2013/12/20

Nós perdidos

Na imensidão, encontrou a mulher.
Bar lotado, música rolando, pessoas dançando. Ele só queria atravessar a multidão.
Nos fluxos instáveis de ondas que é andar por lugares lotados, caminhos apareciam e se esvaiam em pouco tempo. Num dos labirintos em que as paredes eram pessoas, o rapaz quase deu de frente com uma moça, que ia no caminho oposto. Ele, tímido, sorriu e fez um gesto cordial para que ela passasse primeiro. Ela sorriu, agradeceu e passou. Ele, ainda parado, acompanhou a rota da menina até ela desaparecer no mar de gente daquele lugar.
Ele não fumava, porque sua pressão zoada não o permitia, mas fugiu ao fumódromo para escapar da multidão e tomar um ar “fresco”. Então, lá fora, encontrou a moça do vestido amarelo com estampas pretas de algo que, lá dentro, ele não conseguira decifrar quando cruzou com ela. Cada um em seu grupo de amigos.
A pauta da conversa da turma dele era estilos de vida diferentes. Vegetarianos, ciclistas utilitários, gays, ateus etc.
Até que o protagonista desse romance que ainda nem existia (e havia a possibilidade não se concretizar), disse:
- Mas as pessoas cismam com o quê as outras pessoas fazem com suas vidas. Qual é o problema de ficar com alguém do mesmo sexo?
Nisso, a moça do vestido amarelo começou a prestar atenção na conversa do grupo vizinho. Morreu de vontade de fazer amizade, porque concordava com algumas coisas que rolavam no diálogo, mas não quis ser intrusa. Até que uma amiga sua fez o favor de se intrometer na conversa. E os dois grupos começaram um debate alcoolizado sobre qualquer coisa que surgisse na roda.
Já de volta a parte interna do bar, os grupos haviam se unificado e dançavam, melhor dizendo, pulavam descoordenadamente, qualquer coisa que tocasse na pista.
Numa das músicas, que Valentim gostava muito... (Perdão, o narrador tinha se esquecido de nomear a dupla de protagonistas, porque gosta de ligar pessoas a detalhes ou qualidades) O povo todo se empolgou. Logo, o rapaz percebera que Charlie (redução para Charlotte, seu "nome artístico", todos achavam isso uma bobagem, mas ninguém sabia o verdadeiro) também sabia a letra da canção. Animados, cada um com uma caneca de cerveja, os dois se encaravam enquanto dançavam desengonçados.
Valentim estava louco pra saber se ela também cantava e dedicava a música (que era sobre ser obcecado por alguém reciprocamente) a ele ou estava apenas empolgada. Ela o olhava com olhos semicerrados e um sorriso tímido - do mesmo tipo que ela o lançara anteriormente, quando se cruzaram pela primeira vez, e o fizera ficar hipnotizado. A dança da moça era leve e o fazia pensar: “Eu quero essa mulher”. Charlie estava bêbada.


...


2013/12/14

A história que eu não escrevi - Parte II

A história que eu não escrevi
(Teoria das cordas e as bifurcações ora almejadas ora indesejáveis da vida)

Parte II
A primeira

Ela fora a primeira em muitos sentidos. No final, foi a primeira que me fez a desacreditar no amor. Antes dela, eu conhecia apenas a dor do platonismo. Depois dela, aprendi que platonismo é bem melhor, porque, enquanto não há contato, não há dor (daquela que te derruba e te faz acreditar que você nunca voltará a ficar bem). Eu fiquei tão mal, por mais que não a amasse mais, que preferi me jogar em coisas que não gostava só para esquecê-la. Eu precisei de novos vícios.
Porém, não posso ser ingrato e lembrar apenas da parte ruim. Vivi grandes momentos com ela. Ela estava ao meu lado em algumas conquistas (e derrotas). Aliás, ela fora uma grande conquista.
Desde o começo, foi tudo muito sincero. Tudo muito recíproco. Eu pude me jogar em seu colo na certeza que receberia conforto. Porque eu precisava.
Aprendi muito. Errei muito. Aprendi muito com meus erros. Renovei-me. Mudei.
As mudanças começaram antes mesmo de começar o namoro. Minha atitude para chamar sua atenção não fora praticada antes. E deu certo.

2013/12/11

Romance sem nomes - Primeiro capítulo

Sexo não tem sexo

Estavam somente os dois na fileira “I” da sala, à quatro poltronas um do outro.
O filme acabou e os dois, cada um em seu próprio mundo, tentavam compreender o filme assim que os créditos começaram a subir. Então, as rotas de seus olhares se colidiram, e os dois, abatidos pela intensidade do longa, olharam-se com cara de “e agora?”.
Ele queria explanar sobre como achou a obra um misto entre Lars Von Trier e Xavier Dolan.
Ela precisava elogiar a atuação do elenco e, ela queria falar sobre, apesar de odiar esse clichê: a entrega deles.
Até que ela perguntou:
- Gostou?
- Eu g...  – travou porque ainda não tinha formado sua opinião – Não sei... – levantou as mãos abertas como se fosse cair do céu alguma resposta – tenho que esperar um tempo pra absorver o filme inteiro. – olhou à até então desconhecida vizinha de poltrona -  E você?
- Eu acho que preciso rever mais algumas vezes.
- Pois é, pena que essa foi a última sessão de hoje.
- Ah, eu arranjo alguma coisa pra fazer até amanhã.


É difícil sentir sem poder sentir

Eles estavam reciprocamente conscientes que pretendiam imitar o que viram na grande tela. A intensidade, o sentimento. Não exatamente da mesma maneira como as pessoas em cena fizeram, mas esses dois queriam repetir o que viram ser encenado. Eles queriam somar o que sentiram enquanto assistiam a performance das atrizes ao que estavam dispostos a fazer.
- O que eu acho mais foda é, na maioria das vezes, os atores, as atrizes, ali, não são exatamente, não pensam do mesmo jeito, não são iguais aos personagens que vivem. Aí eles têm que simplesmente abandonar o que são, o que sentem, para dar vida à outra vida... Às vezes, não é um negócio tão simples. Um cristão fazer o papel de um ateu. Uma homossexual fazer uma hétero. Um casado fazer um mulherengo...
- Têm que sentir sem poder sentir.
- Como assim?
- Eles têm que mostrar um sentimento, que talvez não seja o que eles, atores e atrizes, estão realmente sentindo, sabe? Assim... No papel, a atriz tem que sentir o que a personagem dela está sentindo e não pode deixar o que ela mesma, a atriz, está sentindo escapar. A menos que seja a mesma coisa.
- Ah, faz sentido. Atuar é um negócio...
-... Difícil.