2013/10/23

Como te fazer me notar

Observava-a desde que estavam no ponto esperando o ônibus e continuou com o canto d’olho cuidando da moça quando subiram no Interbairros I. Soltou um largo sorriso quando viu que ela tentou jogar sua lata de refrigerante no lixo perto da porta, mas havia um cara quase em cima dele, atrapalhando a meta da moça. O desconhecido com distraído em seus fones de ouvido ruidosos e  não flagrou o olhar raivoso da mulher querendo que ele saísse dali. Carlos riu da cena, mas logo mudou de face pra não parecer aqueles sorridentes carentes típicos de ônibus. A moça retornou a seu lugar, em pé, a uma pessoa de distância do rapaz.

No fim da tarde, ele e a moça subiam e desciam nos mesmos pontos, mas o tímido não conseguia chegar nela. Estudavam na mesma faculdade, o que facilitou para Carlos descobrir seu nome. Porém, ele optava por fingir não saber o nome dela para usar desse fato como introdução de diálogo se algum dia sentassem juntos nô ônibus.
Planejador que era, ensaiava como seria o contato entre eles. Sentaria ao seu lado na primeira oportunidade, perguntaria seu nome, reagiria como se já não o soubesse e pediria desculpas. Confusa ela perguntaria o porquê. Então ele contaria a história da noite que se cruzaram num bar.
Era o show de uma banda cover e Carlos só foi porque sua amiga o arrastara pra lá. No meio do show, a tal moça, que ela já vinha observando de outros shows e intervalos da faculdade, passou por perto e o fez perder seu rumo. O show não existia mais, por mais alto que o som estivesse. Ele, lotado de álcool e (consequentemente) extroversão, foi até a moça, encostou no seu ombro e soltou:
- Ô, meu, cê estuda lá na Opet, né?
Ela, soltando-se das mãos dele, com aquele desprezo típico para evitar bêbados, indiferente, respondeu olhando ao palco:
- Sim.
A cabeça do rapaz girava e ele tinha dificuldades pra focar no rosto da moça, demorou pra falar:
- Quê cê faz lá? - ele sabia a resposta, mas fingir não saber fazia parte de uma conversa que imaginara em sua mente alcoolizada enquanto ia em direção a moça.
A indiferença dela permanecia:
- Publicidade.
O roteiro improvisado de Carlos terminava aí, então tentou falar algo para manter o diálogo, mas ao olhar de volta para ela, a moça já não estava mais lá.
Frustrado, retornou sua atenção ao show e bebeu mais ainda. Não voltou a ver moça naquela noite.

Numa confraternização de dia dos Professores, estava hipnotizado com a quantidade de salgadinhos na mesa. Sua amiga na entrada da sala anunciou a presença de um colega de trabalho que estudava na mesma faculdade. Carlos simplesmente ignorou o desconhecido e continuou enchendo seu prato com salgados. Sentou-se e antes de mastigar uma bolinha de queijo,  percebeu que o invasor possuía companhia. Engasgou-se ao ver quem era a outra pessoa. Começou a tossir alto pra expulsar o susto. Ele esperava que ela não se lembrasse do diálogo que tiveram naquela noite alcoolizada. A moça pegou refrigerante, alguns salgadinhos e logo saiu da sala, deixando o rapaz querendo partir junto com ela.

Fosse a ocasião que fosse, a vontade dele era dizer:
- Moça, para, senta e me escuta. Eu não domino esse negócio de pegação noturna, flertes e “chegar nas gatas da balada”. Eu sei sentir, eu sei estar ao lado, eu sei me encantar por esses teus olhos, eu sei tanta coisa que pode te fazer feliz. Mas eu não sei como chegar em você nesses moldes que os caras utilizam por aí e que você já deve estar cansada de ver. Eu não sei ser espontâneo,  simpático ou extrovertido com pessoas desconhecidas, por mais que eu almeje contato. De você, quero tanto. Mas eu sou tímido e só consigo me soltar, mostrar meu ser, com uma quantia mínima de intimidade. Então, se liga, espero que sejas tão incrível quanto tua beleza consegue demonstrar, entenda minha dificuldade e aceite logo esse meu convite pra sair, que talvez seja o mais bizarro que já recebeste em toda sua vida. Eu sei que falando assim posso parecer louco, mas tô te mostrando meu eu sincero, sem aquela maquiagem de ego e pacote de mentiras que as pessoas costumam usar por aí nos flertes noturnos. Quanto mais te observo sentada no ônibus ou passeando pela faculdade, mais vontade tenho de te dizer o quanto me hipnotizas; o quanto quero teu olhos encarando os meus; o quanto quero falar que esse teu corte de cabelo novo mostrando um pedaço da tua nuca é de um encanto absurdo; o quanto desejo passar por aí contigo discutindo teorias da comunicação; o quanto quero sair ao teu lado em busca da cerveja mais barata do São Francisco; o quanto quero pegar o Interbairros I pra ir à tua casa; o quanto eu quero tanta coisa relacionada a você.

2013/10/20

Fim do talvez

Ele tentava se encontrar em tudo que ela dizia por mais que não tivesse nada demais para dizer a ele.
Eis que após inúmeros conselhos amigáveis, “cara, sai dessa, ela não vai te levar a lugar algum”, ele se cansou de se perder nesse vai e vem de tentativas frustradas de a encontrar. Decidiu parar de jogar. “Esse flerte não é pra mim”, confessou ao bêbado que pediu um cigarro, sentou-se ao lado e ficaram horas debatendo sobre mulheres, a extensão da praia de Ipanema e a origem dos nomes das ruas do Água Verde.
Ele tentava se encontrar nos desenhos dela por mais que não houvessem lembranças para ela retratar.
Ele sentava na sarjeta em frente a seu bar favorito pra ver a vida passar e falar sobre tudo. Na maioria dos casos, bebia pra se distrair e não pensar nos problemas e nas mulheres que perturbavam sua sanidade. Empecilho deste específico capítulo de sua novela, era que uma dessas moças transitava pela rua do bar diariamente. Ao invés de focar em seu copo de cerveja ou nas discussões filosóficas com os malucos da rua, ele se preocupava em olhar para cada pessoa que transitava por lã a fim de saber se era ela. Era ambíguo: ele queria ver a garota passando e apreciar sua beleza, ele queria estar atento pra desviar o olhar caso ela o percebesse.
Ele tentava se encontrar nos textos que ela escrevia por mais que não existisse história pra ser contada.
Ele não entendia como conseguia ser perseguido pelas memórias de algo que nunca existiu. A tal moça costumava passar por sua cabeça repetidas vezes por dia como se de fato tivesse feito parte da rotina do rapaz. Não, na verdade, tudo não passava de um flerte platônico praticado pelas duas partes.
Ele não queria mais saber dela se fosse pra continuar nessa besteira de só falar. Apesar de se sentir lisonjeado por estar presente numa mente alheia, ele não desejava mais só isso. Ele queria ação. Tanto faz, ele só queria parar de ficar parado. Passar um tempo com ela mesmo que fosse uma viagem de ônibus do Rebouças ao Centro Cívico. Não fosse assim, ele desceria na próxima esquina. Ao fazer isso, ele sentia uma faca enferrujada lhe cortando superficialmente a barriga. Corte suficiente pra sangrar. Sim, ele queria viver algo com ela e dispensar essa possibilidade lhe doeria certamente. Pensando bem, o que ele estava perdendo ao sair disso? Não dá pra perder o que não existe.
Momentos antes de anunciar sua decisão, começou a pensar em como ela lidaria com isso. Se ficaria triste, vingativa ou nem aí. Refletiu se não seria melhor deixar as coisas como estavam só pra não vê-la mal, queixando-se por aí, escrevendo manifestos de ódio contra o rapaz. Então percebeu que sempre seu altruísmo o impedia de dar rumos melhores para sua vida. Resolveu falar tudo e se jogar no barranco consciente de que as feridas surgiriam a qualquer momento de inúmeras facas.
Jogou-se no talvez quem sabe das instáveis ruas de sua vida e sabia que ela também não era uma exemplar condutora.
Certamente, ele sabia que cruzaria com ela por aí querendo ou não, mas estava certo que faria o possível para evitar a repetição de algo que não existia.

2013/10/14

Sensacionalismo

Prezada,

preste atenção,
ele preza muito pela tua companhia. O problema é que não sabe mostrar, não consegue dizer o quanto e o que quer. Não que ele não seja grato pela cumplicidade entre vocês dois, mas é que ele quer ampliar essa relação. Quer fazer crescer e dominar o mundo.
Ele se contenta com pouca coisa. Ele superestima qualquer demonstração de qualquer coisa. Ele romantiza (não só no sentido "romântico", é mais sobre as metáforas da vida, afinal ele tenta metaforizar sobre qualquer coisa) tudo. Um ato simples pode parecer algo grandioso pra ele. Um aperto na mão, um afago estendido nas costas, um abraço prolongado... Ao fazer isso, tua intenção talvez não seja gritar que o quer mais próximo, mas, pra ele, verdade, isso tudo pode aparentar a melhor coisa dos universos: vocês dois juntos.
Ele não sabe como dizer... Mentira, ele não CONSEGUE chegar e dizer “aô, moça, eu, olha eu aqui, eu quero você”. Ele sabe agir sutilmente, demonstrar aos poucos, subjetivamente clamar. Assim que ele começa a tentar qualquer aproximação, é bem claro que ele se desconcerta todo e deixa a oportunidade passar. Ele é todo atrapalhado pra tentar se mostrar. Ele começa a dançar com a labirintite e se perde todo. Ocupe o lugar de sua labirintite e o guie nessa dança tão esperada.
Você conhece muito bem o orgulho dele. Sabe que esse rapaz é teimosamente orgulhoso. Talvez por isso ele não consiga te dizer tudo. Mentira, o que o prende é o medo da negação.
Por fim, se você ainda não percebeu os sinais tímidos deste rapaz (Como não?) e compartilha de anseios semelhantes: Deixe-o saber.
Termina aqui o apelo de uma alma cansada (de querer e não agir).

(Escrito por Inácio)



"As pessoas querem pedras de diamantes, mas não correm atrás."
Aílton.

2013/10/13

... Tentar

Era um prazer o provocar. Parecia que ela conseguia entrar em sua mente. Coisas que ele não compartilhava sequer com as paredes de seu cubículo do sono, ela soltava por aí. Segredos que ele não mantinha, ela sabia. Mas ela evitava o rapaz. Ao menos parecia demonstrar que não o queria. Queriam só o flerte. Queriam só a distância. Queriam a contradição de querer, mas não agir. Não queriam andar. Caminhar e correr o risco de pisar em cacos de vidro (o que ambos eram: frágeis)... Não, era algo que dispensavam tranquilamente.
Ao mesmo tempo, necessitavam que alguém tivesse sensibilidade suficiente pra acariciar suas almas doentes.
Eram pessoas estranhas, de piras erradas e neuroses frequentes. E se atraíam por semelhantes.
Tanto se atraiam que a força se fazia contraditória e os repelia pros cantos errados da cidade.
Era um vai e volta de sinais desfocados escritos em nuvens explodindo no ar. Quero você, vem, te quero, afundemos juntos, senta do meu lado e vejamos tudo ruir etc. Mas ninguém fazia questão do mais importante: Falar e fazer.
Até que um dos dois se cansou dos flertes platônicos.
Esperou-a em seu ponto de ônibus sem a avisar antecipadamente. Ela acabara de sair da faculdade e só pensava em chegar em casa, qualquer coisa e desabar no sofá pra continuar suas leituras. Distraída com a música que levava sua mente a um palácio onde estava tudo bem, ignorava os errantes que circulavam naquela região de shopping e escolas. Até que ouviu:
- Você tem duas opções: ou foge de mim ou foge comigo.
Assustada, congelou. Tentou emitir a resposta, mas ela não era daquelas pessoas que sabiam improvisar nas falas. Ela não ensaiara nada pra dizer a ele pessoalmente. Surgiu-lhe um sufoco no peito. Misto de vontade de gritar, explodir, correr, abraça-lo, tudo junto. As pessoas do ponto os encaravam, mas os dois tornavam inexistente qualquer presença alheia naquele lugar.
Mesmo com tanto tempo de jogo, eles não sabiam como prosseguir. Se havia um manual, eles o trocaram por um livro qualquer.
Ela não sabia o que responder. Ele não queria mostrar os dentes ao sorrir pra evitar que outras coisas lhe fugissem (um grito, um abraço, um "responde logo e vem" etc), mas só a largura do sorriso tímido já mostrava que ele queria sair correndo dali. Correr com ela.
E foram. Sem palavras.
Ela não respondeu com palavras. Acenou para uma direção, então ele a pegou pela mão e foram.

Sem saber. Com o sentir.

2013/10/03

Incomunicáveis

A liberdade de falar o que quisessem era bastante ampla, mas um assunto era censurado pelos dois: os dois. A viabilidade de que existisse o termo “nós” entre eles não entrava em pauta nos extensos diálogos.
As pessoas diziam que os dois eram namorados exemplares no sentido de serem livres e independentes. Era admirável que eles não demonstrassem serem namorados, que eles conseguissem não andar colados o tempo todo, mas todos não sabiam de toda a verdade. Todos estavam errados.  O que era livre e saudável era a amizade entre ambos, eles se davam muito bem e não havia impedimentos para serem sinceros e reais um com o outro. Mas o tal namoro aparente almejado pela audiência era inexistente.
Se fossem oniscientes, saberiam que eram reciprocamente apaixonados, mas preferiam esperar que a outra parte dessa relação se pronunciasse. Ambos morreriam na praia se continuassem assim afogados em vontade.
Ele era todo pragmático e ensaiava métodos para expor o que queria (os lábios dela, mas que a liberdade entre os dois se mantivesse): Ficar bêbado junto com ela e aproveitar a espontaneidade para falar a verdade; escrever uma poesia e colar no ponto de ônibus onde ela passava diariamente; aproveitar um abraço de despedida e emendar um beijo ou escrever um conto imaginário que ninguém fosse ler confessando tudo para ela.
Ela era toda silenciosa para expor suas intenções com qualquer pessoa. Confabulava sinais que ele pudesse entender: Aproveitar brechas alcoólicas para explanar sobre o quão compatíveis eles são (por mais que discordassem em muito, entendiam-se e aceitavam as diferenças); aproveitar um diálogo sobre romances para dizer (enquanto mirava a luz da rua e acariciava seu próprio cabelo) que queria se apaixonar; pronunciar a ele que almejava a felicidade do amigo com quem quer que fosse a garota que estivesse no coração dele ou contar sobre os caras que conhecia na vida só pra que ele se sentisse provocado.
Ele iniciara o ano sem metas, numa vibe pessimista, mas com o passar dos meses prometeu a si mesmo que na próxima festa de réveillon diria: “Esse ano, não encontrei a mulher pra me fazer bem, mas tive coragem pra chegar naquela que conheço há tempos e dizer que era ela quem me fazia um homem melhor, por mais que eu tenha demorado quase cinco anos pra dizer isso.”
Ela dizia que queria se apaixonar em 2013, que cansara de tantos casos, mas descobriu que já estava apaixonada há tempos. Fossem pelas frases disléxicas, pelos sonhos megalomaníacos ou pelo sorriso tímido, ela estava encantada por ele.

Eles não sabiam como dizer, nem se deviam. Era um risco a ser tomado. Dizer tudo e (1) inaugurar um romance ou (2) arruinar uma amizade. Eles tinham medo. Ah, se eles soubessem que queriam a mesma coisa, tudo seria mais fácil, mas não haveria a sensação de conquista se a dificuldade em soltar a verdade não existisse. O alívio da confissão e a permissão pare serem mais livres entre si era algo que os motivava a tentar falar. Mas, por mais que falassem sobre tudo, eles não sabiam como dizer.
Ele não se preocupava mais em esconder o encanto que sentia por ela. Ela não se importava em ocultar que a presença dele era precisa. Estava tudo muito explícito, exceto as palavras.
Não era paixão, não era amor. Nada seria enquanto ficassem calados.