2014/01/28

Cachorro-quente, corrente de prata

Assim que o filme terminou, decidiu sair para comprar comida. Entre as duas quadras que separavam seu apartamento da barraca de cachorro quente, ficou pensando sobre o filme e como uma pessoa viciada tem dificuldades para largar um vício. Não que a história ou seu desfecho tivesse deixado o rapaz melancólico, mas o deixou pensativo. Ficou admirado com o encanto da atriz que encarnou a protagonista, sobre como algumas pessoas que têm tudo conseguem se contentar com nada ou desejam se afundar em coisas “ruins”. Não que estivesse nessa situação, mas ficou pensando.
Fez o pedido, trocou algumas palavras com a já conhecida atendente e se distanciou para que outros clientes pedissem seus lanches.
No centro da praça onde ficava a barraca, havia um busto em bronze da mulher que batizava o lugar e, perto dali, estava um cachorro olhando todas àquelas pessoas comendo seus lanches. O animal parecia faminto.
Então o rapaz olhou para a lixeira ao seu lado e recolheu alguns restos de comida para dar ao cão. Sentou-se ao lado do animal que mal respirava e engolia tudo como se fosse sua última refeição. Talvez fosse. Eis a vida de um andarilho na metrópole egocêntrica.
O rapaz então se sentou junto ao cachorro ao pé do monumento e ficaram os dois ali observando a noite, as pessoas. De repente, o rapaz se levantou, foi à barraca e perguntou se seria possível que lhe dessem duas ou mais vinas para que ele alimentasse o cachorro.
Depois do banquete, o cachorro seguiu seu rumo incerto. O rapaz então começou a andar pela praça a espera do pedido, mas havia muita gente na frente. Na barraca, havia uma televisão, que chamou a atenção dele.
Não foi o programa a ser exibido que o paralisou, foi a moça que estava sob o aparelho esperando seu pedido. Olhos verdes, cabelos loiros e cacheados, camiseta verde com “India” e uns desenhos estampados. Assim como ele reprimia sua ansiedade roendo unhas, ela parecia fazer o mesmo ao mexer na corrente de prata que repousava em seu peito.
Porém, o que mais chamou a atenção do rapaz na moça foi que ela era incrivelmente parecida com a atriz do filme que ele recém assistira. Um dos personagens do longa definia a protagonista como “olhos melancólicos” e isso reforçava a semelhança entre as duas mulheres. Além de não parar de mexer em sua corrente, seus olhos estavam dispersos, livres da gravidade, iam e viam a todos os cantos da barraca, da praça, das pessoas. De vez em quando, a rota do olhar colidia com a do rapaz, que tinha dificuldade em prender o foco a outra coisa que não fosse a moça.
Ele não podia chegar nela. Ouvindo as conversas, descobriu que as duas mulheres que estavam ao seu lado eram sua mãe e sua vó. As três se distanciaram da barraca e se recostaram sobre o carro delas. Com a demora para o pedido sair, as duas mais velhas entraram e se sentaram. A mais nova permaneceu encostada no veículo e, de tão ansiosa, tirou a corrente e a repousou sobre o próprio rosto como se fosse um bigode. O acessório quase caiu e ela riu sozinha. Quer dizer, o rapaz também riu consigo mesmo da cena.
O observador estava de braços cruzados, e, ao ser flagrado pela moça e perceber que ela estava na mesma posição que ele, deixou um sorriso escapar. A moça disfarçou olhando para a calçada e sorriu. Tímida, parecia que ela queria que o rapaz visse o sorriso que lançou. Ela gostava de sentir que pessoas percebiam sua existência, já que ela não era explícita a ponto de gritar literalmente que existia (ou não queria ser vista). Com o canto do olho, ainda sorrindo, mirou o rapaz, que ainda a observava também sorrindo.
Ela queria pega-lo pela mão e levar os olhares e sorrisos tímidos a lugares que só os dois pudessem desfrutar.
Ficaram ali se comunicando silenciosamente por um bom tempo.


- Pedro! Dois simples pra viagem.
Pegou os lanches e partiu. Não olhou para trás, mas sentiu (e sorriu para si mesmo ao acreditar na possibilidade de) que a moça estivesse o observando a distância. Nunca mais se encontraram novamente. Ele se casou duas semanas depois e foi morar em outra cidade. Ela morreu em um acidente de ônibus em um feriado santo.

2014/01/24

Voltei aonde nunca estive

Despida, tira uma letra do teu nome e, em inglês, parecerá “undressed”, que é justamente como eu te quero. Despida, desvestida, vulnerável. Perdoe-me por parecer tão explícito no sentido erótico, mas não é o que pretendo ser neste momento. Quero adentrar nos teus pensamentos. Desarmar sua mentalidade pessimista que teima em querer não se relacionar.
Conhecer-te plenamente a fim de realizar minha próspera convicção de que você é tudo isso que aparenta ser. Tudo isso que me faz passar horas pensando em você. Sei que tens problemas pessoais, eu também tenho toneladas deles.
Não sou de acreditar no poder astral ou em numerologia, mas se for pra falar disso.Um dos teus números faz certo sentido na minha vida. Ou teimo em acreditar que essa coincidência realmente signifique algo. Porém, deixando as crenças tolas de fora, eu queria que a nossa existência fizesse sentido, que minha existência na tua vida fosse mais concreta do que foi durante todas essas novelas inspiradas no intangível que vivemos.
Sinceramente, gostaria de apagar as pessoas que nos ferraram de nossas memórias e te sequestrar para vivermos numa outra cidade. Tu não sabes, creio eu, mas despertas em mim um descontrole injustificável. É algo que me domina, cega-me de todo o resto e me faz enxergar  apenas você. Vai e volta. Sei que percebeste que alguns manuscritos digitais eram sobre ou para você. Sei que pensaste que foste uma indireta. Não foi indireta. Foi bem direto. Só não chamo teu nome, porque você sabe que te chamei em alto e bom som através de palavras. Apenas não disse que era pra você, mas está bem explícito que é sobre você. Para você.

Pois é, acredite, eis-me aqui novamente acreditando no potencial entre nós dois. Voltei aonde nunca estive, pois voltei a desejar visitar tua vida. Perdi o foco ao começar a dialogar comigo mesmo sobre como e quanto quero que você acredite no potencial entre nós dois e deixe de temer o risco. Isso pode dar muito certo, o que quer que "certo" possa significar.
Em um ano, eu fui e voltei tantas vezes, me perdi tantas vezes, congelei várias vezes, me afundei muitas vezes, mas continuo cismando em você. Deve ter um porquê (e não me venha dizer que sou um idiota teimoso e insistente, que está perdendo tempo, porque minha convicção, assim como meu orgulho, estão bem decididos neste caso).





Do dicionário de nomes próprios:
"'Extrema feminilidade'. 'Robusta' ou 'guerreira' são outras das possíveis definições para esse nome, segundo alguns estudos."

2014/01/20

Quebra-cabeça

Olhos e lábios

Era sábado. Ele estava deitado em sua cama durante uma tarde ensolarada. Seu telefone tocou e era um amigo perguntando se o moço estava em casa. Chamou-o para um suco. Conversando sobre tudo que lhes ocorrera desde o último encontro dos dois, o amigo contou o pedaço da história de uma amiga que fizera recentemente. O moço ouvinte ficou atento e curioso para conhecer a moça. Perguntou seu nome.
Ao chegar em casa, foi procurar pelo nome da garota nas redes sociais. Ao abrir um álbum de fotos, mirou diretamente numa foto em que ela aparece segurando seus cabelos loiros com mechas roxas e um olhar vazio, triste. Nos lábios, um batom de uma cor que deixou o rapaz extasiado. Era um vermelho tão intenso, tão vivo, o oposto do que o olhar dela expressava. Porém, essa combinação tão oposta tornava tudo tão equilibrado, tanto a foto quanto a alma do rapaz que a apreciava.


Voz

Tornou-se um tanto aficionado pela beleza da moça e tentava encontra-la em todos os lugares que ela possivelmente frequentasse. Tanto ambientes reais quanto virtuais. Em uma stalkeada rotineira, descobriu que a moça, além de carregar toda aquela beleza que o deixava extasiado, também cantava. Encontrou três gravações caseiras da moça, em um site que ela compartilhara numa rede social, e encantou-se pela voz doce e simultaneamente ruidosa. Ele não se deu ao trabalho de traduzir as canções para saber sobre o que se tratavam e passou uma hora seguida as ouvindo repetidamente.
Dias depois, o rapaz sonhou que a voz rouca chamava pelo seu nome em algum cômodo da casa, mas ele não conseguia se levantar e então começou a gritar pelo nome da moça repetidas vezes. Na manhã seguinte, o irmão do sonhador perguntou quem era “Charlie”.


Sentimento

O amigo do admirador secreto da moça, que a conhecia, informou-o que ela estaria participando de uma exposição de estudantes de Artes. Além de ter uma voz que o deixava bêbado e uma beleza que o extasiava, ela fazia arte. Ele não sabia mais o que esperar dessa mulher. Ele queria ainda mais conhecer cada novo pedaço dela.
Marcou de ir com seu amigo, que, porém, ligou avisando que não poderia ir à exposição. Ansioso, foi mesmo assim, sozinho.
Nos primeiros minutos dentro do local, ignorou os trabalhos expostos lá para tentar avistar a tal moça multifacetada. Apenas cinco pessoas estavam na grande sala e nenhuma delas era a que o rapaz procurava. Decidiu então procurar pelas pinturas de Charlie.
“Nada me falta além de tudo” acompanhava o desenho de um busto feminino com a cabeça explodindo em vermelho. As letras cursivas partiam da cabeça no canto inferior esquerdo da tela e ascendiam ao lado oposto em uma diagonal quase dançante, irregular. A cor do sangue era a mesma do batom que a artista usava na primeira foto que ele viu dela. O rapaz então começou a se aproximar ainda mais do desenho a fim de realizar se era ou não batom de verdade ali. Decidiu tocar e sentir a textura da obra e teve a sensação de estar tocando os lábios da moça. Sentiu algo estranho naquele momento, um frio na alma. Tirou a mão do desenho, deu um passo atrás e releu em voz baixa a frase:
- Nada me falta além de tudo. – ele riu consigo mesmo em um tom de indignação e incompletude e disse como se estivesse corrigindo a artista – Nada me falta além de você tornando minha vida uma obra prima.
- Mas o que é uma obra prima pra você? – Entoou uma voz desconhecida vinda de trás do moço.
Ao virar-se, congelou como se estivesse vendo um desenho inédito de sua nova artista favorita. Respondeu:
- Você.

2014/01/16

Sorrisos escancarados (entre ontem e depois)

Prólogo

Esta foi a primeira foto que tiramos juntos como um casal. Não lembro a ocasião ao certo, mas não é exatamente sobre isso que eu gostaria de escrever.
No dia, nós dois sabíamos (mais ninguém) muito bem a estrada onde nosso caso se encontrava: era coisa séria. Não eram apenas encontros esporádicos quando estivéssemos desocupados. Era coisa sentir uma tranquilidade tremenda quando suas mãos afagavam meu cabelo. Era caso de fugir do meu trabalho ou de qualquer lugar ao saber que você estava sofrendo mais uma de suas crises de ansiedade (e identidade). Era trocar um passeio pelos bares de nossa cidade pra ficar em casa e arriscar assistir (talvez perder tempo assistindo) um filme qualquer. Era te ver deitado na sua (minha) cama, lendo, enquanto eu terminava trabalhos de faculdade (Ou vice-versa). Era fugir de aulas sonolentas pra conversar sobre tudo ou nada no ponto de ônibus. Era sério. Era o que eu queria.
Uma fotógrafa mirou nosso grupo distraído e perguntou se queríamos guardar o momento. Agrupamo-nos e ele se assustou quando repousei minha mão por trás de suas costas no seu ombro direito. Hoje, revendo a foto, entendo sua reação: Ele me abraçou e apertou meu braço como se não quisesse mais me soltar. Seu abraço parecia me engolir e eu parecia pequena perto do seu carinho exacerbante. Eu fiquei quase que escondida, esmagada, soterrada, pelos seus braços. Seu sorriso inesperado anunciava a surpresa do meu gesto. Eu não sorri na foto, mas foi porquê eu fiquei tão anestesiada pelo abraço carinhosamente apertado que preferi sorrir com o olhar. Apesar de ser um dia nublado, meus olhos iluminavam a cena. Assim que a fotógrafa partiu e o grupo retornou a posição de círculo de conversa, eu fugi de seus braços, mas não dele, que me deu um rápido beijo. Novamente, seu sorriso entregou a surpresa pela atitude. Seu sorriso dizia tanto.
Daí em diante, só aumentou.
Ele me cantava com toda a razão do mundo, “... demorou pra ser, mas agora é...”, e eu ria de sua voz desafinada. Porém, eu sabia que era verdade, sabia que ele me notara muito antes de eu saber de sua existência, sabia que a internet o ajudara a saber parte de minha rotina e história, sabia que ele tinha dificuldade para chegar em mim, sabia tanta coisa... Eu sabia que quando enfim o conheci, eu me perdi em seus imensos sorrisos e encantos. A partir de certo momento, lá pelo terceiro encontro, eu soube que estava disposta a descobrir seus mistérios e suas vontades. Sabia também muito bem que, desde antes de eu conhece-lo, ele não se esforçava em esconder suas intenções.
Eu só queria falar sobre a nossa primeira foto como “nós”. Depois daquela, foram muitas outras, que serviram para provar o quanto fomos felizes juntos. Nossos sorrisos e olhares assumiam escandalosamente.

...

Eu falei disso tudo sobre você como se esta carta não fosse para você, pra tentar te mostrar como eu contava nossa história a outras pessoas. Até hoje, tempos depois, tenho receio falar sobre nós, de assumir o quanto você me fez bem, por achar que eu estaria mentindo, porque é algo difícil de medir. Ainda tem muita coisa para ser contada, mas não tenho certeza se terei força para encarar todas as memórias.

P.s.: Relendo esse texto, percebi que é uma versão só nossa das cartas de Eva Katchadourian a Franklin “Plástico”. (Espero que ninguém me processe por plágio). E o final é quase o mesmo: você não está aqui.

2014/01/12

(vazio)

- Você é um amor de pessoa. – disse a moça para quem ele acabara de dar um cigarro.
Ele sabia disso. Ninguém precisava reitera-lo do assunto. A triste verdade é que ele não sentia vontade de exercer o tal título. As pessoas não faziam por merecer.

Desde bebê, fora acostumado a dormir apertando o lóbulo fosse de sua mãe ou de seu pai. Quando esses dois não podiam mais alimentar essa mania, começou a utilizar nas mulheres com quem dormia. Fosse de uma noite ou de uma vida inteira-enquanto-durasse, a mulher teria de aceitar o gesto que o tranquilizava intensamente.

Nos tempos de melancolia, já adulto, recorria à praça onde passou grande parte de sua infância, brincando de bola, brincando com algum de seus cachorros – sua casa recebera até os doze anos de idade do menino, sete cães (Primeiro veio Belarmina, que morreu e foi substituída sequencialmente por Azul, Carpa, Linus, Jornaleiro, Agá e Tibúrcio (este, na opinião do menino, o melhor companheiro e ser vivo que ele já conheceu). Após os incidentes de seu aniversário de 13 anos, o garoto não teve mais companhias caninas. Nem mãe nem pai. Começaram as ruínas.
Não sabia como lidar com sua vida a partir desse desmoronamento. O apartamento dos pais ficou para o único tio do menino, que, solidário e sem precisar do apartamento ou as verbas que o aluguel o daria, pôs o imóvel em seu próprio nome e deixou o menino morando lá sozinho. Semanalmente, o homem visitava o garoto, forçado a ser adulto antes da hora. Toda semana, o menino recebia comida, dinheiro e itens suficientes para os próximos sete dias.

Seu relacionamento com o cigarro era instável. Não fumava todos os dias e ia além, ficava um, seis, doze meses sem ter vontade de fumar. Porém, quando o desejo pelo produto com “perigo” estampado na embalagem surgia, sua reação impulsiva não cogitava analisar os malefícios que aquilo poderia lhe fazer.
Ele sentia a fumaça corroer seus pulmões, mas era justamente isso que o fazia sentir-se vivo, apesar de morrer um pouco mais a cada nova tragada. Ele captava o caminho da fumaça em seu organismo. Inspirar e expirar com a fumaça era uma terapia tranquilizante. Ouvir e sentir sua respiração o fazia querer respirar mais, ouvir mais, viver mais.
Era a terceira semana seguida que ele passava boa parte da noite sentado sob a luz do mesmo poste na tal da praça nostálgica fumando. Antes de se alocar, passou na banca de revistas e comprou uma carteira de cigarros. Assim que se sentou, surgiu um moleque, uns cinco anos, no mínimo, mais novo, perguntando se ele poderia vender ao desconhecido um cigarro. Respondeu com o cigarro aceso na boca e um tom adulto, o que ele realmente era há dez anos neste mesmo dia:
- Tranquilo, cara, eu te dou. Fique susse.
O garoto ficou sem jeito aguardando o homem tirar o cigarro, que cismou em não querer sair da carteira. Logo que recebeu o cigarro, não hesitou em dar umas moedas ao solidário fumante.
Poucos instantes depois, vinda do mesmo grupo do outro garoto, surgiu uma menina pedindo um cigarro e dizendo que não teria nada a oferecer em troca. Neste momento, o homem de mente às vezes maliciosa riu internamente, mas disse que não haveria problemas em doar mais um de seus assassinos. A menina agradeceu dizendo que ele era “um amor de pessoa” e retornou aos seus amigos.
Fumou seu terceiro cigarro, juntou as bitucas e se levantou. A caminho do grupo de adolescentes, que deveriam estar em suas respectivas casas àquela hora da noite, depositou em um lixo as bitucas. Parou em frente aos menores dizendo “Toma, piazada, presente pra vocês” e seguiu o caminho de casa. Ao fazer isso, lembrou-se de Mikael Blomkvist comprando uma carteira de cigarros e a jogando inteira no lixo após pegar e acender um só cigarro.

No dia seguinte, era um sábado, retornou à praça em um horário diferente. Muitas crianças e muitos cachorros corriam pelo lugar fazendo muito barulho, mas ele conseguia ignorar tudo isso e pensar em outras coisas, fingir que estava dentro de um sonho ou que alguma moça estivesse ao seu lado naquela tarde de sábado. Aliás, nem isso, amor (ou vontade de estar com alguém), ele sentia naquele momento.
Começou uma baderna entre cachorros, que chamou a atenção do nosso rapaz. Ao olhar à origem do barulho, viu um moço correndo dos animais ferozes. O tal rapaz o lembrou um personagem de um filme que assistiu. Então começou a conversar consigo mesmo sobre cinema e personagens frustrados. Foi então que lhe ocorreu a ideia de arriscar ver o que estivesse em cartaz na sala mais próxima.
Ele estava se sentindo vazio há dias e acreditava que o filme fosse o preencher ou pelo lhe impor uma sensação ilusória de preenchimento emocional, mas, ao fim da sessão, sentiu-se mais vazio ainda, e, além disso, machucado internamente ao compartilhar da mesma dor da protagonista:
- Eu não sinto mais nada... Eu não sinto! – Disse ela desesperada aos prantos na cena final.

Afundou-se quieto na cadeira até que os créditos finais acabaram. Ele não queria sair dali. Ele não conseguia imaginar como sua vida seria dali em diante. Não que ele tenha ficado assim por causa do filme, mas assistir aquilo lhe fez repensar aonde ele estava indo. Lugar nenhum. Ele queria ir a um lugar que o preenchesse, mas sem lhe prejudicar, o que o cigarro o fazia. Ele queria um vício novo, estava cansado de cigarro e vazio. Sua primeira e única experiência com outras drogas, no final, trouxe a mesma coisa de sempre: o vazio. Ele afirmava que a arte era sua droga verdadeira e favorita. Era o que o distraia das tristezas e, novamente, porque sim, do vazio.