2014/11/26

Te amo e ponto final

- Você me ama?
- É você quem está indo embora.


Um tiro no meu peito. Tua ausência deixou um rombo no meu peito. Derrubou-me. Doeu… Passou. Voltou como simples saudades. Como se fosse possível encaixar simplicidade na saudade...
Dormi antes dos trinta minutos de filme. Sei que você e esse teu culto por filmes franceses ("por mais que não sejam mais tão vanguardistas, originais ou encantadores, destruidores, comparados aos de trinta ou quarenta anos atrás", como você dizia) odiavam quando eu fazia isto, dormir no meio da sessão.
Cê fazia questão de assistir atentamente para captar, em meio a possíveis falhas, algo para que pudesse ser citado depois como algo típico de tal artista. “Isso é muito Garrel”, disse uma vez enquanto eu caía no sono durante não me lembro qual filme, e nunca soube se era do pai ou do filho (ou do avô?) que você falava. Aliás, ouvia tal nome e não fazia ideia do que se tratava, até que resolvi afogar a saudade em coisas que você gostava.
Justamente por isto, essa tua paixão, preferia não ver filmes contigo. Não era minha área. Não era. Agora é, acredita? Depois que você se mudou e não mais retornou minhas ligações, mensagens, cartas, indiretas etc, decidi guardar o que sentia por você numa caixa, onde encontrei aquela lista de heartbreaking movies que você tinha me dado mesmo sabendo que cinema não era meu forte. Ao lembrar do tanto que falava desses filmes, resolvemos, eu e meu coração destroçado (“oh, broken hearted hoover fixer suckergirl), riscar os itens dessa lista aos poucos. Não vou te dar o prazer de te falar como fiquei no final, Elise, mas você deve suspeitar.
Na tentativa de me convencer a entrar no navio Cinefilia, antes mesmo da tal lista, quando ainda estávamos juntos, quer dizer, daquele jeito que estávamos, toda sinopse de filme que você me indicava tinha alguma situação problemática, trágica ou qualquer outra coisa que pudesse destruir o coração tanto de personagens quanto da audiência. Eita masoquismo desgraçado, hein...

“Cara super galã nesse filme e você capotada, roncando”, argumentou você, como se os traços físicos “belos” de alguém fossem me manter acordada. Aquele cara era só físico, fazia sempre a mesma cara em cena. Versão masculina de Seydoux, Browning, Stewart e cia. Você ainda exalta a Seydoux, será? Preguiça dessa mulher fazendo aquela adolescente apática. O que lembro hoje do dia em que vi contigo tal filme, que só captei diálogos interessantes pra serem guardados no meu caderno de frases depois, na segunda vez que o assisti, era você largado no canto oposto ao meu, com uma das pernas sobre o braço do sofá, mexendo na barba. Aliás, ainda tem problemas pra fazê-la crescer? Conseguiu vencer tua ansiedade? Eu não estava ali, parecia, eram só você e o filme. Acho que foi por isto que acabei capotando nos braços de Morfeu, me senti abandonada. Quer dizer, pensei isso até você, que até então estava com a cabeça apontada pra direita, mudar de lado, e repousar seu cofre de pensamentos sobre a minha coxa, como se eu fosse um travesseiro. Ah, como quis ser teu repouso. Por muito tempo. Muito tempo. Mas tempo é relativo, né? Naquela época, quando partiste, foram tempos pra te esquecer, digo, esquecer que te amava, esquecer que desejava tua presença eternamente. Pra sempre, quem sabe. Nah… Hoje percebo que, observando a situação de longe, muito longe, nem foi tão demorado assim superar tua ida. Consegui, porém, superar apenas tua ida, não tuas marcas em mim. Cortes fundos na alma.

Parabéns, graças a tua ausência, aos poucos, me transformei cinéfila. Muitas horas de filmes em casa, sozinha. Demorei pra entender que as maratonas eram pra preencher a falta que você me fazia.
Depois de tanto tempo afinal, percebi o quão você era sádico para relacionamentos. Reais ou representativos. Pra você, “a vida imita a Arte” é quase uma filosofia de vida. O contrário também. Gostava de se enxergar filmes, músicas, séries, pixações, pinturas etc etc. Parece que você só existia quando se via em outra coisa.

Um tiro no meu peito. Tua ausência deixou um rombo no meu peito. Derrubou-me. Doeu… Passou?

Não sei se você ainda lembra de mim como uma pessoa que esteve na tua vida, no teu coração, na tua cabeça, por um longo tempo ou apenas tem cravada na mente a recordação de uma pessoa que não quer reencontrar. Mas, saiba, ainda te amo. Não aquele amor que a gente costumava definir, como era mesmo? Nem lembro mais. Não que não tenha sido importante, a definição ou o sentimento em si, mas o espaço que tua ausência criou foi se ocupando aos poucos com novos vícios, novas distrações, paixões, o que seja. Ainda te amo, mas te amo pelo o quê você era (não posso te amar pelo que é hoje, pois não sei), pelo bem que me fez, pelas experiências que vivemos juntos, pelo encanto dos teus olhos, do teu carinho, do silêncio, que ainda me visita de vez em quando mostrando que os pontos no meu peito podem estar a um encontro de romper, explodir, e deixar sangrar novamente tudo. Te amo e...
Não, não tente me encontrar, stop!, não existo mais. Aquela pessoa que dormia, no sofá, no cinema, onde fosse, ao teu lado só existe em lembranças, mas você talvez você consiga abrir meu peito e encontrá-la, resgatá-la, ou reproduzi-la num conto, num filme.

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