Era um prazer o provocar. Parecia que ela conseguia entrar
em sua mente. Coisas que ele não compartilhava sequer com as paredes de seu
cubículo do sono, ela soltava por aí. Segredos que ele não mantinha, ela sabia.
Mas ela evitava o rapaz. Ao menos parecia demonstrar que não o queria. Queriam
só o flerte. Queriam só a distância. Queriam a contradição de querer, mas não agir. Não queriam andar. Caminhar e correr o
risco de pisar em cacos de vidro (o que ambos eram: frágeis)... Não, era algo
que dispensavam tranquilamente.
Ao mesmo tempo, necessitavam que alguém tivesse
sensibilidade suficiente pra acariciar suas almas doentes.
Eram pessoas estranhas, de piras erradas e neuroses
frequentes. E se atraíam por semelhantes.
Tanto se atraiam que a força se fazia contraditória e os
repelia pros cantos errados da cidade.
Era um vai e volta de sinais desfocados escritos em nuvens
explodindo no ar. Quero você, vem, te quero, afundemos juntos, senta do meu
lado e vejamos tudo ruir etc. Mas ninguém fazia questão do mais importante:
Falar e fazer.
Até que um dos dois se cansou dos flertes platônicos.
Esperou-a em seu
ponto de ônibus sem a avisar antecipadamente. Ela acabara de sair da faculdade e só
pensava em chegar em casa, qualquer coisa e desabar no sofá pra continuar suas
leituras. Distraída com a música que levava sua mente a um palácio onde estava
tudo bem, ignorava os errantes que circulavam naquela região de shopping e
escolas. Até que ouviu:
- Você tem duas opções: ou foge de mim ou foge comigo.
Assustada, congelou. Tentou emitir a resposta, mas ela não
era daquelas pessoas que sabiam improvisar nas falas. Ela não ensaiara nada pra
dizer a ele pessoalmente. Surgiu-lhe um sufoco no peito. Misto de vontade de gritar,
explodir, correr, abraça-lo, tudo junto. As pessoas do ponto os encaravam, mas os
dois tornavam inexistente qualquer presença alheia naquele lugar.
Mesmo com tanto tempo de jogo, eles não sabiam como
prosseguir. Se havia um manual, eles o trocaram por um livro qualquer.
Ela não sabia o que responder. Ele não queria mostrar os
dentes ao sorrir pra evitar que outras coisas lhe fugissem (um grito, um abraço, um "responde logo e vem" etc), mas só a largura do sorriso tímido já mostrava que ele queria sair
correndo dali. Correr com ela.
E foram. Sem palavras.
Ela não respondeu com palavras. Acenou para uma direção, então ele a pegou pela mão e foram.
Sem saber. Com o sentir.
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