2014/07/21

Platonismo P. ou a Consumação do intangível (A Noiva)

Eu te avisei que era platônico, mas precisei provar a mim mesmo que eu estava errado. Errado no sentido de que não teríamos futuro. De que todas as ilusões criadas antes de dormir permaneceriam dentro minha cabeça enquanto eu lembrar dela.

Tanto tempo, mais de um ano, cruzando com ela em tantos desconexos lugares, fazia-o crer que havia ao menos dezenas de interesses semelhantes que a tornavam uma pessoa… Bem, ele não sabia explicar com precisa exatidão o que havia nela para tanto magnetismo, tantos pensamentos antes antes de dormir - nada maliciosos, algo indescritível que a tornava…. Musa. Maior musa da materialização de seu platonismo ou outro termo, outra descrição, que defina todo esse sentimento insistente. Esse platonismo permanente que preenchia suas memórias enquanto ninguém real aparecia para cumprir essa função e tudo mais que ele ansiava.

O amigo dela, que o rapaz acabara de conhecer e sabia do desejo, disse, na tentativa de desmotivar o platônico a abandonar sua vontade, que o maior relacionamento no qual ela esteve envolvida durou não mais que duas semanas. “Não quero casar com ela. Particularmente, eu a chamo de A Noiva, mas não quero jurar eternidades com ela a um padre seguindo dogmas religiosos. Jesus don’t love me and God doesn’t like my type. Quero apenas… Consumar o desejo, concretizar a até então intangibilidade platônica que me perturba faz tempo. Se vai durar vinte minutos, vinte meses, ou até morrermos lado a lado, não posso prever. Posso apenas me permitir que nos deixemos apenas sentir, enquanto o sentir for sincero, espontâneo etc. Se a ressaca moral pós-overdose durar tempo suficiente pra me corroer, no entanto poderei dormir com a realização contente de enfim ter realizado desejo há tanto estimado”, disse num monólogo alcoolizado ao amigo da moça.



- Ele tem carro roxo, tem coisa mais brega?

- Roxo… Ela, a [musa platônica] … Pintou o cabelo de roxo esses tempos atrás.
- Nossa, cara, eu não gostei.
- Porra, eu fiquei chapado com esse cabelo dela. Deixou ela ainda mais... Ah... O de cigarro também.
- Cigarro, o que?
- Quando ela descoloriu e ficou uma bagunça preta, branca e amarela, parecendo um cigarro aceso, achei lindo.

Talvez tudo isso não passe de um conforto ao qual ele recorre quando está cansado. Seu comodismo sentimental persistia nisso na falta de alguém mais próxima? Ele perdera o controle no momento em que começou a se questionar se realmente queria pular o muro do platonismo e invadir a rotina dessa moça uma única vez que fosse. Ele já não sabia se queria algo com ela além de observa-la do outro lado da rua bebendo, com o canto de olho no ônibus ou ao se cruzarem nos corredores da faculdade. Talvez o tempo tivesse enfim o convencido que ele sempre foi lento demais na versão contemporânea de conquistar alguém. Talvez ele devesse parar de encarar o teto durante a noite pensando na outra e dar um beijo na esposa antes de dormir. Sim, deveria começar a pensar mais na mulher com que dividia a cama antes que ela resolvesse partir ao corrosivo campo platônico do término e todas as dores anexadas a isso.

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