E se não tivesse perdido o ônibus de dez e meia. Aquela criança teria sua infância adiada como aconteceu ao ficar no terminal Cachoeira esperando o Giannini de 11 e meia? E se… Dez vezes, e se… Dez vezes vezes 365 mais anos bissextos.
Não há como saber, mesmo que se acredite em universos paralelos ou qualquer outra teoria que possibilite a existência de uma realidade em que ninguém perdia alguém ainda na infância.
Tentar justificar que tudo o que aconteceu (ou, pelo menos, tudo de ruim) foi diretamente consequência da fatídica quinta-feira, não no exato mesmo dia da semana em que Kevin K. fez o que fez, causando todo o horror na vida de Eva, pode ainda imperar seu ser, guiar suas rotas, mesmo que implicitamente. Deixava-se, talvez, se persuadir por um manipulador invisível, não se referindo a Deus ou qualquer ser que algum dia viveu em sua mente, que desenhava nas paredes de plano de fundo de todas as cenas de sua vida conseguinte o grande ato palavras que traziam de volta a melancolia e as lágrimas derramadas nos últimos dias de março de 2006.
Todas as alternativas, tanto de “se tivesse acontecido” quanto de “se não tivesse acontecido”, corriam em um circuito dentro de sua mente em alta velocidade, às vezes colidindo com qualquer pensamento ou vontade que não tenha vínculo algum com o passado.
Um texto, qualquer texto, seja de uma página ou 49 mil páginas, é apenas um pequeno fragmento no vórtice, incomparável a quantia de tempo necessária para superar, corrigindo, “superar” a dor da ausência e a ainda mais insuperável distância percorrida para chegar ao cume da montanha de amor e dependência.
Tantos anos depois, a memória encontra-se fragmentada, tanto quanto qualquer relato da história completa, e a voz não é mesma, o rosto cada vez mais apagado. Tudo some. Nada se completa.
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