2014/10/22

Porcelana: Crueza sentimental e carnal

Estava decidida a comprar uma garrafa de qualquer coisa que tivesse teor alcoólico superior a 20%, afundar-se em seu sofá, sozinha, e vomitar tudo aquilo que lhe incomodava – o que não era pouco -, jogar tudo aquilo pra fora, fosse através de lágrimas ou de suas telas . Entrou na loja, estranhou o ambiente, que passara por reforma recentemente, e foi rumo à prateleira de bebidas. Muitas opções.

Estavam xingando a lentidão de um filme que a moça conhecia, gostava e assistira duzentas mil vezes. Ela quis logo iniciar uma discussão com as desconhecidas, mas alguém fez isso antes. Havia um rapaz com as duas moças, deviam ser amigos, namorados, qualquer coisa íntima, porque ao mesmo tempo em que se xingavam, sorriam e riam. O trio se sentou numa mesa da área externa da loja para comer. Ainda vagando pelos corredores do lugar, decidiu parar para comer antes de morrer em seu sofá e acordar dois dias depois. Ela queria conversar com os cinéfilos. Para sua alegria, a única mesa vazia era ao lado deles. Não teve dificuldade para puxar conversa e, felizmente, o grupo a recepcionou bem. Em menos de dez minutos, já dividia a mesma mesa que as duas moças, que eram irmãs, e o rapaz que encantou a moça e não “pertencia” a nenhuma delas. Os dois, sem que percebessem, começaram a demonstrar afinidade, vontade e proximidade. As gêmeas precisavam partir. Ficaram os dois na mesa, agora sem falar de cinema ou outras coisas, começaram a conversar sobre suas vidas, sobre como era diferente – e bonito - uma morena com sardas; sobre uma pessoa de uma família financeiramente privilegiada que não se importava com esse status e construía sua vida, sua arte, da forma que bem quisesse, morando de aluguel num apartamento pequeno e barato; sobre um cara que, por fora, parecia ser grosseiro - a cara desgastada por noites mal dormidas e a barba reforçavam essa ideia-, mas, assim que soltava as primeiras palavras, provava-se um tonel de carinho e doçura. Não tinha mais volta. Ou começavam a expressar a vontade recíproca ou... Estavam perdidos, tinham pressa em jogar tudo pra fora tão rápido quanto surgiu o interesse, estavam fadados ao desejo de se completarem com palavras, sorrisos, carinhos – tanto verbais quanto físicos, beijos, sexo...
No impulso, sem muito diálogo após um toque de mãos e sorrisos gritantemente silenciosos, foram a um hotel da região. Entraram no quarto e logo se deitaram. A força impulsiva então parecia que tinha enfraquecido. Começar a conversar mais. Agora, sobre frustrações. Ela não tinha muitos problemas para abrir sua caixa de problemas, ainda mais para quem, em pouco tempo, já transpirava confiança, e relatou sobre o fato de ter começado a gostar de uma amiga em uma forma romântica, que isso serviu para que a pessoa se afastasse, desperdiçando toda a amizade, que permaneceria viva se não houvesse no amor a tal da reciprocidade. Isso a derrubou ainda mais, além dos problemas que já a machucavam desde..., mas estes ela preferiu poupar, pois eram pesados demais e poderiam afastar o rapaz, então o silêncio cerrou os lábios da moça, que terminavam unidos em uma linhazinha de cada lado, como se ali fossem destinadas a receber palavras que o único lápis compatível seriam os beijos de alguém. No desconforto do vácuo, iniciou ele seu relato sobre a pessoa que cagou não-literalmente em sua cara, ferrou sua vida de diversas maneiras e ainda quis sair como a vítima da história. Não se estendeu muito no caso, pois foi invadido por uma raiva traumática. Parecia que as cicatrizes - tanto emotivas quanto físicas - haviam começado a sangrar novamente. Ele não queria sentir coisas ruins ao lado dela, a existência dessa mulher repelia tudo isso. Não terminou de contar a história.

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