Prólogo
Esta foi a primeira foto que tiramos juntos como um casal.
Não lembro a ocasião ao certo, mas não é exatamente sobre isso que eu gostaria
de escrever.
No dia, nós dois sabíamos (mais ninguém) muito bem a estrada
onde nosso caso se encontrava: era coisa séria. Não eram apenas encontros
esporádicos quando estivéssemos desocupados. Era coisa sentir uma tranquilidade
tremenda quando suas mãos afagavam meu cabelo. Era caso de fugir do meu trabalho
ou de qualquer lugar ao saber que você estava sofrendo mais uma de suas crises
de ansiedade (e identidade). Era trocar um passeio pelos bares de nossa cidade
pra ficar em casa e arriscar assistir (talvez perder tempo assistindo) um filme
qualquer. Era te ver deitado na sua (minha) cama, lendo, enquanto eu terminava
trabalhos de faculdade (Ou vice-versa). Era fugir de aulas sonolentas pra
conversar sobre tudo ou nada no ponto de ônibus. Era sério. Era o que eu
queria.
Uma fotógrafa mirou nosso grupo distraído e perguntou se
queríamos guardar o momento. Agrupamo-nos e ele se assustou quando repousei minha
mão por trás de suas costas no seu ombro direito. Hoje, revendo a foto, entendo
sua reação: Ele me abraçou e apertou meu braço como se não quisesse mais me soltar.
Seu abraço parecia me engolir e eu parecia pequena perto do seu carinho
exacerbante. Eu fiquei quase que escondida, esmagada, soterrada, pelos seus
braços. Seu sorriso inesperado anunciava a surpresa do meu gesto. Eu não sorri
na foto, mas foi porquê eu fiquei tão anestesiada pelo abraço
carinhosamente apertado que preferi sorrir com o olhar. Apesar de ser um dia
nublado, meus olhos iluminavam a cena. Assim que a fotógrafa partiu e o grupo
retornou a posição de círculo de conversa, eu fugi de seus braços, mas não
dele, que me deu um rápido beijo. Novamente, seu sorriso entregou a surpresa
pela atitude. Seu sorriso dizia tanto.
Daí em diante, só aumentou.
Ele me cantava com toda a razão do mundo, “... demorou pra
ser, mas agora é...”, e eu ria de sua voz desafinada. Porém, eu sabia que era
verdade, sabia que ele me notara muito antes de eu saber de sua existência,
sabia que a internet o ajudara a saber parte de minha rotina e história, sabia
que ele tinha dificuldade para chegar em mim, sabia tanta coisa... Eu sabia que
quando enfim o conheci, eu me perdi em seus imensos sorrisos e encantos. A
partir de certo momento, lá pelo terceiro encontro, eu soube que estava
disposta a descobrir seus mistérios e suas vontades. Sabia também muito bem que,
desde antes de eu conhece-lo, ele não se esforçava em esconder suas intenções.
Eu só queria falar sobre a nossa primeira foto como “nós”.
Depois daquela, foram muitas outras, que serviram para provar o quanto fomos
felizes juntos. Nossos sorrisos e olhares assumiam escandalosamente.
...
Eu falei disso tudo sobre você como se esta carta não fosse
para você, pra tentar te mostrar como eu contava nossa história a outras
pessoas. Até hoje, tempos depois, tenho receio falar sobre nós, de assumir o
quanto você me fez bem, por achar que eu estaria mentindo, porque é algo
difícil de medir. Ainda tem muita coisa para ser contada, mas não tenho certeza
se terei força para encarar todas as memórias.
P.s.: Relendo esse texto, percebi que é uma versão só nossa
das cartas de Eva Katchadourian a Franklin “Plástico”. (Espero que ninguém me
processe por plágio). E o final é quase o mesmo: você não está aqui.
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