Seus horários de fim de expediente não coincidiam. Ficou
matando tempo por uma hora num sebo próximo ao trabalho dela. Quinze minutos
antes, sentou-se na esquina a fim de esperá-la. Ela não imaginava encontrá-lo após o serviço. Ele já tinha alinhado
toda uma estratégia para acompanhar a moça. Moravam no mesmo bairro.
Sentaram-se no sofá. Ela já sabia o que aconteceria, mas
quis esperar pela ação dele. Havia a coincidência de que eram dois tímidos ansiosos. Por mais que desejassem algo ou alguém, temiam arriscar-se.
Não era uma agressividade doentia ou imoral. Era apenas uma
ansiedade que o dominava. Como se fosse outro ser, como se alguém o manipulasse. Ela se entretinha com isso e não desejava ter-se por satisfeita. Queriam mais.
- Mas você não era assim, você parecia ser tímido... "Cavalheiro", sei lá... O que mudou?
- Você me conheceu quando eu já tinha fama besta de ser um
dos últimos românticos vivos, só que eu abandonei há muito tempo. Apenas vivia
nesse estereótipo porque gostava de ser reconhecido assim. Além do mais, não
conseguia fugir disso. Não conseguia fugir de mim mesmo.
Enquanto ela lhe resgatava toda sua bondade, ele mordia seus
próprios lábios e mastigava o remoroso de ter assassinado sua essência. Até que enfim disse:
- I'm killing that poet before he kills me first.
- Oi? De quem é isso?
- Ah, ninguém... - tentou dizer algo que na sua mente fez
sentido, mas ao repensar, desistiu. - É que tem coisa que fica mais bonita em
outro idioma. Pelo menos, na minha cabeça.
A moça apenas sentou-se na cama e afagou as costas dele, que
deu uma puxada de ar um tanto ofegante, num misto de choro contido com
desespero e raiva. Era como se quisesse reabsorver o que abandonara apenas pela
inspiração. Ela não dizia mais nada, apenas passava a mão nas costas dele.
Ele não queria repetir a dose daquela moça. Ele não queria
repetir o "erro" de entrar num "relacionamento sério". Ele
queria evitar amar para não repetir a dor de um coração partido. Mas essa moça lhe
ressuscitara o desejo de pertencer a alguém. Sentiu-se livre para desabar nos
braços dela. Ela era
forte. Se não forte; ao menos, tinha disposição para aguentar a fragilidade dele.
Porém, ele preferiu manter seu orgulho e negar as alegrias para
continuar alimentando seu lado sombrio, que se afundava em qualquer esquina, em
qualquer cintura. Cansara-se de amores, era menos doído esconder sua verdadeira
personalidade.
Esquecera a moça que o acolheu. Porém, a moça nunca o esqueceu e passeava constantemente com a boa
imagem que o moço expressava: Bondade (que se suicidara afogada em mágoas).
No final, essa bondade retida maquiada de maldade não passava de egoísmo e medo.
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