2015/07/27

Lonely People 13

Quando rotas colidem ou o passado retorna


Acordou atrasado e tinha apenas quarenta minutos para tomar banho, arrumar-se, comer e sair. No meio da lavagem, começou a pensar numa história. Mal se secou e correu para cadeira a fim de redigir, no mínimo, um parágrafo do que recém lhe surgira em mente. Gastou o tempo restante que tinha para isso e partiu rumo ao jornal. Lá pela segunda hora de trabalho, perdeu a concentração de tanta fome. Atravessou a rua para pegar uns pastéis; dois de queijo para ele e um Romeu & Julieta para sua chefe. Acostumado a ser atendido por um simpático senhor, estranhou a moça de touca branca na cabeça e avental preto, atrás do balcão. Após fazer o pedido, Jean ficou observando a televisão, que reproduzia comerciais, até que a atendente, com muita simpatia, tentou puxar assunto, obtendo dele as respostas “sim”, “não”, “do outro lado da rua”, “sim, conheço” e nada mais. A fome impedia o rapaz de demonstrar simpatia ou interesse. Despediu-se com um ligeiro "tchau, obrigado" e foi correspondido com um largo sorriso. Voltou à redação e engoliu o lanche como se fosse sua última refeição em vida. 
Ágata, a moça atrás do balcão, estranhou a aparência jovial, apesar de um rosto repleto de barba e cansaço, do novo cliente, em um lugar frequentado por pessoas mais velhas. Sem saber nome ou idade do rapaz, no entanto, gostaria de vê-lo mais vezes. Ela demorava para perceber se estava ou não encantada, romanticamente falando - ou não, por alguém, mas queria que o desconhecido retornasse para, no mínimo, tentarem cultivarem uma amizade, enquanto seus pais ou Marli preparassem comida na cozinha.
Conversando sobre aleatoriedades com os colegas de jornal, descobriu que o restaurante do outro lado da rua oferecia também um pequeno bifê durante o almoço, a um preço baixíssimo, gerando no rapaz a curiosidade - e a nostalgia das refeições a seis e cinquenta no boteco da N. d. J. - para almoçar ali qualquer dia desses.  Num dia de compromissos bancários antes do trabalho, Jean chegou mais cedo e foi descobrir se o tal almoço barato despertaria no rapaz a vontade de repetir diariamente, enquanto permanecesse em Curitiba, tempo indefinido. Sentado num canto qualquer, mastigando uma salada de berinjela, observou o simpático senhor no caixa conversando com uma mulher morena, magra, de altura mediana e olhos castanhos, que iluminavam o lugar. Ela se despediu do velho e caminhava em direção à porta da rua. Quando viu que alguém a encarava e identificou quem era, acenou um breve “tchau” acompanhado de um tímido sorriso. Error 404, tela azul, Jean travou, com a boca entupida de berinjela, atingido pelo gesto da bela moça, tentando relembrar de onde a conhecia. A memória do rapaz demorou para assimilar que a dona dos castanhos era a mesma moça atrás do balcão que trabalhava ali. Um avental no corpo e uma touca na cabeça são capazes de ocultar o mesmo olhar que o nocauteou no segundo encontro ao acaso dos dois. Ele ficou com aqueles olhos castanhos em mente até a hora em que foi soterrado de trabalho. Morte de um líder religioso, pesquisa sobre varejo municipal, previsão do tempo para o fim de semana, novas alianças políticas estaduais e show de uma cantora estrangeira em diversas capitais brasileiras no mês de setembro. Tudo isso em menos de meia hora.

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