2015/12/28

Lonely People XV


Depois de uns meses de férias impostas simplesmente pela vontade de ficar em casa dormindo, praticando ócio criativo, vivendo seu período sabático, decidindo se tinha feito a escolha certa ao terminar a faculdade, engolindo crises existenciais, enfim chegou o dia de estrear oficialmente como psicóloga profissional. Se conseguisse controlar a crise de ansiedade que emergia de suas mãos, começaria a trabalhar numa clínica de apoio a jovens em situação de risco na A. N. d. J. No caminho, passou em frente a um sex shop da R. A. e, ao encarar a vitrine, lembrou-se que fora encarregada de comprar alguns itens para a despedida de solteira que ela e algumas amigas fariam para a que se casaria em duas semanas. A pequena Sabina Spielrein (apesar da graduação não ser a mesma que a psicanalista russa, tinha-a como inspiração, bem como outras psicanalistas da vida real e da ficção) estava empolgada para a cerimônia, mas não pelo casório em si e a felicidade de Y. Eva não acreditava na seriedade desse ritual sagrado - em decadência. Não crê, aliás, na institucionalização de um sentimento, na autorização escrita para que duas pessoas possam ser felizes, até que a morte as separe, afinal, ninguém precisa de aprovação de terceiros e, mais importante, ninguém será feliz com alguém até que a morte encerre o relacionamento porque o fim vem antes disso. A empolgação para o casamento era, além da felicidade em ver sua amiga tão infeliz antes finalmente completa com alegria e amor, devida à presença do jornaleiro, que também conhecia a noiva e estaria na festa.
Como ainda tinha tempo de sobra antes de bater seu primeiro cartão-ponto na clínica, entrou na loja erótica e comprou algumas lembranças para a despedida de solteira. Ao chegar no trabalho, percebendo a quantia de menores de idade na recepção, mocou a sacola de compras em sua bolsa. A diretora da clínica, uma senhora japonesa mais simpática que qualquer pessoa que Eva já conheceu, entregou-lhe um jaleco branco, com seu nome inscrito no bolso superior esquerdo, que, de tão grande, mais lhe servia como uma bata episcopal. Devidamente uniformizada, então teve uma ligeira epifania: agora a coisa ficara séria,  realmente séria, estava a poucos passos (a distância entre a sala de sua chefe e a de atendimento) de se tornar psicóloga de verdade.
Jennifer Melfi tentou encarar os olhos do primeiro paciente, que já seria memorável simplesmente por ser a primeira pessoa assistida, o adolescente que recém se sentara a sua frente silenciosamente. O olhar do rapazinho mirava o chão. Eva queria que ele fosse o primeiro a falar. Ao invés disso, ele tirou o celular do bolso e começou a jogar algo bem barulhento. Passaram-se cinco minutos e o garoto parou, encarou rapidamente a mulher e perguntou:
- Quantos anos você tem?
A novata pigarreou e entonou uma voz séria, adulta:
- Desculpa, mas não estamos aqui pra falar sobre mim, Douglas.
O adolescente se fechou novamente e permaneceu por mais vinte minutos em silêncio, jogando, enquanto Eva, já sabendo o quê o trouxera ali, fazia anotações sobre o paciente. Até que o garoto quebrou o gelo, ainda encarando a tela do aparelho:
- Minha mãe morreu ano passado.

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