- Conhece o Wilco?
“Sim, Jesus, etc”, respondi em silêncio a um dos três adolescentes recostados na articulação do Santa Cândida, sentido Capão Raso. Tanto eu quanto Salinger, que não era do tempo dessa banda, permanecemos em silêncio, observando.
- Tô ligado, que que tem?
“Vocês não têm cara de quem gosta de Wilco”.
- Então, piá… Abri um lava-car com ele.
Assim como os dois rapazes que o interlocutor acompanhavam o tal empreendedor, que aparentava ter menos de 20 anos, olhei para ele dizendo, numa entonação adulta, “Quê? Cê tem uma empresa, cara?” Até então, olhava para os garotos acompanhado de uma perspectiva julgadora, antiquada, resolvi apenas ouvir como se fossem meus amigos.
Num momento de silêncio coletivo, resolvi adivinhar onde era o destino deles. Eles desceriam na Bento Viana - mesmo lugar onde desci diariamente há sete anos por dois meses seguidos para um curso para menores aprendizes. Jurei que fariam isso, pois preenchiam o perfil de gente que frequentava aquelas aulas. 15, 16 anos, roupas típicas de adolescentes que necessitam pertencer a um grupo, a uma moda, para não serem losers (mal sabem como é legal ser loser, outsider, deslocado, estranho, etc). Fui desses. Não loser, porque isso sou hoje, mas também já integrei a turma de adolescentes que fazem de quase tudo para serem populares. Até por isso, creio que tenha conseguido identificar os garotos. Já fui um desse tipo. Digo, de biografias, rotinas e bairros diferentes, mas a mesma essência adolescente de provar ao mundo que existe, seja usando roupas e acessórios da moda atual, comprando um carro aos 15 anos, perdendo a virgindade antes puberdade com alguém da mesma rua, entre tantas outras situações, ou, no meu caso, tornando-se o goleiro oficial da turma - numa tentativa de ser incluído no grupo dos populares. Alguém (um holograma de Sartre talvez) deveria surgir para essas pessoas para dizer que para existir, basta existir.
Apesar dos pesares, apesar de eu estar errado em relação ao ponto de parada dos garotos - passaram reto pela Praça do Japão -, apesar de tantas novelas para um garoto de 16 anos, que já teve experiência de negócios e um Monza com módulos de som, turbo e chassi riscado, o que mais me surpreendeu neste adolescente - eu e meu eterno romantismo - foi:
- Já fui casado… Por três meses, piá, com uma patricinha do Maracanã, aí o pai dela descobriu as paradas que eu fazia e separou a gente.
O Balzac em mim começou a escrever um romance inspirado nesse caso. No fim, o velho viúvo confessaria, em seu leito de morte, segurando uma flor de Ipê, árvore sob a qual conheceu sua esposa, que lutou contra o amor adolescente entre a filha e o empresário porque enxergava na própria garota o amor que sentia pela falecida esposa, quando se conheceram, aos quinze anos, e lutaram contra seus pais, desfavoráveis aquele amor. Após o velório, o casal vendeu a casa do recém-falecido, que agora estava com sua eterna amada, e se mudou para o interior de Santa Catarina.
Na verdade, não sei dos porquês nem das consequências do romance com a patricinha do Maracanã, não ouvi o resto do conto. Desci do ônibus antes do fim da relato. Já em casa, comecei a escrever sobre o episódio, mais um daqueles que abandonei leituras para acompanhar disfarçadamente histórias de pessoas desconhecidas.
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