gostava de ver quem andava por lá, tentava
adivinhar de onde vinham, aonde iriam, o que faziam, pensavam e amavam. Sua
curiosidade maior destinava-se às pessoas que se sentavam nos bancos da XV,
pois não era um lugar muito seguro para descansar. Até que olhou para duas pessoas sentadas e
o batom vermelho de uma delas ofuscou-lhe a visão.
Era a moça do beijo nos ombros. Uma história vivida que lhe
fez muito bem, porém que foi obrigada a ser esquecida.
Ela sorriu. Não foi um sorriso direcionado a ele, era para
pessoa que estava com ela. Porém, sorriso suficiente para quebrar suas pernas e
trazer-lhe a tona novamente tudo que sentiu por ela. Ele sentiu muita coisa por
ela. Em maioria, teve bons sentimentos por ela. Aliás, porém, ela nunca
soubera. Ou descobriu e deixou que a timidez do rapaz o matasse.
Continuou caminhando disfarçadamente para não ser notado
pela moça, que estava muitíssimo entretida em sua conversa. Ele foi até o ponto
de ônibus num misto de êxtase e choque. “Meu Deus, ela!” Então começou a se martirizar
por ter esquecido a moça. Relembrou de tudo de bom que sentiu por ela e viveu
com ela, apesar de não ter sido tudo o que desejava.
Enfim entrou no ônibus e se encantou com uma baixinha que
estava lendo Bukowski. Seguiu a viagem observando a moça sem criar expectativas
ou método de abordagem. Esquecera moça do beijo nos ombros.
Esse era seu jeito. Ao mesmo tempo, tão dependente das memórias
e cheio de distrações. Perdido, hermético, explícito, vai e volta em sua
própria mente.