“Quando Alice voltar, não estarei mais aqui esperando, mas diz a ela que... Não, não precisa, minha ausência dirá melhor que qualquer pessoa. Ao falar sobre espera, ela vai entender. Não posso ficar aqui esperando o que não existe mais. Poderá voltar a existir talvez, não posso me viciar na crença dessa possibilidade, mas não depende de mim, nem mesmo de Alice, depende de nós. Não como aquela canção esperançosa da televisão. Depende de nós e do como estivermos caso nos reencontremos. Estar no sentido de querer. Querer apagar o que se passou entre nós e simplesmente não perguntar os porquês de ir pra depois voltar.
Não sei dizer se quem partiu primeiro foi Alice ou eu, mas sei que não nos encontramos mais apesar de dividirmos a mesma cama, o mesmo apartamento, o mesmo primeiro andar que fedia pastel frito da lanchonete sob o mesmo prédio sem porteiro, a mesma cidade fria em tantos sentidos e algumas das mesmas angústias. Diz pra Alice que meu coração é dela, mas não esquece de avisar que ela o roubou e me obrigou a correr atrás de outro.
Pergunta pra Alice qual o novo nome dela e porquê ela saiu tão cedo num domingo chuvoso sem se despedir. Esquece. Fala que não faço questão de ouvir as justificativas de sua partida. Não quero saber se o clichê 'o problema não é você, sou eu' aconteceu ou se realmente fiz ou deixei de fazer algo que a motivou a partir. Se fiz ou não, de quê adianta? Alice foi em-péssima-hora.
Eu sabia desde sempre que alguém partiria hora ou outra, mas não queria que fosse agora. Não estava preparado. Diz pra Alice que ela me fará falta. Diz também que ela tinha razão: a gente viveu algo já vivido em páginas e filmes.
Aliás, Alice, vê se tranca direito a janela antes de sair pra não molhar o colchão, porque sei que você vai voltar em breve pra pegar as coisas que esqueceu (incluindo aquele livro de contos do Sartre que você carrega como se fosse tua bíblia - deixei onde estava, na segunda gaveta da minha escrivaninha, do lado do meu bloco de notas). Aliás, sei que, se voltar na próxima hora e não me encontrar do jeito que me deixou, desarmado e apagado, você vai querer ficar por aqui. Não seja tola de abandonar esse lugar. Pensando bem, esse lugar nunca foi inteiramente meu, foi nosso, mais teu do que meu. Sem a minha presença, resta nada de mim aqui. Cuida bem do Fiodor e não esquece que ele não gosta de ração com frango. Pede pra Alice arranjar uma parceira pra essa gato infeliz, antes que ele também resolva abandonar esse apartamento.
Não adianta, por mais que eu não deseje, sempre carregarei comigo as marcas de tudo que vivo. Alice, acho que já te vi em algum lugar antes. Você não era aquela moça que encarava estátuas? Você sabe que não foste a única Alice em minha vida, mas, de todas as Alices, você foi a que me curou.
Era pra ter terminado com uma frase de efeito pra você carregar no peito, mas, você sabe, Alice, que não sei ser memorável. Um tanto clichê esse negócio de carta de despedida. Poderia ter simplesmente partido. Tentei pensar num desfecho trágico pra nossa história que pudesse quebrar teu coração, mas, não consegui fugir de mim mesmo e sempre tive medo de te magoar, de te ver chorar, assim como não conseguirei fugir de Alice e toda mesmice que ocorre quando alguém vai embora em qualquer relacionamento. Achei melhor não imitar nenhum daqueles livros cheios de tragédia do século XVIII que você tanto gosta. Aliás, estou levando ‘O lírio do vale’ comigo, espero que você me perdoe.”
Pergunta pra Alice qual o novo nome dela e porquê ela saiu tão cedo num domingo chuvoso sem se despedir. Esquece. Fala que não faço questão de ouvir as justificativas de sua partida. Não quero saber se o clichê 'o problema não é você, sou eu' aconteceu ou se realmente fiz ou deixei de fazer algo que a motivou a partir. Se fiz ou não, de quê adianta? Alice foi em-péssima-hora.
Eu sabia desde sempre que alguém partiria hora ou outra, mas não queria que fosse agora. Não estava preparado. Diz pra Alice que ela me fará falta. Diz também que ela tinha razão: a gente viveu algo já vivido em páginas e filmes.
Aliás, Alice, vê se tranca direito a janela antes de sair pra não molhar o colchão, porque sei que você vai voltar em breve pra pegar as coisas que esqueceu (incluindo aquele livro de contos do Sartre que você carrega como se fosse tua bíblia - deixei onde estava, na segunda gaveta da minha escrivaninha, do lado do meu bloco de notas). Aliás, sei que, se voltar na próxima hora e não me encontrar do jeito que me deixou, desarmado e apagado, você vai querer ficar por aqui. Não seja tola de abandonar esse lugar. Pensando bem, esse lugar nunca foi inteiramente meu, foi nosso, mais teu do que meu. Sem a minha presença, resta nada de mim aqui. Cuida bem do Fiodor e não esquece que ele não gosta de ração com frango. Pede pra Alice arranjar uma parceira pra essa gato infeliz, antes que ele também resolva abandonar esse apartamento.
Não adianta, por mais que eu não deseje, sempre carregarei comigo as marcas de tudo que vivo. Alice, acho que já te vi em algum lugar antes. Você não era aquela moça que encarava estátuas? Você sabe que não foste a única Alice em minha vida, mas, de todas as Alices, você foi a que me curou.
Era pra ter terminado com uma frase de efeito pra você carregar no peito, mas, você sabe, Alice, que não sei ser memorável. Um tanto clichê esse negócio de carta de despedida. Poderia ter simplesmente partido. Tentei pensar num desfecho trágico pra nossa história que pudesse quebrar teu coração, mas, não consegui fugir de mim mesmo e sempre tive medo de te magoar, de te ver chorar, assim como não conseguirei fugir de Alice e toda mesmice que ocorre quando alguém vai embora em qualquer relacionamento. Achei melhor não imitar nenhum daqueles livros cheios de tragédia do século XVIII que você tanto gosta. Aliás, estou levando ‘O lírio do vale’ comigo, espero que você me perdoe.”
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