2015/05/30

Sem título I - II


- Você quer ficar aqui? - Guiei minha mão a fim de encontrar a sua, apertei-a, com todo o carinho que havia em mim, não era pouco, e continuei - Porque não te obrigo a ficar, nunca obriguei, e não precisa me esperar dormir. Seria mais fácil, com certeza, e também um ato muito covarde. Não que eu não queira te ver mais, ainda é cedo pra querer te ver partir, pra te odiar, não! Apenas não, não agora nem quando eu acordar e te ver roncando do meu lado. Mas não sou apenas eu que decido, você… - Neste momento, senti sua respiração ofegante se intensificar, deixei de apertar sua mão e procurei seu rosto, que esboçava um sorriso. - Você quer sumir ou continuar aqui?
- Quero! Quero ficar aqui roncando enquanto você me chuta enquanto sonha que briga sem forças nem mira com alguém que você desconhece. Sei que nossa usina hidrelétrica ainda tem muita força, até transborda de tanta água.
- Não tenho medo de afogar nesse lago sem fundo… - E me joguei sobre seu corpo inofensivo num abraço demorado.Por mais que gostássemos desses diálogos cheios de figuras de linguagem, as músicas enfim já nos rendia ao conforto do silêncio. Mesmo que na escuridão, mesmo que ele não conseguisse me enxergar, sorri. Logo caí para meu lado da cama e comecei a me afundar em uma sonolência pesadamente confortável. Superheroes of BMX começou e a última coisa que me lembro desta noite foi um beijo atingindo minha testa e um “boa noite” que interpretei como um código para entrar no salão onde Morfeu e Hipnos realizavam seus encantos.

2015/05/28

Sem título I - I

Quando dormíamos juntos, era habito ouvirmos musica até o sono nos derrubar. Numa dessas noites, em meu quarto escuro, entoando canções para evocar Morfeu, ele trocou, com meu consentimento, de uma música recém iniciada para a próxima, em busca de uma aleatória mais hipnotizante. A luz do celular permanecia ligada, iluminando nossos rostos cansados - mas ainda assim profundamente apaixonados. Acariciou lentamente, com as costas de seu indicador, a cicatriz da minha boca, aproximou seu rosto do meu, trazendo seu calor constante, e nos beijamos rapida e delicadamente. De volta a seu travesseiro, que era meu, mas a posse poderia ser reavaliada devido ao seu cheiro impregnado, encarava-me, sério, reflexivo, enquanto a luz insistente ainda me prendia ao olhar daquele que ali, ainda suado, interrompeu o silêncio: 
- O amor, o nosso amor, é igual essa luz, apaga, acaba, mas, ao contrário do celular, não tem como a gente programar com precisão quanto tempo isso tudo, a gente, vai durar. - A luz já havia dado lugar ao escuro logo no início do monologo, mas demorei a perceber por estar presa ao que ele falava. - Talvez demore muito tempo, num tempo que em que minha calvície já tiver invadido minha cabeça, ou talvez você acorde daqui algumas horas e eu já não esteja mais aqui.
Calou-se, como se procurasse mais palavras, mas, como o conhecia há tanto tempo, sabia o que esse silêncio significava, emudeceu tempo suficiente para me dar voz, e perguntei:
- Você quer ficar aqui? - Guiei minha mão a fim de encontrar a sua, apertei-a, com todo o carinho que havia em mim, não era pouco, e continuei:

2015/05/18

carta para novos e velhos amores (rascunho perdido)



Um último brinde antes mais uma de tuas partidas. Partiu meu peito em incontáveis pedaços e agora parte novamente aonde quer que tua liberdade aponte - não abomino seres livres, não mais, porém me machuquei ainda mais nesse vai e vem, traumatizei. Vai e volta, se quiser, mas não me espere aqui. Poderei estar em qualquer lugar. Quem sabe? Jogo na tua frente uma sacola cheia de motivos para você sair e não mais retornar. O mais pesado deles seria, creio, eu, minha instabilidade. Acertei? Ou minha mania de priorizar o escrever ignorando o agir? Toma esse último gole comigo antes que a saudade repouse sobre sua língua e te faça regurgitar o desejo de ficar aqui comigo nesse barco superlotado de memórias fadado ao naufrágio no mar da desgraça. Não embarque, não é saudável. Em nossa viagem, a carga mais constante foi nosso platonismo presente, você sabe, e, antes de sumir, me ajude a jogar isso tudo fora antes que nos afundemos em nada. Bebe, que seja num gole só, para queimar qualquer resto de empatia entalada em sua garganta. Bebe e vai viver tua vida, fazer tuas coisas, abraçar novos e velhos amores (exceto eu, se é que me amou ao menos por um minuto durante o tempo que nos perdemos juntos, o nosso tempo), inebriar-se de algo que não seja minha corrosiva, pessimista, contagiosa e inflamável presença; e, ao menos que seja de fato uma pessoa masoquista emocional, sentimental, passional, enfim, não volte. Viva e morra como e com quem quiser e se esforce para não lembrar de mim quando ver um filme, atravessar uma avenida, entrar em uma loja, embriagar-se no São Francisco, visitar um museu, seguir o vento com uma bicicleta, amar novamente etc.

2015/05/12

Pronto-socorro

A terrível doença crônica conhecida como Amor que vai e volta matando cada vez mais durante o processo ou O relato estúpido sobre alguém ainda mais estúpido

O câncer que havia desaparecido retorna para atormentar um ser, assim era ele: uma desgraça. Daquelas pragas que retornam ao jardim no momento em que todas as flores se recuperaram. Não foi a primeira vez - nem a única e não seria a última - que a seguinte história ocorreu. Era vício. Não espere uma história romântica, isto não passa de repugnância.
Entre espirros e antialérgicos, fungando seu nariz cheio de rinite, ele tentava se reaproximar de/redimir-se com a pessoa que ele mesmo afastou.. O distanciamento, por vezes, se deu por causas líquidas, má digeridas, que se esvaiam sem atrito suficiente para se prender à razão. Ele não se machucava a ponto de procurar o pronto socorro do coração partido. Cismas bestas, nada além disso, que fizeram a outra pessoa acreditar que era o pior ser humano, que fez algo imperdoável e era fortemente odiada, mas não, apenas uma grande injeção de orgulho misturado com teimosia e precipitação. Ele não calculava o estrago que um impulso imbecil pudesse causar na relação com a outra pessoa, só se distanciava. Destruía de longe, assim como o general que ordenou o ataque à Hiroshima e Nagasaki, o que ele mesmo construiu em conjunto com a outra pessoa ao longo dos últimos meses. Seu sado masoquismo nada físico atingia o auge conseguia machucar a si mesmo e, simultaneamente, a outra pessoa, até mesmo a previsão ou ilusão de quebrar corações (incluindo o seu próprio) agradava este setor setor estúpido de seu ego.
Sado masoquismo emocional e contradição, maiores manias indesejáveis. Se ele te disse, ao menos uma vez, impondo a voz, que era a favor de ou contra algo, como, por exemplo, ciúmes e relacionamento aberto, aguarda... Ele vai se contradizer hora ou outra.
Por uma perspectiva otimista, o lado bom disso tudo é a ausência de violência física. O máximo que ele conseguia fazer era derramar-se em textos como este para destilar seu rancor.
No fundo de sua imensa profundeza, ele nunca quis partir. A palavra "nunca" não era aplicada em suas sentenças se não fosse pura verdade, assim como "eu te amo" etc, pureza maior que a do Cristal de Heisenberg. A cisma e o impulso o influenciam há tempos a encarnar uma persona rancorosa, pessimista, vingativa e incapaz de ser amada, porém, não que ele não tivesse esse perfil, longe de serem suas mais notáveis características. Carinho, afago, silêncio… Como este não é um texto para exaltar possíveis qualidades de alguém, mas para simples difamação positiva, relembramos que reações impulsivas causam um estrago enorme.
Não gostava de destruir coisas, pessoas ou sentimentos, mas destruía. O dom que não aceitava.

Pensava no filme Tatuagem, na tatuagem do filme Tatuagem e da tatuagem que faria nas costas quanto atingisse certo tempo de relacionamento com a outra pessoa. Apesar de imediatismo no café da manhã diariamente, também se alimentava com o depois. No quarto de livros, no quarto de felinos, nos encontros comemorativos em [local sigiloso] num dia da semana específico, no nome da primeira filha e nas férias conjugais em que ele iria à Suécia; ela, a algum lugar que o rapaz não conseguia resgatar de conversas passadas, e encerrariam o período de afastamento na Pont Neuf.

What it all / what it all / could be / with you”, cantarolava ele sozinho silenciosamente perambulando por um corredor específico da biblioteca pública, enquanto mais um cigarro indesejado caía sobre seu peito, na esperança de ter o acaso ao seu lado mais uma vez para encontrar a agora novamente estranha. Sentia, em vão, a presença da outra pessoa em diversos lugares, mas nada. Nada dela. Nadava ele em lembranças daqueles malditos lugares. Nem a coincidência queria mais ajudá-lo. Ou era o movimento de translação da terra, que, em seu período anterior, gerou rotas de colisões mais precisas. Não acreditava em destino, obra de Deus nem em si mesmo para tentar reverter a infeliz situação.
O bilhete daquela viagem venceu e não havia blowjob suficientemente recompensatório para que ele permanecesse naquele trem. Teria que conviver com os souvenires. O folheto da peça que viram juntos, guardado em saco plástico na caixa de lembranças; a pintura dadaísta feita no verso de um cupom fiscal, pendurada ao lado da prateleira de romances trágicos; a peça de xadrez furtada da galeria do TUC, servindo agora como peso de papel para jornais literários, que também faziam-no lembrar da outra pessoa;; a propaganda da garota de programa Ashley, dada por um andarilho do Passeio Público...
Muitas recordações maiores que ele mesmo. Pesavam, doíam, corroíam, mas eram consequências merecidas para alguém tão imbecil que impediu a criação de novas experiências. Ele era digno de toda melancolia que lhe invadia.

Sobre a sétima palavra do subtítulo, é meramente ilustrativa, a fim de resumir o que ele sentia (ou ainda sente), mas não serve para assumir que era o que realmente corria em seus vasos sanguíneos, porém não pode se descartar a existência de tal praga, digo, sentimento.
Não pretendia ele apelar ao perdão da outra pessoa, caso, hora ou outra, constatasse estar arrependido, que ainda queria viver (ou, ao menos, tentar) “algo” com ela. Sabia que desculpas não seria suficientes. Deveras orgulhoso para afirmar redenção a tal vontade para pedir mais uma chance. Mas, quem poderia adivinhar?, como se trata de uma pessoa impulsiva, talvez, quando menos esperarmos, ele faça alguma coisa para dizer o que quer - ou o que não quer, contradizer-se, levar suas declarações mais a sério… Possibilidades.
Queria ser condenado a ouvir tudo o que a outra pessoa tem a reclamar sobre ele. Tudo.