Não é mais uma história sobre um amor platônico, apesar de ser uma história sobre um amor platônico, é mais que uma história sobre um amor platônico: é um afogamento. Afogar-se e ainda querer mais o que lhe mata em seus pulmões do que ar. Nem 500 dias com ela nem 500 dias de verão: primavera infinita até a flor morrer sem sol.
Sua experiência com flores era curta. Sua mãe cultivava avencas e cactos. Gostava de ajudar a mulher a regar as plantas. Nos idos de seus turbulentos quinze anos, teve um cacto, herdado de sua progenitora, que morreu de sede. O cacto, não a mãe. Na mesma época, talvez, quando aprendeu que a internet era um imenso antro de futilidades, descobriu, num teste online, que o copo de leite era sua flor. Não discordou, ele e sua mente superficial, já que adorava beber leite. Bebeu tanto que não bebe mais, desenvolveu uma não-oficialmente-diagnosticada intolerância a lactose. Na vida adulta, ganhou, em duas ocasiões diferentes, de duas pessoas distintas, flores cujos nomes ele não sabia. Secaram, amarelaram, morreram, foram guardadas, uma dentro uma carta dobrada; outra, num livro.
A delicadeza das plantas e o medo de machucá-las o assustavam, criando a distância. Um apreço distante. Foi então que, depois de se afundar em outros mares, caiu sem querer num oceano de margaridas. Foi puxado a força. Nada contra tinha contra essa flor apenas antes não encontrara encanto suficiente naquelas pétalas brancas para que decidisse se afogar nelas. Até que uma onda o derrubou.
O amarelo, no rosto da flor, estava enegrecido, mais castanho do que amarelo, machucado. Miolo, pétalas, caule, raiz e todas as outras partes das flores ensinadas nas aulas de Biologia enquanto ele matava aula possuíam uma profundidade encantadora. “Quero me afogar”, repetia a si mesmo. Não havia pólen no miolo, apenas magnetismo. Uma explosão magnética ocorria toda vez que passava por perto daquela camomila. Um jardim de encanto. Sabia ele que, apesar do chá de calmaria recente, a planta já passara por um caldeirão de água quente e tormentas. Não conhecia todo o histórico, mas entendia, pois frequentou infernos parecidos.
Com o passar do ano, descobriu que margarida não era uma só, era plural. Muitas flores dentro de uma só. Não teria problema em lidar com mais de uma margarida, já que era cacto dentro de cactos. Uma matrioska de espinhos cheia de feridas internas feitas por si mesma.
Observava, de longe, a gradeza da margarida e quis afagar, sentir, até que seu olfato conseguisse reconhecer apenas o cheiro daquela flor. Queria profundir aquele aroma em todos os cantos de sua existência.
Havia um abismo de encanto dentro e fora dela. Talvez nem ela soubesse disso.
Acreditou que sua antiga amiga fosse atrapalhar o relacionamento, porém ela, a rinite alérgica, manteve-se quieta. Descobriu que não era alérgico. Contudo, calma, nem tudo são rosas: a margarida era alérgica a ele. Despedaçou-se sozinho.
Lembrou-se dos caracóis que um parente mantinha num canteiro de flores mortas de um apartamento no Cabral. Era ele, uma lesma, deixado em barro seco sem conseguir alcançar a margarida no jardim no primeiro andar. Arriscaria se jogar do décimo segundo se a Margarida não tivesse seu caule destruído com o impacto.
Depois de um período de contemplação, foi buscar outro jardim para esquecer a Margarida. Viveu se afogando em flores, olhares e carinhos até secar e virar adubo.