Sharon vive me dizendo o que teu amor está me matando, meu cinismo cisma em não ouvir essa sábia mulher. Minha teimosia ignora o relógio e persiste em algo que não sobrevive mais. Em momentos raros de lucidez, entendo toda a bagunça e o estrago mental que você me causa desde... Eu não estou morrendo por causa do teu amor. Tu abres meu peito e some, isso é o que me mata. A ausência.
Repousei desatento o copo sobre o balcão e derrubei whisky por tudo. Perdi mais da metade do que havia escrito, porque borrou a tinta fresca da caneta. Até secar a mesa, arranjar uma nova folha e preencher minha quarta dose do jeito que o diabo e você gostam, puro, e reencontrar o que pretendia escrever.
Tentei te dizer isso sóbrio, mas falhei. Só o álcool nas minhas veias e artérias me faz dizer tudo isto, já que sangue não tem mais. Você sugou tudo.
Meu peito atingido por teu olhar se inflama, arde. Até mesmo a lembrança daquela labareda disparada pelo teu par de azuis tantas vezes me queima por inteiro. Nem as lágrimas de saudade antecipada escorrida dos teus olhos na janela do ônibus, depois de uma despedida doída na rodoviária, como qualquer outra em qualquer lugar afinal, conseguiu apagar o incêndio. Você é a gasolina, o fósforo e a chuva.
Você não sabe, suspeito, que tenho guardado na gaveta onde guardo meus remédios, que, aliás, não tomo há meses, deixando minha cabeça cada vez pior, um pedaço do vestido roxo que tu vestiste naquela noite do baile de quinze anos da tua irmã. Aquele maldito vestido roxo. Aquela ocasião me fez acreditar em uma das tais superstições populares. Nós estávamos lá. Quando te abracei, dizendo estava morrendo por não dizer o que sentia por você. Onde estávamos: em baixo de uma escadaria. Sei lá quantos anos de azar isso dá, nem sei se escadarias são válidas pra esse tipo de maldição. Assim como o pedaço de roupa que você ficou preso no corrimão enferrujado ao fugir de mim continua guardado, a vontade permanece nesse quarto onde tanta coisa aconteceu. Acostumei-me a ter essas lembranças e não dói mais ou a adrenalina causada pela dor é tanta que nem sinto mais minhas pernas quebradas, meu coração baleado e todas as cicatrizes que você deixou.
Saí do bar, passei no mercado, comprei mais álcool e vim beber em casa pra evitar qualquer vexame em público. Se eu cair, vomitar, chorar, só Charlie e Sally presenciarão e, como sempre faz essa dupla felina, vão me ignorar.
Entre seus cabelos, olhos e gemidos, há minha perdição no teu furacão. Merda, insisto no presente e você está no passado. Estava. Está. Vai e volta. Alguém, por gentileza, destrua essa máquina do tempo no momento em que você aparecer. Estava nos meus planos me deixar levar pelo turbilhão da tua existência até o fim dos meus dias, mas, sem saber se era apenas um ventilador ou uma catástrofe de verdade, alguém apareceu, enquanto eu estava ocupado, com os olhos fechados, desfrutando a brisa, tirou tudo da tomada e eu caí. Continuo caindo no teu abismo. Não é possível fugir de você.
As serpentes na minha mente enforcam as memórias até que eu grite pra você voltar. Você volta. Você vai. Você me chama e eu vou correndo desesperado. Chegava todo suado, sangrando, alcoolizado, desgraçado, na tua casa e você me acolhia, me jogava no chuveiro, na cama, da janela.
O que passa na tua cabeça, além de cigarros, sexo, telas, cores e pincéis, eu não consigo acertar com precisão. Acerto tiros nos meus pés, mas não consigo atingir teu peito pra deixar vazar o que sentes.
O que escrevo sobre nós talvez seja disfarce para um plágio de alguma música da Sharon ou do Filipe, mas é principalmente uma cópia da desgraça que eu conheço, a nossa tragédia. Qualquer semelhança com os versos de outra pessoa é mera coincidência. Infeliz fato que incide sobre outras existências: o Amor.
Me perco entre os sonhos sobre o que não vivemos e sangro até enlouquecer ou desmaiar de porre, o que vier antes.
Com meu suor, crescem nos poros da pele espinhos de anseios e traumas, e escorre saudade, a dor da ilusão de um futuro decente e o resto de whisky que tomei pra tentar te apagar. Não tá dando. Ou aumento as doses ou encontro coisa mais pesada, talvez um novo amor. Vivo da indecência de encontrar um amor indolor e isso está me matando.
Não consigo responder um motivo pra viver pelo vício em você. Vai ver loucura é assim, sem razão.
Preciso de você pra estancar o sangramento. O último sacramento. Se ainda sobrou um mínimo pedaço de encanto daquele sorriso que me derrubou na porta 4 do Capão Raso naquela noite calma de julho, use-o para desfazer os nós da nossa história. Mesmo que seja de brincadeira ou de mentira, diga uma última vez que me amou (mesmo que apenas por um minuto) em nossa história. Se a bebedeira durou sete anos, não vou esperar a ressaca passar. Lá vem outra dose.
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