2014/01/20

Quebra-cabeça

Olhos e lábios

Era sábado. Ele estava deitado em sua cama durante uma tarde ensolarada. Seu telefone tocou e era um amigo perguntando se o moço estava em casa. Chamou-o para um suco. Conversando sobre tudo que lhes ocorrera desde o último encontro dos dois, o amigo contou o pedaço da história de uma amiga que fizera recentemente. O moço ouvinte ficou atento e curioso para conhecer a moça. Perguntou seu nome.
Ao chegar em casa, foi procurar pelo nome da garota nas redes sociais. Ao abrir um álbum de fotos, mirou diretamente numa foto em que ela aparece segurando seus cabelos loiros com mechas roxas e um olhar vazio, triste. Nos lábios, um batom de uma cor que deixou o rapaz extasiado. Era um vermelho tão intenso, tão vivo, o oposto do que o olhar dela expressava. Porém, essa combinação tão oposta tornava tudo tão equilibrado, tanto a foto quanto a alma do rapaz que a apreciava.


Voz

Tornou-se um tanto aficionado pela beleza da moça e tentava encontra-la em todos os lugares que ela possivelmente frequentasse. Tanto ambientes reais quanto virtuais. Em uma stalkeada rotineira, descobriu que a moça, além de carregar toda aquela beleza que o deixava extasiado, também cantava. Encontrou três gravações caseiras da moça, em um site que ela compartilhara numa rede social, e encantou-se pela voz doce e simultaneamente ruidosa. Ele não se deu ao trabalho de traduzir as canções para saber sobre o que se tratavam e passou uma hora seguida as ouvindo repetidamente.
Dias depois, o rapaz sonhou que a voz rouca chamava pelo seu nome em algum cômodo da casa, mas ele não conseguia se levantar e então começou a gritar pelo nome da moça repetidas vezes. Na manhã seguinte, o irmão do sonhador perguntou quem era “Charlie”.


Sentimento

O amigo do admirador secreto da moça, que a conhecia, informou-o que ela estaria participando de uma exposição de estudantes de Artes. Além de ter uma voz que o deixava bêbado e uma beleza que o extasiava, ela fazia arte. Ele não sabia mais o que esperar dessa mulher. Ele queria ainda mais conhecer cada novo pedaço dela.
Marcou de ir com seu amigo, que, porém, ligou avisando que não poderia ir à exposição. Ansioso, foi mesmo assim, sozinho.
Nos primeiros minutos dentro do local, ignorou os trabalhos expostos lá para tentar avistar a tal moça multifacetada. Apenas cinco pessoas estavam na grande sala e nenhuma delas era a que o rapaz procurava. Decidiu então procurar pelas pinturas de Charlie.
“Nada me falta além de tudo” acompanhava o desenho de um busto feminino com a cabeça explodindo em vermelho. As letras cursivas partiam da cabeça no canto inferior esquerdo da tela e ascendiam ao lado oposto em uma diagonal quase dançante, irregular. A cor do sangue era a mesma do batom que a artista usava na primeira foto que ele viu dela. O rapaz então começou a se aproximar ainda mais do desenho a fim de realizar se era ou não batom de verdade ali. Decidiu tocar e sentir a textura da obra e teve a sensação de estar tocando os lábios da moça. Sentiu algo estranho naquele momento, um frio na alma. Tirou a mão do desenho, deu um passo atrás e releu em voz baixa a frase:
- Nada me falta além de tudo. – ele riu consigo mesmo em um tom de indignação e incompletude e disse como se estivesse corrigindo a artista – Nada me falta além de você tornando minha vida uma obra prima.
- Mas o que é uma obra prima pra você? – Entoou uma voz desconhecida vinda de trás do moço.
Ao virar-se, congelou como se estivesse vendo um desenho inédito de sua nova artista favorita. Respondeu:
- Você.

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