2012/05/03

Sermão de irmão


Ao contrário da maioria dos irmãos mais velhos, Diego não sentia ciúmes, nem ódio, de Filipe. Eram parceiros, um sempre defendia os outros, qualquer fosse a situação. Muitas vezes, Filipe argumentou a favor de seu irmão velho sem saber o que realmente havia acontecido. E, inúmeras vezes, um se pôs no lugar do outro para receber um castigo. Filipe era um caçula corajoso e sem vergonha. Diego, três anos mais velho, tentava, ao máximo, demonstrar sua maturidade.
Na adolescência, a amizade se fortalecia cada vez mais, quando um chorava pro outro suas paixões de escola. Conversavam sobre tudo. Quando necessário Diego reprimia Filipe sobre alguma coisa. Vice-versa.
Aí surgiram as namoradas. Pelo menos, as de Diego. O caçula era arteiro demais pra se prender a uma garota. Já o mais velha, possuía um romantismo inigualável e supervalorizava qualquer beijo.
Aos vinte e dois, Diego conheceu Magda, a garota dos seus sonhos. Era um romance digno de apreciação. Filipe adorava ouvir as histórias que seu irmão tinha pra contar sobre sua donzela. Não havia distúrbios nesse caso, estava indo tudo muito bem.
Até que um dia Diego se cansou de Magda e, sem razões concretas, pediu que ela se retirasse de sua vida. Magda não entendera, mas respeitou, pois o amava demais. Filipe não quis se meter, por mais indignado que estivesse com seu irmão.
Era visível que Diego estava abalado com tudo isso, mas estava seguindo em frente. Enfim, seu caçula decidiu questionar o porquê do término, e foi fria a resposta de Diego:
-Cansei dela e de todo esse conto de fadas que estávamos vivendo. Era certo que algum dia apareceria um dragão ou bruxa pra destruir tudo. Era previsível, era tudo perfeito demais. Então, decidi poupar dores.
- Mas, cara, a Magda te ama. Você não podia ter feito isso!
- Quer cuidar dela? Vá, fique com ela.
-Tá louco? Nunca. Você tá errado, mano, muito errado.
As expressões de Diego estavam cada vez mais sombrias. E os passeios solitários, cada vez mais longos. Filipe estava preocupado.
Diego, louco da cabeça, aparecia com uma garota nova a cada semana.
Um mês, quase dois, depois, Filipe, então, decidira empurrar Diego na parede:
- Cara, o que você tem na cabeça?
- Que foi?
- Você tem problema? Você é tão esperto e inteligente e romântico. Essas gurias não passam de interesseira$.
- Não fala assim delas, eu quero isso tudo! - a voz de Diego se elevara.
-Não, não quer. Magda é sua verdadeira mulher. Ela sim te merece.
- Magda já era.
- Já era mesmo. Conversei com ela ontem, contei tudo. Só ela é capaz de te entender, mas, depois de tudo isso, ela está abalada demais pra tentar te ajudar. Ela te ama muito ainda, e, acima de tudo, te respeita pra caramba. Você devia, no mínimo, dar uma explicação a ela, pois, até agora, ela não teve nenhuma.
- Não mete na minha vida, seu piá de merda. Se eu larguei Magda, foi porque eu quis. Tenho que explicar porra nenhuma pra ninguém, nem pra você.
- Diego, para de ser idiota. O que essas bonecas têm? No que elas superam a Mag?
- Sexo...
- E só isso? Que mais?
- Isso basta.
- Aham, claro... E se um dia você precisar de colo? Se um dia você precisar ouvir palavras reconfortantes? E se um dia eu e nossos pais morrermos, quem cuidaria de você? Uma ninfomaníaca? Acho que não... Se continuar assim, pode me esquecer.
- Cara, eu estava cansando da Mag. Ela me amava demais e eu não aguentava mais isso!
- Ela ficava o dia todo no teu pé?
- Não...
- O que ela fazia de errado então?
- Sei lá, ela se preocupava demais comigo. Queria saber se eu estava bem a qualquer momento. Perguntava-me se podia me ajudar a todo instante. Não quero saber disso.
- Então pra quê você quer uma mulher? Só pra cama? Só isso? Pra isso existem bonecas infláveis e sites pornô. Para essa e outras coisas existe uma mulher de verdade a sua espera. Que não está nem aí pra essa sua decisão idiota. Volta pra Mag, por favor.
- Não quero uma segunda mãe.
- Tá, e se a nossa mãe morrer amanhã? A Mag estará pronta pra cuidar de ti. Eu não.  Você largou a namorada perfeita pra pegar piriguetis que dizem “me empresta dinheiro pra mim ir lá”... Você é estranho, cara.
- Me deixa.
-Não deixo. Você está inseguro? Você sente que está te faltando algo?
- Cansei de ser casal. Quero ser louco.
-Você pode ser louco quando quiser, mesmo namorando. E, com certeza, do jeito que a Magda te ama, ela te apoiara em qualquer loucura.
- Eu quero experiências.
- A Mag nunca te impediu de nada.
- Quero outras.
- Cara, um dia, uma mina dessas vai se apaixonar por você, entre aspas. E vai ficar obcecada por você. Aí você não vai querer e vai magoar mais uma garota. Você tá pegando essas gurias pra tentar esquecer a Mag. Você nunca conseguirá. Por mais surubas que você faça. O que vocês dois viveram é... algo invejável. Milhões fariam o impossível pra viver o que você viveu com a Mag. E você está simplesmente... jogando fora.
- Cansei disso tudo. Não quero ser especial.
- Quer ser só mais um jogado nos bares a procura de uma paquera one night only? Ou um bicho assexuado isolado de tudo?
- Quero ser o que eu quiser. Quando eu bem entender.
- Cara, calado. Seus argumentos se acabaram logo que você largou a Mag. Não seja estúpido em continuar com isso tudo.
Diego realmente precisava desse sermão.
Alguns dias depois, ao se levantar, em seu aniversário, Filipe recebe um dos melhores presentes de sua vida: Diego e Mag juntos novamente.
Filipe sabia que seu irmão tinha a necessidade de ter alguém pra chamar de “minha mulher”.
Filipe era o oposto, conseguia e gostava de viver sozinho.
Porém, as pessoas são diferentes. Alguns tentam amar, outros conseguem; outros não querem; outros fingem.
Talvez, seja errado se meter nas vidas alheias. Porém, é necessário quando a vida de alguém amado está em jogo. Filipe amava cuidar de seu irmão confuso. Diego era parte de sua vida, então, era certo que seu irmão tentasse mudar algo.

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