O sufoco no meu peito e a tremulação nas minhas mãos eram só uma parcela de tudo que sentia a cada passo mais próxima de você, fumando câncer na entrada do terminal, procurando alguma coisa do Fincher na seção de DVDs daquela livraria onde você segurou minha mão pela primeira vez, lendo seus existencialismos em algum banco de praça ou contando estrelas naquele terraço, que - para mim - era nosso lugar secreto, um canto só nosso, por mais que fosse público. Odeio lembrar dessas coisas e de tudo. Você alvoroçava minha ansiedade ao chegar, quão mais perto você ficava, mais ar me faltava, e me deixava mais inquieta ainda ao se distanciar do ônibus após nos despedirmos. Não sabia lidar com sua presença nem com a distância, as duas me machuca(va)m - de maneiras diferentes, que fique claro. Quando você e sua mão quente acariciavam a minha, trêmula e gelada, me dava vontade de gritar “me deixa! não quero que você pule o muro para o meu jardim de intimidades… e fraquezas … e tudo o que existe em mim! quero você longe”. Quero. Você. Longe. Isso resume tanto um perídio de nosso romance. O que de fato me feria com a sua presença era o medo de ter alguém mergulhado de corpo inteiro na minha vida. Parece besteira, mas me desespera(va) ter alguém tão próximo a ponto de saber tudo o que se passa(va) comigo, que conseguisse vasculhar minha bagunça interna. Por outro lado, não ter sua presença me levava a um pântano de ansiedade maior que minha confusão, em que a saudade se entrelaçava em minhas pernas, me puxava pra baixo e enchia meus pulmões com passado, e, quanto mais eu me mexia, quanto mais eu desejasse novas vivências, novos encontros, mais eu me afundava.
Entre me afundar em angústia e me afogar em você, escolhi o caos mais tranquilo, por mais intranquila que eu pudesse ficar ao seu lado no início, decidi que andarmos de mãos dadas em direção ao ponto mais profundo do amor seria o melhor a ser feito. Me acostumei com seu corpo ao lado do meu, que foi ficando menos agitado a cada novo dia. Foi o melhor caminho. Foi. Fomos um oceano de tudo e agora resta somente um lago de passado, do qual eu corro para longe cada vez mais.
Nossas vidas à parte eram instáveis em diversos núcleos e você expôs tudo para mim, sem censuras. Não sei como, mas você tinha entendido que essa recíproca era inviável, que nunca me abriria tanto quanto você. Acontecia muita coisa comigo, um emaranhado de pontas soltas aqui dentro, você sabia, e não havia jeito possível de você resolver. Eu não tinha uma vida dupla nem assassinei meu primeiro marido ou coisa parecida, não, era apenas auto-defesa para ninguém entrar no salão onde guardo todas as minhas porcelanas. Quando seu castelo familiar desmoronou, você recorreu ao meu socorro como se eu tivesse estrutura suficiente para te servir de apoio. Mesmo assim, te acolhi, lembro muito bem, você me ligou perguntando se podia ficar na minha casa por um tempo, “quanto tempo?”, perguntei, “não sei, talvez bastante”, foi sua resposta numa voz fraca e melancólica, então você chegou e chorou no meu colo até desmaiar de tristeza ou sono. Anos depois, a tristeza e o sono continuavam no meu apartamento, e criaram laços afetivos com meu sono e minha tristeza. Viveram em harmonia no apartamento que se tornara nosso. Sua depressão, que apesar de sua abertura para expor seus problemas, levou tempo para ser assumida, mas, ah, eu sabia (ninguém “normal” passa uma manhã inteira deitado, de olhos abertos, encarando a janela como se algum pombo-correio fosse aterrissar carregando uma resposta para tudo). Semelhantes se reconhecem de alguma forma.
Nunca encontramos um campo suficientemente estável para repousarmos isentos de nossas desgraças, sempre passamos por morros pedregulhosos, mares tormentosos, nenhum lugar tranquilo. Quando não era a minha instabilidade que nos derrubava, era a sua, era difícil suportar tudo, ficava cada vez mais difícil, mas continuávamos juntos. Continuamos por um tempo maior do que nossas fraquezas eram capazes de aguentar, cada vez mais quebrados íamos ficando, talvez o tal do amor nos deixou mais fortes… A quem quero enganar? No máximo, o maldito do tempo nos tornou apenas mais pacientes… Ou dependentes. Tento não definir “dependência” como algo ruim em nossa história, a rotina estraga as pessoas, sim, mas, de certa forma, precisávamos um do outro todo para lutarmo contra vilões invisíveis. Precisávamos de uma distração, um alívio, para nossas dores. Sabia que você não chegaria em casa com uma caixa contendo todas as ferramentas para me consertar, porque, afinal, sabíamos que era impossível de resolver meu quebra-cabeça, o seu também, mas o simples fato de eu estar jogada no sofá, soterrada pelo peso da existência, e te ouvir abrindo a porta, te ver com o mesmo rosto cheio de cansaço de sempre, sentir seu abraço ofegante, você já me deixava melhor (ou menos mal).
Essa coisa de “opostos que se atraem” não funcionou com a gente em relação ao pessimismo, éramos iguais não só na depressão. Na verdade, chega a ser uma redundância se identificar como uma pessoa pessimista e depressiva, porque nunca consegui me desfazer destes óculos que uso há 14 anos, que enxergam desgraça, angústia, ansiedade e tudo que há de ruim. Deprimida, depressiva, até hoje não procurei pela nomenclatura correta, muito menos pelo tratamento médico necessário, a desmotivação e o medo de depender de remédios me afastam disso, me prendem em casa.
Não gosto de falar sobre isso tudo tanto quanto parece, mas estou nisso há tanto tempo que não tenho mais forças para tentar escapar, apenas convivo com a dor, com o sufoco no peito, com a tremedeira nas mãos, com os variados e constantes mal-estares - tanto físicos quanto psicológicos… Tantas coisas presas na garganta que algumas escapam em forma de palavras e expressões.
Enfim, sou incapaz de ignorar os momentos felizes - ou não tão melancólicos - de nossa jornada, porque, apesar de poucos, se comparados aos momentos de silêncio e distanciamento - mesmo que lado a lado-, foram muitos. Você sabe. Tudo. Queria escrever um relato mais aprofundado de nosso caso, mas tenho um compromisso com o escuro e a amargura da solidão. Você se foi justo quando desmoronamos como nunca antes, não tinha volta, independentemente do que fizéssemos, chegamos ao nosso limite, muito além de nossas expectativas no amor. A vida segue e nos prende a seu fluxo mesmo que não haja força em nós para seguir. Você se foi e...
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