2017/02/28

Do mesmo discurso

Não queria soar como mais um dos homens que lhe prometeram espaço, liberdade, ar e tudo mais que ela esperava de um relacionamento (não-tóxico), porque sabia que ela estava acostumada, definitivamente cansada, com esses tipos de promessas corroídas pelo tempo, tornando-se mentiras e feridas na memória. Queria evitar chantagens, cinismo ou quaisquer palavras que a convencessem a fazer algo que ela apenas aceitaria devido a insistência manipulando suas próprias vontades.
Não queria se apropriar de seus gostos, forçar-se a gostar da mesmas coisas que ela apenas para ter sobre o que conversar, aonde ir, mas, sem querer, compartilhavam a mesma atmosfera nas artes, na melancolia, no olhar, na vida, assim como habitavam outras atmosferas apesar das dificuldades de adaptação.
Não queria que sua existência a cansasse, machucasse, drenasse toda sua vitalidade. Estaria disposto a "dar-lhe" (como se houvesse a obrigação de ser concedido algo) tempo e espaço, esperaria, desde que ela soubesse que ele permaneceria lá, a sua espera, ou aonde quer que ela o chamasse, iria.
Queria ouvi-la cantar “I Gotta To Find Peace Of Mind” e responderia, com certa dor justificável, que se afastaria - ou até sumiria - caso fosse ele o distúrbio em sua paz. A racionalidade se confunde quando a paz de uma pessoa se torna a guerra de outra.
Queria não soar grosseiro quando sua intenção era ser apenas comicamente sarcástico. Queria não machucá-la de qualquer maneira. Queria não ter estragado qualquer possibilidade nos últimos anos como tanto fez. Queria não perder o foco do restante de sua vida quando ela aparecia, afinal nada parecia interessante ou saudável se comparado a qualquer capítulo da história deles, para que não se viciasse a ponto de autodestruição, sabia da potencialidade de um vício tanto para construir quanto para destruir.
Queria que ela entendesse de alguma forma sua bagunça e suas idas e vindas.
Queria rotina, mas, paradoxalmente, não uma rotina que estragasse a essência da existência de um na vida de outro, vice-versa, não queria que se repetissem apenas por conveniência, não, queria repetir apenas como se fosse uma música repetida tantas vezes na mesma noite por ser a melodia mais incrível que poderia ser ouvida em momento específico. Queria assinar caderno de visitas em exposições com todos os nomes possíveis que lhe surgissem em mente.Queria chegar em casa, qualquer casa, e encontrá-la repousando, lendo, cuidando das plantas que cultivariam juntos, deixando que felinos amassassem pães em seus braços, enfim, dividir o mesmo espaço, mesmo que apenas durante as horas de sono e maratonas na TV, pois a demanda profissional sugaria grande parte de seus tempos.
Queria nada. Queria tudo. O que suas rotas trouxessem.
Queria que o tempo não dependesse de passado, presente e futuro, de mágoas, rancores e toda sorte de traumas. Queria todo o tempo do mundo. Se ela lhe dissesse “não”, guardaria a memória desse amor em um local que pudesse ver, sentir, cheirar e fim.

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