Render-se ao cinismo da nostalgia por bons e velhos tempos é tão angustiante, cortante, quanto ignorar o passado e priorizar acabar com a agonia do momento.
A vontade de partir era, muitas vezes, real, visceral, emocionalmente palpável (como se um caroço retirado de um buraco no próprio peito, "aqui está minha dor"), mas, dependendo do momento, impraticável. O motivo para sumir - da vida de alguém, na maioria massacrante das ocasiões em que tal vontade despertava - não é maior que os motivos para ficar - no emprego, na casa, na faculdade, nos trilhos.
Talvez, em algumas circunstâncias, a intenção de se distanciar não estava diretamente associada a uma ou várias ações de alguém. A exaustão por viver, como um todo, não necessariamente cansar-se de alguém em específico, despertava interesse nenhum em interagir com quem quer que fosse a pessoa por quem tinha ou teve sequer uma gota de consideração, afeto.
Ou, até mesmo, cansar-se de uma pessoa especificamente alastrava o camada de isolamento criada e fazia se distanciar de toda relação humana diretamente hedonista - que não envolvesse diretamente trabalho ou qualquer outra obrigação.
De fato, meses depois, não sabia porquê, o que concretamente atingiu e desviou sua rota, mesmo que só mentalmente, para dar um ponto final, apenas...
Nunca gritou na cara das pessoas das quais não teve mais notícias que não queria saber de suas vidas, suas imagens congeladas da tela, lentamente entrando em fade out. Lugares que frequentaram juntos, dívidas, piadas internas, lembrava-se de tudo, guardava tudo, temendo um dia não ser mais capaz de guardar tudo com carinho, derramar rancor ou simplesmente deixar cair pelo caminho enquanto corresse - para longe, das pessoas, de si, de tudo. Contudo, sabia que ao chegar lá, independentemente de onde "lá" fosse, teria novas razões para querer partir mais uma - quem saberia, talvez não a última - vez, novas pessoas que despertariam tal desejo, fugir novamente.
Entrara nesta introspecção ao se lembrar da proximidade do aniversário de alguém de quem se afastou, mas, na tentativa de recordar o ultimato para a relação em questão, contentou-se em concluir que o tempo, a erosão do tempo, corroeu a construção, permaneciam resquícios, entulhos, do que existiu, incertamente sem saber se, de fato, existiu uma razão justificável, aceitável em termos que não abrangem o intento psicológico de cada indivíduo na tomada de decisões - impulsivas ou concisas -, que não só uma manha, uma cisma, um pesar efêmero que distorceu a visão de uma amizade firme para convergências sociais, interações, forçadas pelo comodismo. A resposta, provavelmente, era tão solúvel que nem ao menos uma chuva foi necessária para apagar, apenas o primeiro vento a levou para longe, perdendo-se.
Era estúpido condenar culpados intangíveis, o orgulho, o comodismo, o cinismo, a saudade, quando a culpa nem devia ser considerada, afinal, algumas vezes, o que acontece é que a vida acontece.
Deixava-se enlaçar pela insistência presa ao momento em que decidiu se distanciar, mesmo que não fizesse mais sentido permanecer distante, mesmo que não tivesse se distanciado literalmente, ainda estava onde esteve o tempo todo. Mesmo endereço, mesmo cansaço, mesma desgraça.
Não queria se render à saudade, mas abraçou, por instantes maiores que seu orgulho permitia, as lembranças. Da última vez que realmente se sentiu pertencente (talvez a ilusão, cegando-se a fatos que poderiam ter causado o distanciamento anteriormente), abrigado naquelas companhias, àquelas amizades. Fim de tarde, o sol refletia nos prédios, riam, e alguém perturbava carinhosamente sobre a velocidade que se apaixonava; madrugada, sofá pequeno demais para tantas pessoas e lia, sem censuras, sua autobiografia, com todos os detalhes possíveis sobre suas perdas; foram tantas despedidas. No fundo, apesar da longevidade e/ou consistência daquelas amizades, não se conheciam plenamente, não permitia que o conhecessem. Queria deixar ocultas camadas de sua existência para não se machucar quando usassem sua vida contra si ou fossem embora. Mas, egoísta, contraditório, escancarava-se, de modo a causar a impressão que lhe conheciam inteiramente, partia, distanciava-se. Adiava - provavelmente necessárias - brigas e deixava a sensação de que estava tudo bem ou que passava por mais uma de suas fases de afastamento, que seria encerrada inesperadamente ao aceitar um convite para fazer alguma coisa, qualquer coisa. Porém, dessa vez, talvez, não responderia ou - pior - daria uma resposta apática, que não desse vida a um diálogo. Ou levaria uma reaproximação saudavelmente, seria simpático. Não conseguiria se distanciar, permanecer longe do alcance, da vista, nem no próximo mês, muito menos ao longo dos anos que lhe restam.
Não tem fim.
Não tem fim.
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