A história que eu não escrevi
(Teoria das cordas e as bifurcações ora almejadas ora indesejáveis da vida)
(Teoria das cordas e as bifurcações ora almejadas ora indesejáveis da vida)
Parte I
O término
Sentamo-nos no banco da praça, que já estava acostumado com nossa presença semanal. Firmei minhas costas no
encosto de modo tão rígido quanto minha decisão. Não dava mais.
Quase desisti quando nos abraçamos. A ansiedade de executar
meu plano somada a angústia do seu atraso me fazia roer as unhas e arrancar os fios da barba. Ela enfim chegou me lançando de longe um olhar que demandava perdão. Seus olhos castanho-claros brilhavam e me hipnotizam.
Acelerou o passo conforme se aproximava e disse que antes que eu surtasse, ela
queria me mostrar um negócio. Tirou da bolsa um presente e me estendeu. Parecia
que havia me dado uma facada. Doeu-me ter gostado da lembrança pouco antes de
eu dizer que não queria mais ficar com ela. Dei-lhe um abraço como se fosse o
último. Era o plano.
Depois de um diálogo sobre como nossos dias haviam se
passado até então, ficamos observando em silêncio uma criança correndo pela
praça carregando um sorvete numa das mãos e uma guia com um cachorro maior que
ela na outra. Logo dois adultos correram atrás do pequeno ser gritando para que
ele parasse. Era nossa rotina passar horas em praças do Centro olhando esse
tipo de coisa. Eu gostava disso, de olhar a vida, mas não me sentia mais bem ao
ver que minha vida estava estagnada nesse quase um ano de namoro.
Não que o amor tivesse se extinguido em mim, foi por isso,
por excesso, que decidi me livrar da pequena dos olhos castanhos. Eu estava
apaixonado por outra.
Eu poderia me fantasiar de “um cara normal” para administrar
um namoro e um caso, mas eu não era assim. Em todos os meus relacionamentos (como se tivessem sido muitos até então), esforçava-me para ser intenso e completamente dedicado, chamem
de fanático religioso. Eu queria me jogar por inteiro, de cabeça, assim que a
mulher fizesse o mesmo.
Quanto mais eu namorava a primeira, menor meu amor por ficava. Quanto maior a rotina com a primeira, mais eu queria fugir disso. Quanto mais eu ficava com a primeira, mais eu queria a outra. Quanto
mais eu acariciava a primeira, mais eu queria tocar os lábios da outra.
Eu via bastante a pequena, estávamos acostumados a uma
rotina fixa, não podia reclamar de sua ausência. Mas a outra, ah, era a pessoa
que eu mais via durante a semana. Por mais que eu não quisesse vê-la, por mais que estivéssemos
brigados, ela estaria lá.
Eu bem que poderia empurrar a outra num canto, explanar meu
desejo e mantê-lo em segredo entre nós. Mas eu não podia fazer isso com a
primeira, não seria justo. Eu a amava muito, mas todo o encanto estava sumindo,
saindo de meu corpo. Por mais que eu não amasse mais tanto a primeira, eu tinha
uma imensa gratidão por ela. Conseguiu me realocar nos trilhos da vida, eu
estava perdido antes dela. Mais que perdido, afundando amarrado a meu passado.
Ela me salvou. Porém, eu estava curado. Renovado. Pronto para seguir. Partir.
Essa pequena tinha certos poderes. Ela me conhecia melhor até que eu mesmo. Ainda em silêncio, permanecíamos
na praça sob o céu nublado. Então ela disse:
- O que foi? Por que cê tá com essa cara? – fez uma cara de
quem parecia saber o que eu pretendia dizer. Respondi.
- Isso vai doer...
- Tatuagem? Qual delas cê vai fazer? A cruz ou a seringa?
Até então, enquanto ela me olhava, eu mirava o chão. Então a
mirei:
- Não, não é isso.
- O que foi, menino? – espantou-se.
Dei uma longa inspirada e expirei soltando todas as palavras
que me sufocavam.
Tudo dito, um vento soprou meu rosto, fechou meus olhos e me
levou para longe dela, das consequências e da falta que ela faria.