Não importava seu nome, origem ou objetivo. O que importa é
que mesmo após o ocorrido ele continuava não acreditando em destino. Obra do
acaso era apenas um grupo de coisas que aconteciam e geravam a ilusão de que
havia alguma relação direta entre os fatos. Coincidências do destino, pra ser
exato.
As coisas simplesmente aconteciam. Ele acreditava na
inexistência de uma razão espiritual para que as coisas ocorressem. “Nossos
destinos foram traçados para permanecermos juntos”, o escambau. As pessoas
se encontravam, separavam-se e/ou se reencontravam porque sim, não existia
“alguém” que fez com que aquilo acontecesse. Não, não “estava escrito”.
Porém, fato era que o fato o marcou e quase o instigou a
acreditar que as "armações do destino" eram reais.
Acabara de entrar na Estação Central e logo se encostou para
continuar a leitura do livro que ganhara de sua amiga na semana passada.
Basicamente, a história era sobre um jovem que cruzou com uma moça num bonde e
a lembrança desse encontro o acompanhou por muito tempo até reencontra-la em um
restaurante qualquer. O próprio protagonista do livro assumia que era bastante
racional. O leitor seguia o princípio de que magia não existia. Apesar de ter
uma mente muito imaginativa, eram coisas diferentes.
Saindo do livro, voltando uns dois meses na realidade,
naquela mesma estação-tubo, não exatamente no mesmo horário. O rapaz percebera
uma guria baixinha de cabelos ruivos (um laranja cobre artificial) acompanhada de um rapaz aparentando ser seu
namorado. Aí eles se beijaram e o nosso rapaz logo abandonou o possível flerte.
O ônibus veio, ele ficou entre as portas três e quatro, percebendo que o casal
se alocara próximo a porta dois. Horário de pico, tudo lotado. Ele mal
conseguia enxergar a moça, que possuía um olho meio verde meio mel bastante
chamativo. Ele sabia que a pequena não era possível, mas isso não o proibira de
se encantar. O ônibus balançava, as pessoas se agitavam e ele se contorcia todo pra
tentar enxergar a moça. Tanto que numa dessas, seus olhares se cruzaram e ela
soltou um sorriso que quebrou as pernas do rapaz. Os olhares se conectaram e
permaneceram assim. O sorriso da guria mirava todo cheio de beleza o moço.
E ele incrédulo desviou o olhar, disfarçou, retornou e a moça continuava sorrindo para
ele.
De volta a hoje, o personagem do livro estava a procura da
moça, tanto que a reencontrou. O leitor se contentou e sorriu para a cena que
acabara de ler. Com o canto de olho, percebeu pessoas passando ao seu lado.
Olhou para ver quem era. Ele sempre olhava. Eis que a moça ruiva do sorriso
distante estava ali sozinha a cerca de três metros dele olhando para a rua. Ele
voltou o olhar ao livro e explodiu internamente. Assustara-se com a grande
coincidência. Enquanto o protagonista do livro reencontrava uma mulher
encantadora, ele reencontrara outra. Fascinado, continuou a leitura atento aos
movimentos da moça. Começou a engolir as palavras rapidamente a fim de que
acontecessem as mesmas coisas tanto na ficção quanto em sua vida. E aconteceu:
ambas partiram.
Não ficou encantado pela grande coincidência do reencontro
ou pelo “a vida imita a arte ou a arte imita a vida?”. A ilusão das "obras do acaso" ainda inexistia. A razão de seu fascínio
era que ocorrera consigo um fato semelhante num livro que lhe agradava.
As duas histórias ainda não estavam encerradas.