2015/12/04

De mãos dadas

No exato instante em que acendeu o primeiro cigarro, ainda na esquina de sua casa, permitiu vazar a angústia há tanto tempo que era incapaz de saber como surgiu, a incapacidade era tanta que não conseguia combater o tormento, que crescia e crescia e adormecia e despertava e crescia... Sozinho, tenta encontrar a fragilidade do sentimento para atingi-lo e causar sua destruição.
Qualquer pessoa que cruzasse sua jornada em busca de uma garrafa de qualquer coisa que conseguisse lhe dar algumas horas de distanciamento do que o corroía - e de si mesmo - poderia ser considerada uma ameaça a sua saúde física (ou o que restava dela) - a mental já estava danificada demais para uma nova rachadura, não havia mais espaço para outras. Temia que as pessoas pudessem tirá-lo deste precipício onde tropeçou e permanece em queda livre, como se o fundo levasse diretamente ao topo, ad infinitum, causando cada vez mais dor. Temia o que as pessoas poderiam leva-lo a um novo precipício - ou um lago de tranquilidade -, não queria arriscar.
O segundo cigarro foi aceso logo que o primeiro se deitou na sarjeta, ainda queimando. Ele queria ser aquela bituca, queimar-se inteiro até que os ventos levassem e a cidade dissolvesse suas cinzas. "Todo munto é um cigarro", afirma ele, "todo mundo é consumido por outra pessoa, queima e é jogado fora". Ele não acredita em salvação, independentemente de como acontece ou que “força superior” a executa; para ele, ser salvo é o holograma de uma escultura: é possível vê-la e acreditar nela, crer no conforto que emana dela, mas seu toque de cura é tanto intangível quanto inexistente, inútil.
Quanto mais andava, mais a agonia o abraçava e segurava sua mão, como se fossem o casal perfeito, mas ele não queria se comprometer com a melancolia de uma vida sem causa nem motivação. Aliás, esse era o único "relacionamento" que conseguia manter nos últimos meses. Seu estado gerou um campo de força que afasta qualquer pessoa, aquelas que já estavam em sua vida ou as que poderiam ser "algo", restam apenas as memórias da época que conseguia conviver em paz e os sentimentos, todos os sentimentos - sobre tudo.
Havia a ilusão de estabilidade, claro, e o disfarce era mantido de maneira exemplar, porque, um, sua apatia em relação a sua situação era tão grande que não se esforçava nem mesmo para se auto-sabotar, e, dois, ninguém se interessava em investigar sua mente, desconstruir seus problemas, analisar sua complexidade, reconstruir tudo. Não que ele se importasse com isso, mas refletia sobre.
Ao fim do terceiro cigarro, já sentado no meio-fio, engolindo o pior vinho que encontrou, seu favorito, sente-se como Antoine Roquentin, apesar de não saber se amanhã vai chover sobre Curitiba (ou Bouville), vazio. Não tem expectativas ou curiosidade para saber como tudo vai terminar. Deixa-se ser dominado pelo álcool e pela nostalgia de quando não estava destruído.

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