2016/08/24

Auxese, Axioma, Exegese ou Don't love the ...

Pela septuagésima oitava vez, chego a uma conclusão diferente, cada uma por um caminho diferente, e ainda assim me nego a entender a verdade - "isso não pode acontecer comigo, é demais" -, desespero-me, é assustador, absurdo, acreditar. Talvez seja melhor crer na alucinação, que isso tudo é irreal, surreal, que nada existe. De tanto o sol passar sobre nossas cabeças, começamos a acreditar que nos cruzaríamos sempre, o astro e a Terra, e alguém levou ainda mais a sério e descobriu que girávamos a seu redor. Não existe metáfora nisso, já adianto, não é meu Sol, apesar de queimar minha paciência a lentidão da conclusão dessa jornada, mas não é você que a queima, ou, já que se fala de astronomia, a demora para a chegada do novo ano, o novo ciclo.
Não queria que tudo se repetisse, mesmo que parte de nossa rotina - our very own - ser o que me instiga a permanecer. Permanecer, ponto.
É como se estivesse em um elevador que sobe e desce, mas sempre para no mesmo andar, e toca a mesma música, um tanto sinestésica, as ondas sonoras são cores, a cor do seu cabelo, a cor dos seus olhos, a cor das suas cicatrizes, dançam ao meu redor e me envolvem, me abraçam, fundem-se às minhas cores, às minhas dores. Quando escolho subir ou descer escadas, os ambientes se tornam cinzentos e a ausência das suas cores tangíveis deixam fendas herméticas, onde não circula sangue nem ar, há abstinência de sentir-te me invadindo as entranhas, causando espasmos, mãos trêmulas, estas ausências me machucam, não fisicamente, obviamente, mas incomodam.
Queria sair de mim, ao atingir o auge ainda inalcançado deste romance, para jogar sobre nós gasolina, acender um fósforo e ver-nos queimar como a mais bela fogueira que poderíamos ver, mas desisto da intenção ao perceber a pretensão que há em dizer que ainda não alcançamos o ponto mais alto de nossa história, pois, é importante sermos realistas, podemos ter passado pelo pico tão rapidamente e nem percebido por estarmos distraídos demais com os nossos silêncios, ou distantes.
Falo de mim por não ter a chave para o teu cofre de sentimentos, não li seus diários mentais nem sei se pretendo lê-los, sei da existência de trechos perturbadores dos seus pensamentos, sei que os tem, assim como tenho os meus, mas leria todo e qualquer capítulo que quisesse me mostrar, decoraria todas as estrofes dos poemas que contribuíssem para adiar qualquer mal dos teus dias, escreveria em nossos lençóis, por mais piegas que isso seja, e, sim, nossos lençóis, porque ainda acredito na possibilidade de um dia compartilharmos um ninho, cultivarmos um bonsai e segurarmos um mesmo teto, com um de seus batons um lembrete de tudo o que somos, a fim de reduzir o impacto quando atingidos por uma daquelas fases, você sabe, que a única vontade pura é permanecer em posição horizontal, observando o escuro ser tomado pelo sol que atravessa a cortina quase translúcida que tanto prometemos trocar por uma black-out que vimos em alguma loja de algum shopping durante mais uma de nossas perambulações fugindo de uma ou duas crises ansiosas, elas existiriam de vez em sempre.
Se somos o que sentimos, então somos o exagero. Somos a representação do que se entende por hipérbole romântica, afinal não vivemos o que sentimos, apenas sentimos.

2016/08/08

Sono

Queria escrever sobre a conexão que sentira ao saber, naquele dia em que ela, sem intenção de entregar o enredo, depois que ele afirmou saber que alguém morria no meio da história, confessou, sem dizer nome algum, que era sua personagem favorita. Naquele instante, soube quem morreria. Tentava se desprender de tramas doídas, mas, entre Uma Vida Pequena e Dias de Abandono, decidiu prosseguir com a crônica de uma morte anunciada, não aquela do Gabo. Ao fim do episódio, depois de chorar, pressionar a cabeça com as duas mãos, como se tentasse arrancar a memória daquela cena e se concentrar na própria respiração para se acalmar, pensou em mandar uma mensagem sobre conexão mental, "quando você falou que era sua personagem favorita, eu soube", sobre o quanto eles se conheciam, completavam, contemplavam, corriam, à distância, juntos, em silêncio. Ou escrever um conto sobre tudo isso. Intrinsecamente, apesar de não assumir em voz alta a si mesmo nem a ninguém, usava a literatura - tanto no ler quanto no escrever -, corrigindo, a ficção como um  recurso para se aproximar dela. No meio do caminho, teve a epifania de que não era capaz de transcrever, traduzir, o que sentia por ela nem o quanto ela importava para ele. Repetia-se nos rascunhos, apesar disso, não se cansava, não havia crítica literária apontada para seus textos, afirmando que já estavam repetitivos, que deixaram de ser inventivos e não tinham interesse para a sociedade em geral, não importa. Queria escrever. Continuar o que havia começado mentalmente. Porém, estava cansado demais para se livrar das cobertas, levantar e procurar seu caderno ou ligar o computador. Além do cansaço, um pedaço de ferro atravessava seu crânio numa dor de cabeça consequente de um pouco de choro depois de testemunhar a morte ficcional - mas nem por isso indolor -, somado a uma ressaca causada pela labirintite atacada na madrugada anterior.
Devia ter escrito, pois, na manhã seguinte, esqueceria-se das frases elaboradas mentalmente,  que se tornariam célebres e seriam citadas em obras de outras pessoas no futuro, mas dormiu.